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terça-feira, 3 de janeiro de 2023

A corrida dos deputados pela aposentadoria: Quanto custa uma pensão - VOZES

Gazeta do Povo  - Lúcio Vaz


O blog que fiscaliza o gasto público e vigia o poder em Brasília

Deputados federais não reeleitos nas eleições de 2022 estão averbando (aproveitando) mandatos anteriores para completar o tempo de contribuição para a aposentadoria ou para aumentar o valor da pensão a ser recebida. Com 20 anos de mandato como deputado federal, o ex-ministro do Trabalho Onyx Lorenzoni teve aprovada pela Câmara dos Deputados, em dezembro, a averbação não onerosa de 7.701 dias – ou 21 anos  – para completar os requisitos necessários à aposentadoria pelo Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC). Algumas averbações superam R$ 1 milhão.

Lorenzoni, de 68 anos, averbou períodos de 1985 a 2001 e de 1999 a 2006. De 1995 a 2003, ele foi deputado estadual pelo Rio Grande do Sul. Ele já havia conseguido a averbação onerosa de dois meses de mandato de deputado federal, de fevereiro a março de 2006, com o pagamento de R$ 14,8 mil. Em 2022, perdeu a disputa pelo governo do estado e ficou sem mandato. Em 2019, no cargo de ministro-chefe da Casa Civil no governo Bolsonaro, Lorenzoni negociou a aprovação de uma severa Reforma da Previdência – não para deputados e senadores
 O ex-presidente e ex-deputado Jair Bolsonaro aposentou-se pelas normas do extinto Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC) no dia 2 de dezembro, com pensão de R$ 30,2 mil. Ele averbou dois anos de mandato como vereador do Rio de Janeiro. O IPC foi sucedido pelo PSSC.

O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), de 51 anos, conseguiu aprovar, no dia 26 de dezembro, a averbação onerosa do período de fevereiro de 2003 a janeiro de 2011, correspondentes ao exercício de mandato de deputado estadual do Rio de Janeiro. O valor da averbação será de R$ 1 milhão. Com três mandatos como deputado federal, ele disputou uma vaga no Senado e não foi eleito.

Paulo Azi (União-BA), de 59 anos, com dois mandatos de deputado federal, teve aprovada, em 21 de dezembro, a averbação onerosa de 4.383 dias de mandato como deputado estadual da Bahia, de 2003 a 2015. O valor da averbação será de R$ 1,54 milhão. Ele foi reeleito deputado federal nas eleições de 2022.

Averbações onerosas exigem o pagamento de contribuições. O parlamentar paga uma determinada quantia para aumentar o valor da sua pensão. Para a contagem de tempo de exercício de mandato, o parlamentar pode averbar o tempo correspondente a mandatos eletivos municipais, estaduais ou federais. Para o tempo de contribuição, contam períodos reconhecidos pelos sistemas de previdência social do serviço público, civil ou militar, e da atividade privada, rural e urbana.

Averbação de 30 anos
Herculano Passos (Republicanos-SP), de 66 anos, com apenas dois mandatos de deputado, não foi reeleito. Ele conseguiu, em 5 de dezembro, a averbação não onerosa de 30 anos relativos a períodos alternados de 1979 a 2015, atestados pelo INSS. Foram 10.994 dias, já excluídos os períodos concomitantes. Ele foi vereador e prefeito de Itu (SP), de 2001 a 2012. Se fizer a averbação onerosa desses três mandados, aumentará o valor da sua pensão pelo PSSC.

Com dois mandatos de deputado federal, de 2015 a 2022, Fábio Mitidieri (PSD-SE), de 45 anos,  foi eleito governador de Sergipe nas eleições de outubro. Em 15 de dezembro, ele conseguiu a averbação onerosa de 120 dias como deputado federal, de 6 de julho a 2 de novembro de 2022, ao custo de R$ 43 mil. Ele foi vereador de Aracaju de 2009 a 2012.

André de Paula (PSD-PE), de 61 anos, com seis mandatos, teve aprovada, em 19 de dezembro, a averbação onerosa de dois anos e três meses, referentes ao exercício de mandatos anteriores. O valor da averbação será de R$ 290 mil. Dois dias depois, a Câmara alterou a decisão e autorizou a averbação de 2.672 dias relativos ao exercício do mandato de deputado estadual e de 761 dias referentes ao mandato de vereador do Recife.

VEJA: Conheça as superpensões do Judiciário: tem pensionista com três rendas

Raul Henry (MDB-PE), de 58 anos, não reeleito, teve aprovada, em 6 de dezembro, a averbação onerosa de 1.462 dias de exercício de mandato de vice-governador de Pernambuco, no período de janeiro de 2015 a janeiro de 2019. O valor da averbação será de R$ 515 mil. Ele também foi vice-prefeito, de 1997 a 2000, e deputado estadual de 2003 a 2007.

Mariana Carvalho (Republicanos-RO), de 36 anos, com apenas dois mandatos, teve aprovada a averbação onerosa de 1.461 dias de exercício de mandato de vereadora na Câmara Municipal de Porto Velho, referente ao período de janeiro de 2009 a dezembro de 2012. Ela não foi reeleita.

Reeleitos também averbam mandatos
Ricardo Barros (PP-PR), de 63 anos, reeleito deputado federal, conseguiu aprovar, em 23 de dezembro, a averbação onerosa de 107 dias referentes a períodos de 2010 e de 2011, quando esteve afastado para licença de interesse particular e para o exercício de cargo de secretário de Estado. O valor da averbação será de R$ 38 mil. Barros foi líder do governo Bolsonaro na Câmara.

Jefferson Campos (PL-SP), de 58 anos, reeleito deputado federal, conseguiu aprovar a averbação onerosa dos períodos de 16 de abril a 15 de junho de 2003 e de 19 de dezembro de 2019 a 15 de abril de 2020, referentes ao exercício de mandato de deputado federal. O valor da averbação será de R$ 64 mil.

Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), de 53 anos, reeleito deputado federal, teve aprovada, em 29 de dezembro, a averbação onerosa de quase quatro meses, de 16 de julho a 12 de novembro desde ano, quando esteve afastado em licença para tratar de interesses particulares.

Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), de 69 anos, teve aprovada, em 21 de dezembro, a averbação não onerosa de períodos de dezembro de 1979 a julho de 1984, atestados pelo INSS, somando como tempo a ser aproveitado o total de 1.566 dias, equivalentes a quatro anos, três meses e 16 dias, já excluídos os períodos concomitantes. Ele não conseguiu a reeleição para a Câmara.

A PEC da Reforma
A Reforma da Previdência,
aprovada pela Emenda Constitucional 103, em novembro de 2019, estabelece que os segurados do PSSC, atuais e anteriores, que fizessem a opção de permanecer nesse regime previdenciário deveriam cumprir período adicional de 30% do tempo de contribuição que faltaria para aquisição do direito à aposentadoria na data de entrada em vigor da emenda constitucional. Poderão se aposentar a partir dos 62 anos de idade, se mulher, e 65 anos de idade, se homem. A palavra “anteriores” assegurou que ex-deputados que exerceram mandatos em anos anteriores pudessem permanecer no plano.

O artigo 14 de Reforma da Previdência veda a adesão de novos segurados ao PSSC e a criação de novos planos dessa natureza. Mas abriu brechas que prolongaram a vida do PSSC. Os segurados de regime de previdência de titulares de mandato eletivo tiveram prazo de 180 dias para se retirar desses planos. Arquivos da Câmara mostram que 32 deputados haviam aderido ao plano em 2019.


