Portanto, não há conteúdo ideológico-partidário a ensejar uma polarização a favor de uma pessoa relacionada a algum partido político. Estamos na seara das ciências jurídicas, pelas quais, analisaremos as questões de ordem sistêmica de nosso processo penal à luz da Constituição. Em suma, as regras do jogo vigente, inclusive a que gostaríamos que fossem alteradas, sem, contudo, rasgar as já existentes. Mudanças são necessárias e urgentes! Mas conforme as regras do jogo! Com dialética e debate científico. Sem regra não há Estado de Direito. Há arbítrio, autoritarismo, e disso, somos veementemente contra.
O Supremo Tribunal Federal em ação cautelar 4039, relator Min. Teori Zavascki, em 25/11/2015 criou uma nova modalidade de prisão na qual classificamos de prisão em flagrante de preventiva virtual ou um auto de prisão em flagrante de preventiva à distância, que adotou um procedimento policialiforme. Podemos denominar também de prisão cautelar futurística por anomalia institucional.
Enfim, a criatividade é o limite, tal qual foi ilimitada a elasticidade (des) estrutural do sistema (?) processual penal cautelar, em mais um “triplo carpado hermenêutico” (na célebre expressão do Min. Carlos Britto do STF, citado no RMS 029475) de nossa Corte Suprema, que não somente flexibilizou a norma contida no art. 53, § 2º da CR, mas o sistema acusatório e as características de um procedimento cautelar penal.
Vale lembrar que esta norma constitucional dispõe sobre imunidade processual ou formal para parlamentares, baseada no “freedom from arrest”, importado do sistema inglês para o nosso, que como sempre, o distorceu, pois originariamente fora criado para impedir prisão de parlamentar por dívida. Enfim, nosso jeitinho brasileiro esticou um pouco mais esta garantia para blindar, como estamos todos assistindo, verdadeira criminalidade organizada formada no parlamento.
Em razão do princípio da independência dos poderes, o legislativo, para exercer seu mister, possui prerrogativas exageradas, dentre elas e de não ser preso senão em flagrante delito por crime inafiançável (tráfico, tortura, terrorismo, crime hediondo, racismo etc – art. 5º, XLIII e XLIV, CR), sendo unânime na doutrina que desta regra se deduz, portanto, que não caberia prisão preventiva nem temporária decretada em desfavor de parlamentar diplomado, bem como, acaso seja preso em flagrante, os autos devem ser encaminhados para a Casa Legislativa respectiva para deliberarem em 24 horas sobre a prisão por votação por maioria absoluta de seus membros.
Isso mesmo, não é o judiciário quem delibera sobre a legalidade da prisão, mas sim o legislativo. Não restam dúvidas alguma de que se trata de uma decisão política e não jurídica. Trata-se de norma que deveria vigorar em um Estado de extralegalidade, como forma de proteção a perseguições políticas, e nunca em um Estado de legalidade, por não haver sentido uma flagrante interferência política no Direito posto, um verdadeiro messianismo político (TODOROV, 2014, p. 39), denotando uma blindagem contra práticas criminosas praticadas por parlamentares mafiosos infiltrados nas estruturas do poder.
A decisão do STF foi em uma dessas circunstâncias? Não!
Em síntese, segundo a decisão, o Senador Delcídio Amaral ofereceu a Bernardo Cerveró auxílio financeiro, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) mensais, destinado à família de Nestor Cerveró, bem como prometeu intercessão política junto ao Poder Judiciário, citando o nome do Min. Gilmar Mendes e Dias Toffoli, ambos do STF e Edson Fachin (STJ), em favor de sua liberdade, para que ele não entabulasse acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal, conversa gravada por Bernardo, numa reunião ocorrida em uma suíte do Hotel Royal Tulip, em 4/11/2015, na qual participavam da reunião o Chefe de Gabinete de Delcídio, Diogo Ferreira, e o advogado Edson Ribeiro, tendo ocorrido uma outra em 19/11/2015, no Rio de Janeiro/RJ, no escritório deste para tratar do mesmo assunto.Para os Ministros da 2ª Turma, por unanimidade, estariam todos em situação flagrancial do crime previsto no art. 2º, § 1º da Lei 12.850/13 e do crime do art. 355 do Código Penal, denotando se tratarem de crimes permanentes, e, portanto, caberia uma prisão em flagrante.
Primeira pergunta: Estando em flagrante, houve diligência, pela polícia ou qualquer outra pessoa, para efetivar a prisão em flagrante dos criminosos? Segunda pergunta: São crimes inafiançáveis? Não para as duas perguntas. Então, qual foi o fundamento da prisão? Por que foi chamada de prisão em flagrante? Ninguém foi ao encontro dos criminosos para que fossem presos em flagrante, mas sim foi emitida uma ordem de prisão dos Ministros, decretando-se medida cautelar pessoal denominada de preventiva.
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Ruchester Marreiros Barbosa
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