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segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Judiciário deve estourar o teto de gastos pelo segundo ano seguido

Judiciário caminha para extrapolar o limite de despesas em 2018, pelo segundo ano seguido. E em 2019, com o reajuste de 16,55%, deve superar também a margem permitida em lei para o estouro coberto pelo Executivo

Abaixo-assinado contra reajuste

O Partido Novo iniciou, na quarta-feira, um abaixo-assinado on-line contra o reajuste do Judiciário. A campanha, encabeçada pelas #AumentoNão #VetaTemer, já colheu 2,5 milhões de assinaturas na internet e bateu o recorde histórico da plataforma Change.org no Brasil. Ontem, estavam programadas manifestações em 10 cidades. A hashtag #AumentoNão chegou ao primeiro lugar no Trending Topics brasileiro do Twitter e em segundo lugar do TT mundial da plataforma, na quarta-feira. Representantes do partido protocolaram, na Presidência da República, o link do documento contendo as assinaturas coletadas on-line.

Pelo segundo ano consecutivo, o Poder Judiciário deve estourar o teto de gastos definido pela Emenda Constitucional nº 95/2016. E, para piorar, em 2019, por conta do reajuste de 16,55% aprovado pelo Congresso Nacional, deve também gastar acima da margem compensatória prevista na lei e que é coberta pela União. Com isso, a partir de 2020 — se não houver mudança nessa regra que resgatou uma parte da confiança do mercado no governo Michel Temer —, o Judiciário vai ser obrigado a aplicar os gatilhos previstos na emenda do teto, quando ele é descumprido pelo órgão a partir do ano seguinte: congelamento de salários, proibição de contratação e de realização de concursos, e, provavelmente, corte de pessoal.

A regra do teto passou a vigorar em 2017, e, de acordo com a norma, o Executivo é obrigado a cobrir o estouro do teto dos demais poderes durante os três primeiros anos de vigência, mas há um limite para isso: de 0,25% das despesas previstas do Executivo, algo em torno de R$ 3,3 bilhões. Contudo, pelo Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), essa margem compensatória já está totalmente comprometida e, portanto, não cabe ampliação para acomodar os reajustes no próximo ano. Para evitar o estouro dessa margem compensatória, de acordo com fontes do governo, o Judiciário terá de escolher quais despesas precisará cortar em seu próprio orçamento para acomodar o reajuste, se ele for sancionado por Temer.

“O governo vai estourar o teto de gastos em 2019, pelas nossas previsões, pois não há mais espaço para aumento de despesas com pessoal ou de gastos extraordinários, como está sendo sinalizado com esse reajuste do Judiciário e os que devem vir a reboque, como parlamentares, militares e demais servidores”, avisa Bruno Lavieri, economista da 4E Consultoria. “Boa parte das despesas vão ter de ser reduzidas para acomodar esse novo reajuste do Judiciário, que pode ter um impacto maior do que se imagina”, aposta. Lavieri lembra que apenas o crescimento vegetativo das despesas com a Previdência, no ano que vem, de R$ 43 bilhões, consome a maior parte do aumento do limite geral do teto de gastos, que foi de R$ 60 bilhões. “Por isso, o teto, dificilmente, será cumprido de forma geral”, alerta.

No limite
Para cobrir o estouro dos demais poderes, o Executivo também precisa cortar as próprias despesas, que são deficitárias, apesar de as sujeitas ao teto estarem dentro do enquadramento, como é o caso da conta de juros da dívida pública, que não cai porque a União não consegue o equilíbrio fiscal. A meta fiscal prevista para 2019 é de um rombo de R$ 139 bilhões só nas contas do governo federal, o sexto ano consecutivo de deficit que está empurrando a dívida pública para perto de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) — patamar próximo da insolvência de países emergentes. Conforme o Ploa de 2019, a correção do teto de gastos de 4,39%, respeitando o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), foi ampliada em R$ 60 bilhões, para R$ 1,407 trilhão, o que não refresca em nada o quadro, segundo analistas.

As despesas do Executivo estão limitadas em R$ 1,346 trilhão, mas haverá um desconto de R$ 3,362 bilhões para a compensação dos demais poderes, que já está totalmente comprometida e sem o reajuste do Judiciário. Pelo orçamento, o Judiciário deve consumir a maior parte dessa margem: R$ 2,939 bilhões, ou seja, 87,4%, desse montante. A margem de compensação prevista para o Legislativo é de R$ 258,9 milhões (7,7%). Os 4,9% restantes ficaram distribuídos entre Ministério Público da União (MPU), R$ 128,7 milhões, e Defensoria Pública da União (DPU), R$ 46 milhões.

A possibilidade de estouro dessa margem de compensação pelo Judiciário não é descartada por fontes de dentro do governo, que estão refazendo os cálculos sobre a questão. O aumento do teto do funcionalismo, para R$ 39,3 mil, vai impactar outros poderes, porque, a reboque, o Legislativo também vai aplicar o novo teto para se equiparar ao Supremo Tribunal Federal (STF). Só que esse efeito cascata não consta no Ploa. Pelas estimativas iniciais, o efeito cascata do reajuste do Judiciário, que, segundo o presidente do STF, Dias Toffoli, visa repor as perdas com a extinção do auxílio-moradia, vai custar bem mais do que esse benefício que consome anualmente quase R$ 1 bilhão por ano. Os primeiros cálculos apontam R$ 4 bilhões no primeiro ano e até R$ 6 bilhões em 2020, mas alguns economistas, dentro do próprio governo, admitem que o estrago será bem maior.

Privilégios
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Especialistas criticam a cultura dos privilegiados do Judiciário e do Legislativo e até mesmo do Executivocasta de trabalhadores que não podem ser demitidos por incompetência, devido à garantia de estabilidade de emprego — de reivindicarem reajustes em causa própria, enquanto o país tenta se recuperar da pior recessão da sua história. Na opinião deles, esse grupo parece não entender que o dinheiro público é limitado e que a maioria dos trabalhadores do setor privado está cansada de pagar impostos elevados para manter as regalias, sem ter o retorno previsto na Constituição, como serviços adequados ao que se paga com a carga tributária elevadíssima de 34% do PIB. “O Brasil é o país da meia-entrada, daqueles que só querem levar vantagem, não importa quem esteja pagando a conta, cada vez mais cara”, reprova Andre Marques, coordenador dos cursos de gestão de políticas públicas do Insper. “Essa mentalidade é muito ruim e prejudicial, não apenas para a economia, pois não há interesses republicanos desse pessoal, que só quer garantir os privilégios individuais. Falta um pensar coletivo.”

O economista Istvan Kasznar, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape-FGV), engrossa o coro das críticas ao reajuste justamente num momento em que contas públicas estão deficitárias desde 2014 — uma das principais razões para o exército de 30 milhões de desempregados e desalentados espalhados pelo país. “Está ficando claro que há uma guerra aberta e declarada entre servidores públicos ativos e pensionistas contra o resto da sociedade”, simplifica. “Os servidores estão se apossando do sistema para manterem seus privilégios. Tentam inverter a situação chamando o setor privado de mau pagador de impostos. Não é correto isso. Os servidores estão abusando de uma organização que pertence a todos os brasileiros, criando privilégios para si. Está abusivo”, avisa. Ele lembra que já se atingiu o limite para o pagamento de impostos.

Correio Braziliense