Lúcio Vaz,   colunista - Gazeta do Povo - VOZES


sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Plano que amplia vagas do STF está pronto para apresentação ao Congresso

Imprudente e inoportuna, proposta de uma emenda constitucional começou a ser semeada há cerca de seis meses por Bolsonaro e aliados do Legislativo

 NA GAVETA - Supremo Tribunal Federal: o texto elaborado na surdina por parlamentares aliados do governo, com o aval do Palácio do Planalto, prevê a ampliação do número de ministros de onze para quinze -

 NA GAVETA - Supremo Tribunal Federal: o texto elaborado na surdina por parlamentares aliados do governo, com o aval do Palácio do Planalto, prevê a ampliação do número de ministros de onze para quinze -  - Nelson Junior/Fellipe Sampaio/STF

 Jair Bolsonaro nunca fez questão de manter relações harmoniosas com representantes do Poder Judiciário. Desde a sua posse na Presidência, ele bateu de frente com ministros de tribunais superiores, ameaçou enquadrar o Supremo Tribunal Federal (STF) e acusou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de participar de uma conspirata destinada a tirá-lo do poder. Em sua cabeça tão suscetível a teorias da conspiração, integrantes do STF agem para inviabilizar a sua administração, ao suspender uma série de decisões presidenciais, e trabalham para que Lula vença a eleição deste ano.

Os magistrados teriam liberado o petista da prisão com esse propósito e, aninhados na cúpula da Justiça Eleitoral, estariam empenhados em fraudar o resultado das urnas com o objetivo inconfessável de derrotá-lo. 
Não há prova ou indício de que Bolsonaro seja alvo de uma armação. Mesmo assim, o ex-capitão se mantém em estado permanente de ataque. Em seus discursos, ele costuma dizer que, se reeleito, obrigará os magistrados a jogar dentro das quatro linhas da Constituição. O presidente nunca tinha explicado como isso seria feito, mas agora está claro qual é o seu plano — um plano "casuístico" e essencialmente "antidemocrático."

Com a ajuda de aliados no Congresso, Bolsonaro quer tutelar o Supremo, recorrendo a um receituário usado pelo regime militar brasileiro e por ditadores internacionais — da esquerda à direita. O próprio mandatário deixou escapar sua estratégia em entrevista a VEJA, publicada na edição passada, quando foi questionado se pretende aumentar o número de vagas no STF em um eventual futuro governo. Ao responder, ele não só não negou como deixou a porta aberta para a medida. “Já chegou essa proposta para mim e eu falei que só discuto depois das eleições. Eu acho que o Supremo exerce um ativismo judicial que é ruim para o Brasil todo.”

A declaração logo se tornou assunto do debate político e foi usada para reforçar o discurso de que Bolsonaro representa uma ameaça à democracia, tese que uniu tucanos e emedebistas ao PT. Diante do desgaste, o presidente adotou uma postura pendular. Numa entrevista, afirmou que toda a celeuma foi inventada pela imprensa: “Eu falei que isso não estava no plano de governo, e botaram na minha conta”. Noutra, mais condizente com a realidade, declarou que podia desistir da ideia se o Supremo baixasse a bola. O plano existe, está no forno e começou a ser semeado há cerca de seis meses.Presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição

Na segunda quinzena de maio, em uma reunião a sós com parte da cúpula do Congresso, um ministro de um tribunal superior recebeu o rascunho do que até então era tratado com a mais absoluta reserva pelo presidente e pelos principais caciques da Câmara dos Deputados: a proposta de uma emenda constitucional para ampliar o número de assentos no STF. 
 No primeiro esboço, seriam criadas quatro novas vagas para a mais alta Corte do país. Na versão mais atualizada, cinco novos postos ampliariam o universo de onze magistrados para dezesseis, o mesmo patamar imposto pelo Ato Institucional nº 2, assinado em plena ditadura, quando os militares quiseram controlar o STF. “Eu vi a emenda. A ideia é apresentar um aditivo a um texto já em tramitação, e Bolsonaro conseguir rapidamente maioria no STF”, disse a VEJA, sob condição de anonimato, o ministro que meses atrás teve acesso ao teor da proposta.  [o desagradável nas fontes que jorram sob condição de anonimato é que muitas vezes o que jorram apenas sustentam narrativas.]
Na tentativa de cooptar parcelas do Congresso refratárias à ideia, a cúpula da Câmara rascunhou até um seguro an­tirrejei­ção na emenda constitucional. Pelo texto, as novas cadeiras no STF seriam indicadas, alternativamente, pelo presidente da República, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Ou seja: todo mundo poderia sair ganhando — exceto, claro, a independência da própria Corte.[dificil de entender a 'narrativa' de que aumentando o número de ministros a Corte perde a independência = continua dependente da vontade da maioria dos seus integrantes.]

O projeto detalha, inclusive, como seria o funcionamento do Supremo. Em substituição às atuais duas turmas de julgamento, criadas para desafogar o acervo de processos do pleno, seriam constituídos três colegiados extras para julgar ações variadas, incluindo aquelas envolvendo políticos. “Na criação de vagas para tribunais, quem fica contra? Juízes, membros do Ministério Público e advogados não são contrários porque podem ser indicados para alguma vaga. Quem pode ficar contra é o cidadão comum, mas ele não tem voz nem eco nesse processo”, avalia um ministro do STF, informado sobre a proposta. No roteiro original de Bolsonaro, o projeto de ampliação das cadeiras do Supremo deveria ser mantido em sigilo até estar pronto para a votação, em princípio, em fevereiro de 2023, quando a maioria parlamentar governista e o presidente, à frente de seu segundo mandato, teriam capital político para levar adiante a ideia de empastelar o tribunal. Pelo plano desenhado, caberia a Arthur Lira, aliado de Bolsonaro e favorito à reeleição para o comando da Casa, colocar a proposta em votação, exatamente como fez no caso da emenda constitucional que instituía o voto impresso, rechaçada pelos deputados.

(...) 

 Os bolsonaristas não se abalam e têm pressa. Líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) afirmou numa entrevista que era preciso enquadrar o tribunal. Depois, diante do desgaste eleitoral, foi mais contido. “Não é uma ameaça. Está acontecendo uma reação a um exagero das decisões que são tomadas pelo Judiciário e que não são aceitas pela população. Quem está atacando é o Judiciário.”

Dos onze ministros do STF, dois foram indicados por Bolsonaro: Kassio Nunes Marques e André Mendonça. Outros dois serão escolhidos pelo presidente eleito, em razão da aposentadoria obrigatória de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber no ano que vem. Se renovar o mandato e conseguir aprovar o projeto que cria mais cinco cadeiras no Supremo, Bolsonaro terá, a depender da versão final do texto, oito ou nove ministros de sua predileção na Corte, mais do que a somatória de todos os demais juízes indicados por outros presidentes. Se isso acontecer de fato, ele replicará uma prática de líderes autocratas de diferentes espectros ideológicos.

(...)

Na Hungria, o premiê Viktor Orbán, de quem Bolsonaro se considera aliado, ampliou de onze para quinze os ministros da Corte Constitucional e antecipou a aposentadoria de vários outros juízes. Na Polônia, magistrados foram aposentados antes da idade, e o presidente se deu poderes para nomear diretamente o chefe da Suprema Corte.

