Judiciário caminha para extrapolar o limite de despesas em 2018, pelo segundo ano seguido. E em 2019, com o reajuste de 16,55%, deve superar também a margem permitida em lei para o estouro coberto pelo Executivo
Abaixo-assinado contra reajuste
O Partido Novo iniciou, na quarta-feira, um abaixo-assinado on-line contra o reajuste do Judiciário. A campanha, encabeçada pelas #AumentoNão #VetaTemer, já colheu 2,5 milhões de assinaturas na internet e bateu o recorde histórico da plataforma Change.org no Brasil. Ontem, estavam programadas manifestações em 10 cidades. A hashtag #AumentoNão chegou ao primeiro lugar no Trending Topics brasileiro do Twitter e em segundo lugar do TT mundial da plataforma, na quarta-feira. Representantes do partido protocolaram, na Presidência da República, o link do documento contendo as assinaturas coletadas on-line.
Pelo segundo ano consecutivo, o Poder Judiciário deve estourar o teto de
gastos definido pela Emenda Constitucional nº 95/2016. E, para piorar,
em 2019, por conta do reajuste de 16,55% aprovado pelo Congresso
Nacional, deve também gastar acima da margem compensatória prevista na
lei e que é coberta pela União. Com isso, a partir de 2020 — se não
houver mudança nessa regra que resgatou uma parte da confiança do
mercado no governo Michel Temer —, o Judiciário vai ser obrigado a
aplicar os gatilhos previstos na emenda do teto, quando ele é
descumprido pelo órgão a partir do ano seguinte: congelamento de
salários, proibição de contratação e de realização de concursos, e,
provavelmente, corte de pessoal.
A regra do teto passou a vigorar em 2017, e, de acordo com a norma,
o Executivo é obrigado a cobrir o estouro do teto dos demais poderes
durante os três primeiros anos de vigência, mas há um limite para isso:
de 0,25% das despesas previstas do Executivo, algo em torno de R$ 3,3
bilhões. Contudo, pelo Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), essa
margem compensatória já está totalmente comprometida e, portanto, não
cabe ampliação para acomodar os reajustes no próximo ano. Para evitar o
estouro dessa margem compensatória, de acordo com fontes do governo, o
Judiciário terá de escolher quais despesas precisará cortar em seu
próprio orçamento para acomodar o reajuste, se ele for sancionado por
Temer.
“O governo vai estourar o teto de gastos
em 2019, pelas nossas previsões, pois não há mais espaço para aumento
de despesas com pessoal ou de gastos extraordinários, como está sendo
sinalizado com esse reajuste do Judiciário e os que devem vir a reboque,
como parlamentares, militares e demais servidores”, avisa Bruno
Lavieri, economista da 4E Consultoria. “Boa parte das despesas vão ter
de ser reduzidas para acomodar esse novo reajuste do Judiciário, que
pode ter um impacto maior do que se imagina”, aposta. Lavieri lembra que
apenas o crescimento vegetativo das despesas com a Previdência, no ano
que vem, de R$ 43 bilhões, consome a maior parte do aumento do limite
geral do teto de gastos, que foi de R$ 60 bilhões. “Por isso, o teto,
dificilmente, será cumprido de forma geral”, alerta.
No limite
Para
cobrir o estouro dos demais poderes, o Executivo também precisa cortar
as próprias despesas, que são deficitárias, apesar de as sujeitas ao
teto estarem dentro do enquadramento, como é o caso da conta de juros da
dívida pública, que não cai porque a União não consegue o equilíbrio
fiscal. A meta fiscal prevista para 2019 é de um rombo de R$ 139 bilhões
só nas contas do governo federal, o sexto ano consecutivo de deficit
que está empurrando a dívida pública para perto de 80% do Produto
Interno Bruto (PIB) — patamar próximo da insolvência de países
emergentes. Conforme o Ploa de 2019, a correção do teto de gastos de
4,39%, respeitando o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), foi
ampliada em R$ 60 bilhões, para R$ 1,407 trilhão, o que não refresca em
nada o quadro, segundo analistas.
As despesas
do Executivo estão limitadas em R$ 1,346 trilhão, mas haverá um desconto
de R$ 3,362 bilhões para a compensação dos demais poderes, que já está
totalmente comprometida e sem o reajuste do Judiciário. Pelo orçamento, o
Judiciário deve consumir a maior parte dessa margem: R$ 2,939 bilhões,
ou seja, 87,4%, desse montante. A margem de compensação prevista para o
Legislativo é de R$ 258,9 milhões (7,7%). Os 4,9% restantes ficaram
distribuídos entre Ministério Público da União (MPU), R$ 128,7 milhões, e
Defensoria Pública da União (DPU), R$ 46 milhões.
A
possibilidade de estouro dessa margem de compensação pelo Judiciário
não é descartada por fontes de dentro do governo, que estão refazendo os
cálculos sobre a questão. O aumento do teto do funcionalismo, para R$
39,3 mil, vai impactar outros poderes, porque, a reboque, o Legislativo
também vai aplicar o novo teto para se equiparar ao Supremo Tribunal
Federal (STF). Só que esse efeito cascata não consta no Ploa. Pelas
estimativas iniciais, o efeito cascata do reajuste do Judiciário, que,
segundo o presidente do STF, Dias Toffoli, visa repor as perdas com a
extinção do auxílio-moradia, vai custar bem mais do que esse benefício
que consome anualmente quase R$ 1 bilhão por ano. Os primeiros cálculos
apontam R$ 4 bilhões no primeiro ano e até R$ 6 bilhões em 2020, mas
alguns economistas, dentro do próprio governo, admitem que o estrago
será bem maior.
Especialistas
criticam a cultura dos privilegiados do Judiciário e do Legislativo e
até mesmo do Executivo — casta de trabalhadores que não podem ser
demitidos por incompetência, devido à garantia de estabilidade de
emprego — de reivindicarem reajustes em causa própria, enquanto o país
tenta se recuperar da pior recessão da sua história. Na opinião deles,
esse grupo parece não entender que o dinheiro público é limitado e que a
maioria dos trabalhadores do setor privado está cansada de pagar
impostos elevados para manter as regalias, sem ter o retorno previsto na
Constituição, como serviços adequados ao que se paga com a carga
tributária elevadíssima de 34% do PIB. “O Brasil é o país da
meia-entrada, daqueles que só querem levar vantagem, não importa quem
esteja pagando a conta, cada vez mais cara”, reprova Andre Marques,
coordenador dos cursos de gestão de políticas públicas do Insper. “Essa
mentalidade é muito ruim e prejudicial, não apenas para a economia, pois
não há interesses republicanos desse pessoal, que só quer garantir os
privilégios individuais. Falta um pensar coletivo.”
O
economista Istvan Kasznar, professor da Escola Brasileira de
Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas
(Ebape-FGV), engrossa o coro das críticas ao reajuste justamente num
momento em que contas públicas estão deficitárias desde 2014 — uma das
principais razões para o exército de 30 milhões de desempregados e
desalentados espalhados pelo país. “Está ficando claro que há uma guerra
aberta e declarada entre servidores públicos ativos e pensionistas
contra o resto da sociedade”, simplifica. “Os servidores estão se
apossando do sistema para manterem seus privilégios. Tentam inverter a
situação chamando o setor privado de mau pagador de impostos. Não é
correto isso. Os servidores estão abusando de uma organização que
pertence a todos os brasileiros, criando privilégios para si. Está
abusivo”, avisa. Ele lembra que já se atingiu o limite para o pagamento
de impostos.