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terça-feira, 26 de outubro de 2021

O depoimento de duas médicas transexuais críticas à transição de crianças e adolescentes - Ideias

Ideologia na ciência

O depoimento de duas médicas trans negado pelo New York Times

Com passagem pela Universidade de Washington, pela Universidade do Minnesota e pelo Centro Médico da Suécia, a ginecologista Marci Bowers é reconhecida internacionalmente por sua especialidade em cirurgias de redesignação de gênero. Foi ela a responsável por operar a ativista Jazz Jennings, estrela do reality show americano “A vida de Jazz” e uma das pessoas mais jovens a se identificar como transexual nos Estados Unidos, tendo feito a cirurgia aos 17 anos.

Erica Anderson, por sua vez, atua como psicóloga clínica da Clínica de Gênero Infantil e Adolescente da Universidade de São Francisco na Califórnia e também possui extensa experiência com pacientes com disforia de gênero. Ambas são mulheres transexuais e membros do conselho da Associação Profissional Mundial para Saúde Transgênero (WPATH), a organização que define os padrões mundiais para atendimento médico de pessoas transexuais.

No último mês de setembro, a dupla enviou ao The New York Times um artigo alertando para o fato de que muitos profissionais da área estão, consistentemente, tratando crianças com sintomas de disforia de gênero de forma desleixada. O texto foi rejeitado pelo jornal, por estar “fora das prioridades de cobertura”. Coube à jornalista Abigail Shrier, autora do livro “Irreversible Damage”, que trata o aumento súbito de casos de adolescentes auto-identificadas como transgênero e submetidas a tratamentos hormonais sem o devido diagnóstico, ouvir os depoimentos das duas especialistas. A reportagem foi publicada em inglês, na newsletter da jornalista Bari Weiss, que pediu demissão do Times em 2019 expondo a falta de compromisso do veículo com a tão divulgada pluralidade de opiniões.

Didático e revelador, o artigo de Shrier é calcado na vasta experiência de Anderson e Bowers - esta, com mais de 2 mil cirurgias de vaginoplastia no currículo e eleita para liderar a WPATH a partir do ano que vem. Hoje, a organização recomenda que a supressão hormonal da puberdade comece nos primeiros estágios para muitas crianças disfóricas ou mesmo não-conformes de gênero (meninas com comportamentos vistos como masculinos e vice-versa), insistindo que seus efeitos são “totalmente reversíveis”.

Bowes discorda. “Acho que houve ingenuidade por parte dos endocrinologistas pediátricos que eram proponentes do bloqueio precoce [da puberdade] pensando que apenas essa mágica pode acontecer, que os cirurgiões podem fazer qualquer coisa”. A ginecologista afirmou também que a WPATH não está preocupada em ouvir pontos de vistas diversos sobre o assunto - incluindo médicos genuinamente preocupados com a saúde da população LGBT. “Definitivamente, existem pessoas que estão tentando impedir a entrada de qualquer pessoa que não acredite na opinião geral de que tudo deveria ser afirmativo e que não há espaço para divergências”, disse.

Uma das maiores preocupações da ginecologista, inclusive, é com a futura vida sexual das crianças e adolescentes submetidas a estes processos hormonais. O caso de Jazz Jennings, que ajudou a alçar Bowels ao estrelato, não foi isento de complicações: por ter tomado bloqueadores hormonais desde os 11 anos de idade, aos 17, Jennings possuía o órgão sexual do tamanho do de uma criança pré-púbere. A “construção” do canal vaginal e do clitóris exigiu a retirada de revestimento do estômago. Aos 25 anos, a ativista nunca experimentou prazer sexual - e nunca experimentará.

“Se você nunca teve um orgasmo antes da cirurgia, e sua puberdade foi bloqueada, é muito difícil conseguir isso depois (...) Eu considero isso um grande problema, na verdade. É o tipo de problema do qual nós, em nosso ‘consentimento informado’ de crianças submetidas a bloqueadores da puberdade, esquecemos um pouco”, diz Bowers, que explica que a combinação de bloqueadores precoces com hormônios do sexo oposto desde a tenra idade tende a deixar os pacientes inférteis e sexualmente disfuncionais.

Por conta destes tratamentos movidos à ideologia no lugar da prudência (Shrier recorda que, por décadas, médicos especialistas em gênero recomendaram que crianças e adolescentes com sintomas disfóricos fossem cuidadosamente observados antes de qualquer intervenção), Anderson afirma, na reportagem, que provavelmente haverá um número crescente de arrependimentos entre esta população de adolescentes.

“É minha opinião que devido a alguns dos - como dizer? - vou chamar apenas de tratamentos ‘desleixados’, que teremos mais jovens adultos que se arrependerão de ter passado por esse processo. E isso vai me render muitas críticas de alguns colegas, mas dado o que vejo - e sinto muito, mas é minha experiência real como psicóloga que trata de jovens variantes de gênero - estou preocupada com decisões que mais tarde serão lamentadas por aqueles que os fizeram”.  
Para ela, o erro dos profissionais de saúde está em “apressar as pessoas na medicalização e falhar - terrivelmente - na avaliação do histórico de saúde mental e alguém historicamente nos tempos atuais e em prepará-los para tomar essa decisão de mudança de vida”.
Vale ler, na íntegra, o texto de Abigail Shrier: além das falas destacadas, a jornalista traça um histórico dos protocolos de tratamento para disforia de gênero, caracterizada como um severo desconforto ou inadequação com o sexo de nascença. 
Trata-se de uma condição médica real, prevista no Manual de Diagnósticos da Associação Americana de Psiquiatria (DSM). Precisamente por isto, deve ser avaliada e tratada com o máximo de cuidado, tendo por amparo as melhores práticas científicas construídas através de pesquisas de ponta e diálogo franco, ao invés de bravatas. 
 
Maria Clara Vieira, colunista - Gazeta do Povo - Ideias