Sob a condição de anonimato, um dos principais articuladores da proposta no Brasil alega que, apesar de todo o debate em torno de seu suposto caráter antidemocrático, a iniciativa tem potencial para avançar porque é de interesse também dos parlamentares, independentemente do presidente que for eleito em 30 de outubro. “Quando nós votamos a lei de abuso de autoridade, nós não enquadramos o Judiciário? Nós temos direito de fazer isso. Se eles estivessem comportados, não tinha reação”, diz.

(...)

DIREITA - Orbán: em sua cruzada antidemocrática, além de ampliar o número de juízes, ele aposentou alguns -
DIREITA – Orbán: em sua cruzada antidemocrática, além de ampliar o número de juízes, ele aposentou alguns – Riccardo Pareggiani/NurPhoto/Getty Images

Lula usou a possibilidade de ampliação do número de ministros do Supremo para fustigar Bolsonaro. “Nós estamos enfrentando um cidadão que quer aumentar o número de ministros da Suprema Corte para ter o controle sobre ela. Eu nunca indiquei ministros para me ajudar”, disse. Mas tentou. Durante seus dois mandatos, o ex-presidente nomeou oito ministros para o STF. No governo Dilma, Lula procurou convencer os integrantes do tribunal a adiar o julgamento do processo do mensalão para depois das eleições de 2012. Fracassou. Antes de ser preso pela Lava-­Jato, ele reclamou de que o Supremo tinha se acovardado diante do juiz Sergio Moro e pediu que seus aliados procurassem a ministra Rosa Weber, a atual presidente da Corte, para tentar convencê-la a votar a favor de um habeas-corpus que retiraria de Curitiba as investigações sobre ele.

MATÉRIA COMPLETA

Publicado em VEJA, edição nº 2811 de 19 de outubro de 2022


sábado, 3 de setembro de 2022

Alexandria, 2026 - Revista Oeste

Rodrigo Constantino

Numa operação comandada pelo Xerife Xerxes Xande, a antiga Polícia Federal fechou o cerco a empresários golpistas que foram vistos num vestiário da academia falando mal do governo

Ilustração: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Ilustração: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

O imperador Saltitante acordou de mau humor, e, com sua voz fina e metálica, berrou: “Gleice, venha já aqui!”. Sua secretária saiu correndo do aposento ao lado e perguntou o que seu mestre desejava. “Traga-me já um copo de água com açúcar, mulher imprestável! Preciso me acalmar após ler essa notícia absurda!” Saltitante se referia a uma manchete da Revista Leste, a única sobrevivente no país após a revolução democrática de 2022. Ela dizia: “Último foco da militância fascista consegue escapar da polícia”.

Numa operação comandada pelo Xerife Xerxes Xande, também conhecido como XXX, a antiga Polícia Federal fechou o cerco a empresários golpistas que foram vistos num vestiário da academia falando mal do governo. Pela nova Lei de Liberdade de Expressão, criada por decreto pela Junta Democrática do Foro de SP, estava terminantemente proibido criticar o governo, em especial o Imperador Saltitante e o Xerife Xerxes.

A mudança que permitiu isso veio por emenda constitucional e havia retirado uma única letra no texto de 1988: Todo o poder emana do Ovo, e não mais do Povo
Ovo era o apelido carinhoso de Xerxes, devido à sua cabeça careca e reluzente. 
Era ele quem dava as ordens na prática, enquanto o Imperador Saltitante se portava como uma espécie de Rainha da Inglaterra — e ele adorava a parte das vestimentas inspiradas em Elizabeth.
 
Desde quando aquele fascista cujo nome não mais pode ser mencionado venceu as eleições em 2022, apesar de todo o esforço democrático da oposição, houve uma união apoiada pelo Exército Chinês para restabelecer a democracia no país. 
Xerxes demitiu os demais dez ministros e passou a representar, sozinho, a Corte Constitucional. 
O então senador Saltitante foi proclamado imperador do Brazinil, e todos os apoiadores do fascista eleito foram perseguidos, muitos deles presos ou expulsos do país.
 
O respeitado jurista Miguel Retalho Junior, após a prisão de seu colega Ives Grande Martinho, foi às emissoras de televisão atestar a legalidade do ato, já que para derrotar a ameaça fascista tudo era aceitável e desejável. 
Brazinil mudou até de nome e passou a se chamar Alexandria, em homenagem ao Xerife que tanto fez para impedir o golpe. Agora havia pouquíssimos focos de resistência, já que a Polícia Unificada de Todos os Amigos (PUTA) tinha lançado uma implacável busca pelos golpistas, com auxílio de soldados democratas enviados por Cuba e Venezuela.

Naquela manhã quente de janeiro de 2026, Saltitante se deparou com a notícia da Revista Leste sobre a fuga dos empresários fascistas. Isso despertou sua revolta: “Duvido que algo assim acontecesse na democrática Coreia do Norte, ou com nossos companheiros da Nicarágua! Lá todos os fascistas cristãos foram devidamente presos!”, esbravejava.

Tensa com a situação, e com medo das broncas, Gleice decidiu ligar para o verdadeiro chefe da coisa toda: “Luísque, acho melhor você abandonar Atibaia rapidinho só para vir aqui colocar um pouco de ordem na bagunça”. Já bêbado após a quinta taça de Petrus, Luísque rebateu: “Não enche o saco, Gleice. Eu fiz meu papel em 2022 e desde então quero só aproveitar minha vida de longe, com meus milhões e minha mulher, Granja. Vocês que são democratas que se entendam!”.

Esse que vos escreve só teve condições de relatar essa história toda pois morava fora de Brazinil na época da revolução democrática

Claramente decepcionada, Gleice convocou então Miguel Tremer, o único capaz de acalmar Xerxes, o que por sua vez acalmava Saltitante, que no fundo estava apavorado com o provável esporro do chefe. 
Tremer ligou para Xerxes, falou amenidades antes, lembrou quem o indicou ao Supremo, e com jeitinho deu o recado: “Meu ilustre Ovo, vossa excelência não acha que já fizemos o suficiente para impedir golpes fascistas? Talvez possamos deixar passar um ou outro empresário conspirador, pois são inofensivos hoje…”.

Xerxes ficou vermelho de raiva, e, com o olhar vidrado, rebateu: “Cala a boca, seu Mordomo inútil! Alexandria não terá um só crítico do governo, e não vou descansar até punir pessoalmente um a um desses miseráveis! Você nunca teve a garra de um Luísque, por isso conspirou contra ele! Não podemos permitir um só fio desencapado, pois de 1 centímetro pode surgir um curto-circuito e produzir um grande incêndio. Para ser uma democracia de verdade, como nossos companheiros conseguiram fazer na Venezuela e na Nicarágua, é fundamental ser intransigente com qualquer deslize ou malfeito. Não me liga mais, seu pusilânime de uma figa!”.

Tremer, com o perdão do trocadilho, passou a tremer de medo, e se lembrou de velhas máximas: quem planta vento colhe tempestade; quem alimenta corvos tem seus olhos arrancados; quem dá comida para o Gizmo depois da meia-noite precisa enfrentar os Gremlins — ok, isso não é bem uma máxima, mas uma lição com base num filme que entrega a idade do autor.

