Disse não acreditar de forma alguma que a Rússia de Vladimir Putin tenha atuado de maneira fraudulenta e influenciado decisivamente no resultado das eleições que colocou ele mesmo, Trump, no poder. Com um misto de admiração e resignação, alegou confiar na “sinceridade” do colega russo quando o mesmo disse que jamais meteu o bedelho em assuntos de política dos outros; duvidando que ele tenha mesmo ordenado tamanha afronta. Foi o capítulo mais vexatório da já tumultuada administração Trump. Ao dar uma versão, digamos adocicada, para as ações de interferência, de resto evidentes, do interlocutor o presidente americano não apenas enxovalhou a reputação dos compatriotas como também forneceu a senha para que Putin seguisse, sem reprimendas, no intento de invasão a assuntos alheios. Não surpreendente caso se considere que Trump, com tal postura, estava advogando em causa própria. O megabilionário da construção quis afastar as suspeitas que pesavam também contra ele, por que não? Nada há o que se questionar no aspecto da participação russa no episódio.
A interferência com uma avalanche de fake news para influenciar no resultado das urnas em 2016 não se tratou de mera especulação. Está documentada. Fato comprovado, indiscutível. Sete órgãos do Executivo e do Legislativo, todos na órbita dos poderes que circundam Trump, confirmaram. E eis que esse dublê de mandatário, que já vinha investindo contra aliados históricos, preferiu dar mais chancela as palavras do antigo rival americano que às próprias instituições sob seu comando. Mesmo sendo Putin um ex-agente da KGB, acostumado a camuflar intenções e práticas inomináveis, cuja projeção se deu através de arapucas contra quem cruzasse o seu caminho. Não deixa de ser um tanto quanto irônico tamanho enquadramento negativo de Trump. Logo ele, o rei da autopromoção, se apequenou. Virou joguete nas mãos de Putin, mero garoto de recados. Ficou em maus lençóis inclusive em casa. A reação foi a pior possível.
Opositores e correligionários se revezaram nas críticas. O chefe geral da CIA, a mais conhecida agência de espionagem do mundo, chamou Trump de traidor. Mesmo simpatizantes disseram que ele atuou como reles capacho de Putin. Na coletiva estava subserviente, dominado, extrapolando nos rapapés tal qual um serviçal de plantão. Irreconhecível para quem o assistiu em outras ocasiões. No plano das relações externas, foi como uma carnificina diplomática. Se Putin teve a capacidade de enquadrá-lo publicamente daquela maneira, o que dirá no encontro a portas fechadas? Ninguém ousa imaginar.
Transportada para a narrativa futebolística, aproveitando o embalo das disputas na Copa, é possível dizer que a peleja Putin versus Trump terminou com o vergonhoso placar de 7 a 1. Só quem já passou por isso sabe como é. Melhor esquecer. Era para ser um encontro onde mediriam forças, mas até as pedras sabiam quem sairia em vantagem, favorito absoluto, por estar mais bem preparado, ser mais astuto e menos fanfarrão. Putin engoliu Trump nos quesitos óbvios. Deixou ele falar e se perder. Nada de críticas à anexação da Crimeia, ao envenenamento de britânicos no Reino Unido ou aos ataques cibernéticos. Eram só elogios. Putin, curtido na arte de engabelar, adorou o desempenho.
Trump voltou de rabo entre as pernas e, suprema humilhação, teve no dia seguinte de se retratar para impedir, inclusive, um processo de impeachment. Desdisse o que falou. Mas não adiantava mais. O estrago estava feito.
Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três