Silvio Navarro
O primeiro turno das eleições é marcado pela desmoralização dos institutos de pesquisa que alimentaram o consórcio de imprensa a favor de Lula
Desde 2020, quando a Revista Oeste começou a ser publicada, foram produzidas cinco reportagens sobre a indústria das pesquisas de intenções de voto no Brasil. A última delas, na edição 126, em agosto, dizia: os questionários das sondagens registradas na Justiça Eleitoral explicam o favoritismo de Lula — mas será que o eleitor ainda confia nelas? O resultado do primeiro turno no domingo, 2, não deixa mais dúvidas.
O objetivo dessas reportagens nunca foi desconfiar da ciência estatística. Mas entender por que as pesquisas eleitorais erram tanto. Uma das respostas possíveis encontrada é a manipulação dos questionários, elaborados para induzir o entrevistado a responder aquilo que o instituto foi buscar nas ruas — em alguns casos, pelo telefone ou até pela internet. Por essa razão, Oeste escolheu não publicar nenhuma pesquisa desde as eleições municipais.
Na véspera das urnas, a vantagem do petista variava de 7 a 14 pontos. O placar final registrou 5 pontos. Todos os institutos erram — alguns, erraram feio. Dessa lista, dois casos desafiam a ciência estatística: o Datafolha, que pertence ao grupo Folha de S.Paulo/UOL/Piauí, e o Ipec (ex-Ibope), contratado pela Rede Globo. Ambos afirmaram que Lula tinha 14 pontos a mais do que Bolsonaro. No caso do Datafolha, o levantamento foi classificado como infalível pelos colunistas do consórcio porque ouviu 12.800 pessoas em 310 cidades, com margem de erro de 2 pontos percentuais.
Um fato é inequívoco nesse cenário: nenhuma empresa produziria tantos números sobre o falso favoritismo de Lula sem a certeza de que eles seriam publicados. Mais do que publicados, os dados foram analisados em tom de seriedade por analistas nas redações. Abasteceram centenas de peças de campanha eleitoral na TV, no rádio e nas redes sociais. Aliás, houve patrulha do consórcio contra quem achou que os números não correspondiam, por exemplo, às multidões que pintaram as ruas de verde e amarelo no 7 de Setembro. As imagens de cartazes com dizeres como “Datafolha, estou aqui” rodaram o mundo.
Outro detalhe importante é que, neste ano, a velha mídia também decidiu quais pesquisas poderiam ou não ser utilizadas em defesa do “jornalismo profissional”. O UOL criou um selo de confiança — os editores escolheram as extremamente confiáveis, como o Datafolha, as mais ou menos confiáveis e as que são proibidas de ser divulgadas — curiosamente, as que mostravam Bolsonaro empatado ou até à frente de Lula.
O consórcio também fechou o cerco ao Instituto Paraná. Como o resultado destoava do Datafolha e do Ipec, o grupo publicou uma reportagem em tom de denúncia afirmando que o concorrente recebeu R$ 2,7 milhões do PL, partido de Bolsonaro. O dono da Paraná, Murilo Hidalgo, afirmou que sua empresa oferece serviços para partidos e governos, independentemente de corrente ideológica. Ele apresentou a lista de clientes. A Folha, contudo, reclamou, porque, como podem os dados não baterem com os do Datafolha, Ipec e Quaest? Alguns colunistas acusaram o Instituto Paraná de ser “bolsonarista”, algo inadmissível nas redações “progressistas”.
Além do selo de garantia do UOL, o jornal O Estado de S. Paulo criou um agregador de pesquisa. Trata-se de uma espécie de liquidificador de porcentagens coletadas em diferentes sondagens que resultam num placar final. O resultado dava 51% a 36% para Lula, que seria eleito já no domingo.
O principal problema na receita ilógica do Estadão é que não se podem consolidar números feitos por empresas diferentes, com metodologias diferentes, amostragens diferentes e questionários de perguntas diferentes. É algo como tentar fazer um consolidado dos resultados do Brasileirão; ou somar os gols de um mesmo time na Libertadores com os da Copa do Brasil.
Isso fica ainda mais claro quando se analisa o roteiro das perguntas apresentado ao eleitor. Foi esse o tema da edição 62 de Oeste, já em maio do ano passado. Naquela época, as intenções de voto em Lula em cinco empresas variavam de 29 a 41 pontos, e as de Bolsonaro de 23 a 37 pontos. Os institutos funcionavam como birutas de aeroporto, até que alguns se uniram ao pool das redações da velha imprensa — o que explica a calibragem de Datafolha, Ipec e Quaest na reta final.
No Rio Grande do Sul, também houve falha. O Ipec disse que Eduardo Leite (PSDB) liderava com 36%, ante 27% de Onyx Lorenzoni (PL). O resultado foi 37% a 26% a favor de Onyx. Detalhe: Leite passou para o segundo turno por 2.441 votos de vantagem para o terceiro colocado — algo como alguns quarteirões de Porto Alegre ou Caxias do Sul.
Por que as pesquisas erram tanto
Lula agradece pelo apoioVisivelmente abatido depois do susto das urnas, Lula fez questão de agradecer pelo apoio do consórcio da imprensa nos últimos meses.
Nesta eleição, contudo, Lula provavelmente não teria chegado tão longe sem o apoio da militância de esquerda que tomou as redações. Junte-se a isso a necessidade da Rede Globo de renovar sua concessão pública, o que explica a postura de William Bonner ao anunciar que Lula “não deve nada à Justiça” na sabatina do Jornal Nacional. Outros jornais também têm sofrido sem as verbas polpudas da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República).
Jair Bolsonaro também comentou o papel do consórcio de imprensa depois do primeiro turno. Disse que, talvez, o resultado seria outro sem o empenho das redações.
“Vencemos a mentira, o Datafolha dava 50% a 36%. Desmoralizou de vez os institutos. A diferença foi outra, isso ajuda a levar votos para o outro lado e vai deixar de existir (…) “Acho que não vão continuar fazendo pesquisa” (Jair Bolsonaro)
É provável que os institutos continuem oferecendo seus serviços. O consórcio de imprensa deve continuar comprando. Mas o eleitor brasileiro respondeu que não quer mais. A fábrica de pesquisas faliu. É melhor mudar de negócio.
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Silvio Navarro, colunista - Revista Oeste