E assim a vida seguiu em Alexandria. Esse que vos escreve só teve condições de relatar essa história toda pois morava fora de Brazinil na época da revolução democrática. 
Havia inclusive um prêmio por minha cabeça, mas fui prudente e nem arrisquei uma visita sequer. 
Criado em ambiente fascista, e vivendo em local ainda mais fascista como Miami, confesso com toda a humildade do mundo que nunca fui talhado para viver em uma democracia tão alexandrina assim!

Leia também “Não existe Estado de Direito no Brasil”

Rodrigo Constantino, colunista - Revista Oeste 

 

sábado, 9 de julho de 2022

Supremas cortes nas democracias e no Brasil - Fernão Lara Mesquita

Com a repercussão das decisões recentes da Suprema Corte americana reinterpretando a constituição para barrar abortos e limitar os poderes do governo central de impor ao país inteiro medidas para o meio ambiente ou a segurança pública e das comparações que têm aparecido na imprensa dessas manobras técnicas com as estrepolias do "trio assombro" do STF que legisla em cima da perna conforme a cara do freguês à revelia mesmo da vasta constituição brasileira com seus 250 artigos e 111 emendas (por enquanto), cabe uma nota comparativa sobre os limites dos poderes desses tribunais nas duas democracias federativas mais sólidas do mundo. 

Sonhar não custa nada... 

A questão da atribuição de novos poderes para o governo central, para os estados e para os municípios (ditos "comunas" na Suíça) é uma discussão permanente nas duas.

O Artigo 3 da constituição suíça diz que todos os poderes futuros pertencem aos cantões (os estados), a menos que o eleitorado como um todo (nas comunas) e os cantões entre si decidam, por emenda constitucional, que eles sejam atribuídos à federação (o governo central).

A constituição americana tem uma provisão semelhante na 10a Emenda que afirma que "todos os poderes que não foram formalmente entregues ou negados à União pela constituição (em seus escassos 7 artigos e 27 emendas), pertencem, respectivamente, aos estados ou ao povo".

As duas federações exigem, portanto, que qualquer aumento dos poderes do governo central tem de acontecer via emenda constitucional.

Em outras democracias como a francesa ou mesmo a inglesa uma simples decisão governamental pode criar ou eliminar poderes e mesmo autoridades locais, o que as põem em outra prateleira em matéria de hegemonia do povo.

Mas as autoridades americanas encontraram um meio de furar esse cerco com o conceito dos "poderes implícitos" (implied powers) ou a "cláusula interestadual" (interstate clause) que permite ao governo central assumir poderes adicionais por mera interpretação da constituição a cargo da Suprema Corte que, graças a isso, ganhou os poderes excepcionais ao longo do caminho que hoje a faz objeto de cooptação por correntes ideológicas.

Se a sabedoria suíça pudesse ser reduzida a uma única frase ela seria "Todo poder concentrado gerará um foco de corrupção"
O único país da Europa que nunca teve um rei e que não tem mais nem presidente da república, elege um board de sete membros para fazer o papel que eles têm em outras praias, não permite essa pequena trapaça no governo "do povo, pelo povo e para o povo". 
Ela interpreta o Artigo 3 em seu senso estrito. 
Não apenas a criação de um banco nacional, o estabelecimento de todo e qualquer imposto federal, a criação de um sistema nacional de segurança social, a construção de estradas federais, a criação de subsídios para as universidades cantonais ou a criação de políticas ambientais, mas até assuntos muito pequenos como a concessão de subsídios federais para trilhas em parques públicos, nada escapa da obrigação de passar por emenda constitucional seguida de ratificação em referendo pelos eleitores.

Essa é a razão pela qual os suíços emendam sua constituição várias vezes por ano todo ano, o que depende de uma votação como outra qualquer que pode ser iniciada por qualquer cidadão mediante coleta de assinaturas como acontece com as emendas às constituições estaduais e municipais nos Estados Unidos. É também a razão pela qual a constituição federal americana passou por tão poucas emendas desde a sua adoção. E, finalmente, é o que explica porque a Suprema Corte americana tem tanto poder e a suíça tem tão poucos e não precisa ser disputada na guerra pelo poder que só o povo e ninguém mais que o povo tem: seus juízes, com mandatos de 8 anos, não podem mudar nada que o povo não tenha, explicitamente, querido mudar.

A consequência prática é que as mudanças na Suíça em geral demoram mais não propriamente porque o processo, que requer voto majoritário das duas câmaras do parlamento, voto majoritário do conjunto dos cantões, cada um valendo um voto e, finalmente, voto majoritário de todo o povo num referendo, seja em si mesmo demorado - tudo isso acontece com muita agilidade - mas porque é mais custoso toda a gente estar de acordo.  

Os suíços não têm pressa. Preferem não engolir sapos. As coisas lá só acontecem se e quando todo o povo está convencido da conveniência de fazê-las e pagar por elas, o que explica, além do resto, porque os gastos do governo suíço e a dívida que ele transfere ao povo são comparativamente muito menores que todos os demais do mundo.

Conclusão: democracia mesmo é a suíça. A americana já é uma cópia que manquitola um pouco. As que substituíram reis, Europa afora, são próteses e meias-solas com graus variados de desgaste. Já o resto...[Matéria excelente, didática, clara; só que o ilustre articulista não entrou em detalhes sobre a democracia brasileira (que no entendimento de algumas autoridades, especialmente, das contrárias ao governo do presidente Bolsonaro, vive sob a égide do 'estado democrático de direito) - talvez por não considerar que no Brasil exista uma democracia.
Existe sim. É uma democracia que a exemplo da prisão perpétua à brasileira = prisão preventiva no Brasil, que pode durar anos e anos, o que impede de sabermos quando acaba = das jabuticabas, da justiças eleitoral e do trabalho, que são criações brasileiras, a nossa democracia tem uma característica exclusiva: na ótica de algumas autoridades - para identificá-las vide  observação acima destacada - para preservar princípios democráticos é necessário a destruição da democracia.]
 
Vespeiro -  Fernão Lara Mesquita
 
 
 

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

O motivo de o governo confiar que o Senado vai aprovar PEC dos Precatórios - VEJA

Radar Econômico

Emenda constitucional foi provada pela Câmara na semana passada  

 Apesar da dificuldade em aprovar a PEC dos Precatórios na Câmara, uma casa em que tem sido mais fácil de aprovar os pleitos do governo, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, tem dito a seus interlocutores que está muito confiante de que a emenda constitucional passará no Senado. O governo está contando com um dos fiéis da balança no Senado, o PSD de Gilberto Kassab e agora do presidente Rodrigo Pacheco, que estaria fechado para aprovar a PEC. Motivo da confiança do governo: todos querem o dinheiro das emendas que virá com o aumento do Orçamento. 
 
