O presidente expressa sem censura suas verdades mais íntimas
“Quero ser amigo da imprensa, mas fica difícil. Todo dia são três ou
quatro fake news em cima da gente”. O presidente reclamou de uma
revista, em transmissão ao vivo em rede social: “Mentira”. Os ataques de
Bolsonaro a jornalistas costumam ser seriais e pessoais, contra
repórteres com nome e sobrenome. Mas tudo mudou. Mesmo? O socialista de direita Bolsonaro decidiu aparecer em sua melhor luz.
Estava contente porque o Supremo Tribunal Federal resolveu superá-lo em
trapalhadas, na pele do ministro Alexandre de Moraes. O juiz se expôs ao
ridículo ao censurar uma revista e intimidar jornalistas e internautas
que incomodaram o amigo do amigo Dias Toffoli, presidente do STF. “Minha
posição”, disse Bolsonaro, “sempre será favorável à liberdade de
expressão, direito legítimo e inviolável”. “Nós precisamos de
vocês(jornalistas) para que a chama da democracia não se apague.” Era
uma festa pelos 371 anos do Exército.
Liberdade de opinião na família deixa o presidente em apuros. O filho e
senador Flavio Bolsonaro apagou mensagem dirigida ao grupo islâmico
Hamas: “Quero que vocês se EXPLODAM!!!” Outro filho, o deputado federal
Eduardo Bolsonaro, disse em vídeo de outubro do ano passado que, para
fechar o STF, bastariam um soldado e um cabo. “O pessoal até brinca lá. Se você quiser fechar o STF, não manda nem um
jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é desmerecendo o soldado e o cabo,
não. O que é o STF, cara? Tipo, tira o poder da caneta de um ministro
do STF, o que ele é na rua? Se você prender um ministro do STF, você
acha que vai ter uma manifestação popular a favor dos ministros?”,
provocou Eduardo Bolsonaro. É importante lembrar.
O STF não mandou apreender os computadores do deputado nem entrou na
casa dele. A presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Rosa Weber,
reagiu com serenidade: “Soube da manifestação do filho do Bolsonaro e
ele já foi desautorizado (pelo pai, então candidato) . De qualquer
forma, nós juízes não nos deixamos abalar por manifestações
inadequadas.” A dupla de toga Morais-Toffoli se deixou abalar. Jogou holofote sobre a
revista "Crusoé", que nem ofendera ninguém. Criou um supremo mal-estar
com a opinião pública, a Procuradoria-Geral e os colegas no STF. Agentes
da Polícia Federal acordaram um aposentado que produz roupas para
cachorros em São Paulo e protesta nas redes contra “a ditadura
judicial”. Levaram o computador dele.
Bolsonaro expressa sem censura suas verdades mais íntimas. “Nazismo é de
esquerda.” “Pode-se perdoar o Holocausto.” “O coronel Brilhante Ustra
(torturador) é um herói.” “ (O ditador paraguaio) Stroessner foi um
homem de visão, um estadista.” “Já está feito, já pegou fogo, quer que
faça o quê? (sobre o Museu Nacional incendiado). ” “A sociedade
brasileira não gosta de homossexual.” [Bolsonaro pode até ser criticado a pretexto de expressar sem censura suas verdades mais íntimas;
talvez classificar de mais íntimas as verdades expressas pelo presidente seja um exagero, mas, fato é que são verdades expressas com sinceridade - e ao que consta, ser sincero ainda é uma qualidade.]
O presidente cita trecho bíblico: “Conheceis a verdade. E a verdade vos
libertará”. A última “verdade” de Bolsonaro insulta a sociedade. “O
Exército não matou ninguém”, disse sobre os 82 tiros disparados por
soldados contra um carro de passeio. Matou sim. Fuzilou. E agora, são
dois na conta do Exército e da Justiça Militar. O catador de papel
Luciano Macedo, que correu para ajudar a família do músico Evaldo, não
resistiu aos ferimentos e morreu. Deixa uma mulher grávida. Qual é a
verdade que nos libertará?
Ruth de Aquino - O Globo