A PEC aumenta o Orçamento em cerca de 100 bilhões de reais ao mudar a forma de pagamento dos precatórios e do cálculo do teto de gastos. O dinheiro extra será poderá ser usado para pagar o Auxílio Emergencial de 400 reais e também as emendas de relator.  
Mesmo com a discussão no Supremo, que suspendeu a execução deste tipo de emenda, o dinheiro existirá e poderá ser distribuído de uma forma ou de outra. [outro aspecto: agora que o senador Pacheco decidiu que pode ser candidato a presidente da República, a última coisa que ele deseja que aconteça é o Senado não aprovar a PEC dos Precatórios e faltar o dinheiro para o Auxílio Brasil = essencial para minorar o sofrimento de mais de 17.000.000 de famílias = e o presidente Bolsonaro, para não pagar pelos erros dos outros, será obrigado a mostrar com amplas provas,  nas redes sociais ou em cadeia nacional de Rádio e TV, a responsabilidade pela não aprovação do Auxílio Brasil. 
Provas existem, sustentadas em documentos oficiais, incontestáveis.
Quer saber mais sobre o que pode ser chamado de escândalo dos PRECATÓRIOS, clique aqui.

Radar Econômico - Josette Goulart - VEJA

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Voto impresso pode ressurgir no Senado, mas Pacheco resiste

Último fio de esperança [ou antepenúltimo]

A deputada Bia Kicis (PSL-DF), que teve a sua PEC do voto impresso derrotada na Câmara, diz haver um destaque sobre o mesmo tema em uma proposta de emenda à Constituição no Senado que pode ser aproveitado. Mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse que “não conte com ele” para isso.

Também há a possibilidade, segundo ela, de debater o voto impresso via lei ordinária. Só que lei ordinária o Supremo derruba fácil, como derrubou as outras três que exigiam o comprovante impresso do voto digital. Por isso que ela propôs uma emenda constitucional, porque aí o STF não conseguiria derrubar.

De todo modo, o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deixou uma porta aberta: disse, depois da votação de terça-feira (10), que o viés constitucional já era questão encerrada, mas que os três poderes poderiam sentar e descobrir formas efetivas para dar mais confiança para o voto através de auditagem e transparência.

Essa é a esperança de muita gente que fica esperando uma decisão que dê certeza à integridade do voto, porque parece uma coisa masoquista dizer: “eu não quero que haja garantia no voto dos meus eleitores”. Isso é muito, muito, estranho.

Militares nunca quiseram intimidar o Congresso

Indiciar o presidente por charlatanismo?
Agora ficamos sabendo que o relatório de Renan Calheiros (MDB-AL) na CPI da Covid vai propor o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro em curandeirismo e charlatanismo. A CPI perdeu o rumo e entra no ridículo.
Os artigos 283 e 284 do Código Penal, em que ele pretende enquadrar o presidente, falam de anunciar cura por meio secreto ou infalível, falam de curandeirismo.  
Eu fico pensando: tem cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que tiveram contato com o João de Deus, que foi preso e etc. 
Dois deles inclusive se declararam impedidos intimamente de julgar o João de Deus, tal a relação.
E mais: a CPI está sugerindo que laboratórios que produzem remédios do tratamento precoce, como a ivermectina sejam processados para indenizar famílias que perderam entes queridos para a Covid-19. Aí vai ser complicado! Eu acho que a CPI está muito desligada do mundo real. Estão falando até em bloquear os bens de um dos laboratórios que produzem um desses remédios. Vão atingir milhões de brasileiros. 
Eles não estão sabendo disso, será? Será que estão tão afastados assim da realidade?

A Câmara dos Deputados cassou o mandato da deputada Flordelis, do PSD do Rio de Janeiro. Ela é acusada de mandar matar o marido. O escore da votação foi de 437 votos a 7. Muito bem, a Câmara agiu rápido. Agora não está agindo em relação ao deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), que continua preso, embora já tenha pago fiança. Parece que não leem o artigo 53 da Constituição.

Eu discordo do estilo dele, mas o artigo 53 da Constituição diz que são invioláveis deputados e senadores por suas palavras, discursos, atitudes e votos. É uma garantia dada àqueles que precisam ter voz na Câmara dos Deputados: os eleitores. Mas não estão vendo isso. Já deixaram prender Silveira e o deputado está lá. Temos um país com deputado preso, jornalista preso, e não é na Venezuela, é no Brasil. E isso preocupa muito porque são direitos na Constituição que estão sendo rasgados.- [por isso, sempre nos socorrermos àquela perguntinha: recorrer a quem? Ao Papa?]

Alexandre Garcia, jornalista - Gazeta do Povo - VOZES 


quinta-feira, 17 de junho de 2021

Escada para o golpismo - Valor Econômico

Maria Cristina Fernandes

Se aprovar voto impresso, Congresso dará gás a Bolsonaro contra STF

[duas coisas que não podem ser esquecidas: 
- o Congresso é independente, assim,  não pode, nem deve, agir em função dos interesses do STF; e,  
- a classificação apuração confiável das urnas eletrônicas só existe, devido impedirem que meios de conferir a confiabilidade da apuração sejam implantados.
O sistema antigo - voto em cédulas de papel - facilitava as fraudes, mas,  também facilitava que fossem detectadas; já  o voto eletrônico usado no Brasil só é considerado confiável exatamente por não permitir  meios de  detecção das fraudes.
 Só temos certeza da que um conteúdo de um cofre não foi violado, após abertura do cofre.]

A força do bolsonarismo não está na capacidade de cegar os adeptos mas de ofuscar a oposição. É isso que se passa com o voto impresso. A aliança para viabilizá-lo está mais fácil de sair do que a frente ampla contra o presidente Jair Bolsonaro. A velha desconfiança da urna eletrônica alia-se à fábrica de tramoias do bolsonarismo que, no limite, levará à falência de uma verdadeira campeã nacional, a apuração confiável dos votos.

Na última das três vezes que o Congresso chancelou o voto impresso o fez a partir de uma emenda do então deputado Jair Bolsonaro. Teve encaminhamento favorável da maioria dos partidos, foi aprovado mas caiu no Supremo. [só no Brasil é que uma matéria aprovada pelo Congresso Nacional, cai no Supremo.]

Desta vez, o defensor da proposta está no poder obcecado em contestar o resultado das urnas para nele permanecer. Muitos parlamentares continuam presos às suas convicções sem se importar com quem se aliaram. Têm à disposição um sistema que funciona sem nenhuma prova de violação ao longo de um quarto de século. [O voto eletrônico, estilo das milagrosas urnas eletrônica 'made in Brazil', fosse tão seguro, isento de fraudes, teria sido adotado em todas as democracias do mundo. Apenas Brasil, Butão e Bangladesh usam urnas que não imprimem o voto.] Preferem tentar o que uns veem, candidamente, como aprimoramento, outros, como vacina contra a propaganda bolsonarista de fraude e uns tantos, ainda, como chance de conquistar o eleitor do presidente, numa espécie de bolsonarismo sem Bolsonaro.

Os argumentos foram esgotados pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, no dia em que esteve na Câmara: as urnas não são ligadas à internet e, portanto, não podem ser invadidas por hackers à distância. Todos os dez passos do processo, da habilitação à lacração das urnas, passando pelos testes de integridade, estão franqueados à fiscalização dos partidos, da OAB, do MP, da PF, da CGU, dos conselhos técnicos de computação e engenharia, das universidades e até das Forças Armadas. A impressão de 150 milhões de cédulas aumenta a possibilidade de fraude no transporte, armazenamento e contagem, além de ser um indutor de judicialização. “É mexer em time que está ganhando”, resumiu o ministro.

Os presidentes do PSD, Gilberto Kassab, do MDB, Baleia Rossi, e do PSDB, Bruno Araújo, garantem ser contrários à impressão do voto. Nenhum deles, porém, tem o controle da bancada. O deputado Aécio Neves (PSDB-MG), por exemplo, integrante da comissão que discute a proposta de emenda constitucional da deputada Bia Kicis (PSL-DF) sobre o voto impresso, mostrou-se incapaz de aprender com seus erros. Depois de ter questionado o resultado de 2014, levando o TSE a autorizar uma auditoria independente que nada constatou, Aécio volta a questionar a urna eletrônica.

O PDT de Ciro Gomes ressuscitou a crítica à urna eletrônica feita por Leonel Brizola, que morreu antes da fiscalização ampliada do processo e da biometria do voto. O presidente do PSB, Carlos Siqueira, mantém sua oposição histórica à urna eletrônica com o argumento de que a última grande democracia a usá-la, a Alemanha, cedeu à impressão. O argumento costuma ser rebatido por Barroso com a lembrança do complexo de vira-latas do Brasil. Se só dá certo aqui é porque deve ser ruim. Nenhum dos partidos se dispõe a abrir mão do seu fundo eleitoral para custear os R$ 2 bilhões que seriam necessários à impressão dos votos.

A defesa mais arraigada da urna eletrônica está nos dois extremos, Novo, Psol e PT. Entre os petistas, as poucas vozes que se levantaram a favor do voto impresso foram desancadas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva numa reunião fechada. Aqueles que defendiam concessões ao voto impresso pelo temor de que Lula ficaria vulnerável aos ataques bolsonaristas acabaram com a pecha de covardes. A adesão do PDT e do PSB à impressão do voto, porém, faz o deputado Arlindo Chinaglia (SP), petista que integra a comissão, temer por sua aprovação. Como se trata de emenda constitucional, o ônus de amealhar 308 votos é dos favoráveis à mudança, mas a oposição segue para a votação desfalcada, em grande parte, das bancadas do PDT e do PSB e sem a garantia de que os líderes dos partidos de centro moverão suas bancadas contra o voto impresso.

Se o mecanismo passar, terá sido a quarta vez que o Congresso o chancelará, mas numa circunstância inédita em que o chefe do Executivo, pela primeira vez, o apoia. Aumentará, portanto, a pressão sobre o Supremo Tribunal Federal, situação almejada pelo presidente da República e para a qual inquestionáveis democratas do Congresso Nacional terão dado contribuição inestimável.

A julgar pelo voto de dois ministros-chave no Supremo hoje, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, a posição de Barroso tenderia a ser confirmada. Ainda que a mudança, desta vez, possa vir por emenda constitucional, ao Supremo restaria argumentar, como o fizeram ambos os ministros no último julgamento sobre o tema, em setembro de 2020, que a impressão colocaria em risco o sigilo do voto, cláusula pétrea da Constituição.

Para evitar o conflito com o Supremo, já está em curso, no Congresso e no TSE, a tentativa de encurtar pontes entre as duas pontas de debate. Barroso já admite, por exemplo, aumentar de 100 para 1 mil o número de urnas que, na véspera, são sorteadas para serem levadas do local de votação ao Tribunal Regional Eleitoral para teste.[o ministro Barroso precisa considerar que ele é ministro do Supremo e preside o TSE,  mas não é DONO do Brasil. Deixem o Congresso Nacional decidir.]

O teste, filmado e fiscalizado, consiste em fazer uma votação em cédula ao final da qual os votos computados são reproduzidos na urna eletrônica. Se o resultado coincidir é uma prova de que aquela urna não está adulterada. No TSE há ainda quem defenda que as urnas a serem atualizadas a cada eleição, cerca de 30%, o sejam por modelos com impressora. A solução é de quem acredita no diálogo com o golpismo, mas não satisfará Bolsonaro.

Ele já avisou que se 100% dos votos não forem impressos o resultado não valerá. A solução corre ainda o risco de incitar as bases bolsonaristas pela anulação do resultado. Para ficar apenas nos dois últimos exemplos, a invasão do Capitólio, insuflada pelo ex-presidente Donald Trump, teve por mote o rechaço ao resultado eleitoral e a derrota de Keiko Fujimori, no Peru, por 0,25% dos votos, foi contestada por generais da reserva em carta pública.

Quem sempre apoiou Bolsonaro por acreditar que ele deixaria o país mais perto dos Estados Unidos ainda se lembra que quem salvou o Capitólio foram as tropas de Mark Milley, o general que pediu desculpas por ter se deixado explorar politicamente por Trump. No Brasil, o perdão teve sinais trocados. Foi dado a um general politiqueiro. É o Peru que mora ao lado. Em 1992, o pai de Keiko, Alberto Fujimori, deu um autogolpe, com apoio militar e ficou mais de dez anos no poder.

Maria Cristina Fernandes, colunista - Valor Econômico 

 

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Imunidade parlamentar: brincando com a Constituição

A velocidade com que anda a emenda constitucional sobre imunidade parlamentar é incompatível com a serenidade que deve presidir mudanças na Constituição

Tramita a toque de caixa a proposta de emenda parlamentar (PEC) do deputado Celso Sabino (PSDB-PA), que muda as regras sobre prisão em flagrante de parlamentares. Se aprovada, como parece, a medida somente será permitida se estiver relacionada a crimes inafiançáveis listados na Constituição, como racismo e crimes hediondos. 
Ficará proibida a prisão cautelar por decisão de um único ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Se vigorasse há dias, o ministro Alexandre de Moraes não poderia ter decretado a prisão do deputado Daniel Silveira pelas ofensas que dirigiu aos membros da corte e pela defesa do AI-5. ["Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal."
Não existe nenhuma lei que proíba a defesa do AI-5 ou que proíba um cidadão de gostar do AI - 5.
As ofensas ao ministro, caso não sejam cobertas pela inviolabilidade estabelecida no 'caput' artigo 53 da CF, são passíveis de punição pela Conselho de Ética da Câmara - lembrem-se do 'quaisquer' que consta da norma citada.] O presidente da Câmara, Arthur Lira, é favorável à medida e está agindo no sentido de permitir sua rápida aceitação pelo Congresso.

Trata-se indiscutivelmente de reação, que se julga corporativista, à decisão do ministro do STF. Mais preocupante, todavia, é a espantosa velocidade de tramitação da PEC. A proposta, assinada por 186 deputados, foi apresentada na terça-feira, 22/2. Ontem, recebeu expressivo apoio de 304 deles para a admissão de sua viabilidade, sem passar pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça. Tampouco foi submetida a comissões temáticas. 

Dispensou-se o debate por quarenta sessões, como previsto no regimento da Câmara. Óbvio, não foi preciso o interstício entre votações. Ao que se comenta, pode ser aprovada hoje em dois turnos de votação. Se assim for, uma emenda constitucional será aprovada na Câmara em curtíssimo período, talvez menos de uma semana. Será mais rápido do que o tempo requerido para a votação final de projetos de lei e medidas provisórias. 

A Constituição é a lei fundamental do país. Suas mudanças devem ocorrer após longos debates e a consideração adequada de seus custos e benefícios. [com o devido respeito ao ilustre colunista,  lembramos que quando não queremos mudar alguma coisa e não podemos, não queremos, ou não temos coragem de expressar nossa discordância à mudança pretendida, nos valemos do recurso de discutir, discutir.]  Daí por que são mais exigentes as normas que regem sua alteração. O número de sessões e os interstícios existem para permitir a apreciação cuidadosa de seus efeitos. Os dois turnos de votação, separados por um mínimo de dias, têm o objetivo de assegurar uma reflexão responsável pelos membros do Congresso.

Blog do Maílson - Maílson da Nóbrega - VEJA


sexta-feira, 17 de julho de 2020

O futuro político da CPMF fantasiada - Folha de S. Paulo

Vinicius Torres Freire 

Guedes insiste no imposto; jogo no Congresso mudou e pode haver novidades tributárias

Uma CPMF não passa no Congresso, estamos cansados de ouvir. Mas deputados dizem que querem conhecer esse imposto sobre pagamentos digitais ou comércio eletrônico de Paulo Guedes. Dizem também que está mais complicado passar uma reforma tributária ampla, como quer Rodrigo Maia, sem negociações maiores com o governo, porque o “jogo político mudou um pouco”.

Jair Bolsonaro conta agora com um bloco de uns 180 deputados, gente do centrão e agregados. É um juntado sem grandes convicções de qualquer espécie, mas que deve cumprir em parte o acordo no qual levou cargos no governo. Guedes tem cantado deputados do centrão, mais exatamente do PP e do PL, com promessas de trocar a aprovação do seu imposto digital por redução de tributos sobre folha de pagamento ou por um programa mais gordo de renda básica.

Essa promessa de engordar a renda básica com receita e despesa novas não faz sentido a não ser que:
1) se estoure o teto de gastos; 
2) se reduza a despesa com servidores; 
3) se reduza o investimento em obras a quase zero.
O governo pretende acabar com benefícios como o abono salarial, por exemplo, a fim de destinar mais dinheiro para o que chama de Renda Brasil. Para tanto, não precisa de mais imposto. Derrubar o teto de gastos está fora de cogitação.

Foi para a gaveta a emenda constitucional de redução “emergencial” de despesa com servidores e benefícios atrelados ao salário mínimo. A reforma administrativa foi adiada sine die e não deve bulir com funcionários já contratados, ordenou Bolsonaro. Reduzir o investimento a quase zero é possível e compatível com o projeto de destruição do país, mas um terço dessa despesa é determinada por emendas parlamentares e outro tanto também atende a interesses políticos locais. Logo, desse mato não deve sair nem um cachorro magro.

Bolsonaro vetou a lei que prorrogava até o final de 2021 a redução de impostos sobre a folha de alguns setores, o que irritou a Câmara. Guedes pede a parlamentares que não derrubem o veto porque “vem aí” uma desoneração maior da folha, que seria compensada pelo imposto digital, caso Bolsonaro não vete a ideia assim que sair de seu catre. Este jornalista ouviu 14 parlamentares dados a assuntos econômicos. Ninguém soube dizer o que seria o tal imposto digital. Aceitam ouvir a nova proposta de Guedes desde que não seja CPMF disfarçada.

Maia quer tocar a ampla reforma de unificação de tributos desde já. Mas tem problemas novos: 
1) o Senado quer tratar do assunto apenas a partir de agosto e pode não engolir uma reforma da Câmara; 
2) setembro é mês de convenções partidárias e início da campanha eleitoral; 
3) há muito mais deputados no time do Planalto. Ainda não estreou, mas pode jogar na retranca de interesses de Bolsonaro.
Ou seja, o tempo para a reforma é curto e a resistência política pode ser maior.

A disputa entre empresas a respeito de quem paga a conta da mudança tributária pode ser mais renhida. O setor de serviços tenderia a pagar mais impostos na reforma “ampla”; arrebentou-se muito na crise do vírus. No Congresso, há conversas sobre impostos novos, sobre ricos, lucros, empresas “Big Tech”. Há mais ruído e grande interesse em criar uma renda básica mais ampla que o Bolsa Família.  A pelada está mais cadenciada, embora possa haver um revertério caso voltem as botinadas golpistas ou apareçam cartões vermelhos nas investigações judiciais. Mas o jogo mudou, nestes 33 minutos do primeiro tempo do governo Bolsonaro.

Vinicius Torres Freire, jornalista -  Folha de S.Paulo



quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Inflamável - Nas entrelinhas

Correio Braziliense


“O pano de fundo da disputa entre Bolsonaro e governadores  é a tabela de frete rodoviário, cuja constitucionalidade será julgada pelo STF. Há inquietação entre os caminhoneiros”


O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), subiu o tom contra o presidente Jair Bolsonaro, ontem, na reunião dos governadores, por causa da queda de braço envolvendo a questão dos combustíveis. Bolsonaro havia desafiado os governadores a zerar a cobrança de ICMS sobre combustíveis, prometendo fazer o mesmo. “Estamos trabalhando em uma postura de que, em primeiro lugar, se trata as coisas sérias de uma forma séria. Essa questão de impostos é uma questão tributária, é uma questão muito séria. Então, o presidente da República deveria ter reunido primeiramente sua equipe econômica antes de entrar em um debate tão criminoso como esse, que é o debate de quebrar todos os estados, inclusive a Federação, prejudicando aqueles que são mais pobres”, declarou Ibaneis.

Presente à reunião, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou apagar o incêndio e disse que a redução dos impostos sobre combustíveis só pode ser um objetivo de médio e longo prazos. O ICMS sobre combustíveis é o único imposto cobrado no destino, e não na origem, como os demais, sendo uma das principais fontes de receita dos estados. “Nós, governadores, estamos apanhando há 15 dias, de todo mundo, inclusive do senhor e do presidente”, disse Ibaneis ao ministro Guedes. Porta-voz do encontro, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, disse que “Guedes sabe que só pode reduzir a carga tributária a partir da aprovação do pacto federativo e da reforma tributária. Não é um assunto que pode ser resolvido imediatamente”.

O pano de fundo da disputa entre Bolsonaro e os governadores é a tabela de frete dos transportes rodoviários, cuja constitucionalidade será julgada no próximo dia 19 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Há grande inquietação entre os empresários do setor de transportes e os caminhoneiros avulsos, que ameaçam fazer uma nova greve. O tabelamento do frete foi aprovado pelo Congresso após a greve dos caminhoneiros, no governo Michel Temer, em 2018. Na época, Bolsonaro apoiou o movimento, conquistando apoio maciço dos caminhoneiros.

[se a inquietação dos caminhoneiros  aliada a dos empresários resultar em greve  (aliás, caminhoneiros e empresários donos de transportadora aliados  favoráveis a greve configura lockout = crime) será o momento do governo Bolsonaro se impor e da decisão se o Brasil é, e continuará sendo, a Nação da ORDEM e PROGRESSO ou da DESORDEM e ATRASO.
O presidente Bolsonaro e seu ministro da Infraestrutura (um que está entre os mais eficientes e que não perde tempo com fofocas de corredores) precisam iniciar a ampliação da malha ferroviária.
É uma forma lenta, mas, a única capaz de enquadrar de ver os caminhoneiros.
PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR: e aqs multas aplicadas na greve, governo Temer, aos donos de transportadoras, pagas? - ou como é hábito com as multas aplicados aos rodoviários - transporte coletivo urbano - são aplicadas sob holofotes e canceladas no escuro?]

Nos bastidores do Supremo, é dada como certa a inconstitucionalidade da tabela de frete, cujo julgamento fora adiado pelo ministro Luiz Fux, relator do caso, a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU). A tabela em vigor trouxe como novidade no cálculo de valor a obrigação do pagamento do frete de retorno para algumas cargas, como combustível. 

O texto também incluiu a cobrança de diárias de estadia e de refeição do caminhoneiro e um novo tipo de carga, a pressurizada. Com isso, a regulamentação passou a abranger, ao todo, 12 categorias. Além do aumento no preço dos fretes, os caminhoneiros querem ampliar a pauta para redução do diesel, com a exigência, por exemplo, de uma alíquota única de ICMS sobre os combustíveis para todos os estados. O combustível representa 38% dos custos do transporte rodoviário.

Jogou a toalha
Não foi só em relação à cobrança do ICMS que o governo recuou. Após a posse do ex-deputado Rogério Marinho no Ministério do Desenvolvimento Regional, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), anunciou que o Palácio do Planalto desistiu de encaminhar ao Congresso o seu projeto de reforma administrativa.  A forte reação dos servidores públicos e dos políticos às declarações do ministro Paulo Guedes sobre os servidores, nas quais comparou-os a parasitas, inviabilizou qualquer possibilidade de o governo manter essa iniciativa. 


O que está se discutindo, agora, é aproveitar uma emenda constitucional em tramitação numa das Casas para fazer uma reforma de iniciativa do Congresso, com certeza bem mais branda do que a pretendida por Guedes.  Repete-se a situação da reforma tributária, que o governo também desistiu de encaminhar ao Congresso. Câmara e Senado vão compor uma comissão mista para examinar a proposta do deputado Baleia Rosssi (MDB), que se baseia no projeto do economista Bernardo Appy.

Em contrapartida, os líderes do Congresso e o Palácio do Planalto entraram em acordo sobre os vetos do presidente Bolsonaro às emendas do Orçamento da União de 2020, que previa a liberação de R$ 30, 6 bilhões em emendas selecionadas pelo relator e por comissões. O Legislativo devolverá ao governo o poder de definir o destino de R$ 10,5 bilhões. As emendas individuais (R$ 9,6 bilhões) e as de bancadas (R$ 5,4 bilhões) são de liberação obrigatória.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense  


quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Outro patamar - Merval Pereira

O Globo

A ascensão de Moro como político


O ministro Sérgio Moro está se saindo um “hábil político”, como disse Bolsonaro. Ontem, passou o dia no Congresso, negociando a aprovação do pacote anticrime (veja como ficou o projeto), e a autorização para a prisão em segunda instância, que foi retirada dele, mas deve ser votada separadamente. À noite, teve uma vitória importante, mesmo que alguns pontos tenham sido perdidos. Nessa luta, deu uma declaração polêmica que o favorece, e, em certa medida ao governo Bolsonaro, mas criou arestas com o governador de São Paulo João Doria, que havia lhe oferecido guarida meses atrás, quando parecia que sua relação com o presidente Bolsonaro não ia bem. O excludente de ilicitude, que foi proposto pelo presidente Bolsonaro, deveria mesmo ser retirado. E o "juiz de garantias" criado por proposta dos deputados, é uma boa novidade. [um dos inconvenientes criação do 'juiz de garantias' é que a Justiça já é lenta em todo o Brasil, e nas cidades do interior a situação é pior - tem juiz respondendo por várias comarcas - e se o juiz da garantias for necessário em cada comarca, vai travar tudo.]
O ministro da Justiça foi a primeira autoridade a criticar os policiais paulistas pelo que chamou de “erro operacional grave”, referindo-se à tragédia na favela de Paraisópolis, em que nove jovens morreram pisoteadas.  Moro elogiou a Polícia Militar do Estado de São Paulo, “uma corporação de qualidade, elogiada no país inteiro”, mas não se furtou a comentar o caso, afirmando que “aparentemente houve lá um excesso, um erro operacional grave”.  O que o ministro Sérgio Moro queria era mesmo defender o “excludente de ilicitude”, que o Congresso retirou do pacote anticrime. Refutava críticas de que a ação policial em São Paulo teria sido feita já sob influência da proposta que encaminhou ao Congresso. [críticas totalmente improcedentes, feitas de forma irresponsável ou por quem não entende nada sobre o que pretende comentar..
A diferença entre o excludente de ilicitude - proteção ao policial que em confronto ou em situação em que é agredido, reage fazendo uso dos meios necessários, vindo seu agressor a falecer - e mortos por pisoteamento, ao fugir de uma ação policial, sendo pisoteado pelo próprios companheiros de fuga (situação ocorrida na favela Paraisópolis).]

Moro, que comemorava a queda dos índices de criminalidade em todo o país, sabe que a cada tragédia como a de Paraisópolis, ou da menina Ágatha no Rio, cresce em parte ponderável da sociedade a rejeição a tal instrumento, que é visto como uma “licença para matar”.  Para ele, os dois casos são situações em que o “excludente de ilicitude” não poderia ser utilizado, pois “em nenhum momento ali existe uma situação de legítima defesa”.  Em outro front, ele conseguiu que o Senado tente um caminho mais rápido para a aprovação da prisão em segunda instância. Em vez de uma emenda constitucional como quer a Câmara, a alteração seria por projeto de lei, mudando o Código de Processo Penal (CPP). A presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet decidiu pautar a votação do projeto de lei na próxima terça-feira, na reunião da CCJ.

Além de precisar de menos votos do que uma emenda constitucional, a mudança do CPP pode ser terminativa na própria CCJ, sem ir a plenário. Na Câmara, o projeto também pode ser aprovado apenas pela CCJ, a não ser que uma décima parte do total da Câmara ou do Senado peça que o assunto vá ao plenário.  É provável que já no Senado haja esse pedido, pois bastam 8 senadores para isso. Mas a aprovação parece garantida, já que a senadora Simone Tebet recebeu um documento com a assinatura de 43 senadores pedindo que o assunto fosse adiante, sem esperar a decisão da Câmara.

A aprovação na Câmara pode ser mais complicada, pois o presidente Rodrigo Maia defende a utilização de emenda constitucional, alegando que dá mais segurança jurídica. Como bastariam 51 deputados para exigir que o tema seja submetido ao plenário, é provável que isso aconteça. [para o presidente da Câmara evitar a insegurança jurídica - que é causada mais por decisões do Supremo do que do Congresso - é mais importante do que garantir a sociedade contra bandidos endinheirados, condenados em segundo grau, que permanecem em liberdade, aguardando julgamentos de recursos cujo objetivo feito é mais procastinatório.
Quanto mais complica, mais demora e mais tempo os bandidos permanecem em liberdade.]
O ministro Sérgio Moro defende a tese de que é possível tratar o assunto das duas maneiras, sem que o projeto de lei do Senado prejudique a emenda constitucional da Câmara.  A aprovação do pacote anticrime, que endureceu muito as penas e restringiu regalias para os criminosos mais violentos, poderá ser coroada com a mudança sobre a prisão em segunda instância, que era, talvez, o ponto mais importante do pacote.  Como “político hábil”, Moro não fez críticas aos parlamentares, e negou-se a comentar a possibilidade de vir a ser vice de Bolsonaro em 2022, alegando que o lugar é do General Mourão. Está disposto a prosseguir seu périplo pelo Congresso para angariar apoio na luta contra a violência nas cidades, tema que assumiu lugar de destaque em seu discurso. Promovido a símbolo do combate à corrupção, Moro parece buscar agora um outro patamar.

Merval Pereira, colunista - O Globo