Lula e Jair Bolsonaro, os dois fenômenos contemporâneos da política
brasileira – um em declínio, outro em ascensão -, foram forjados por
vias opostas, que, no entanto, os levaram a resultado equivalente:
tornaram-se lideranças populares e populistas, quebrando convenções,
protocolos e padrões de conduta do meio. A semelhança finda aí. Lula teve, desde o início, ainda na década dos
70, trajetória marcada pela simpatia da mídia, dos artistas e
intelectuais, que, em conjunto, compuseram um personagem romanesco: o
retirante que vence barreiras sociais e, de líder operário, chega a
chefe de partido e presidente da República.
Bolsonaro, capitão da reserva do Exército, protagonizou narrativa
inversa, marcada por vaias, insultos e processos judiciais. O mesmo
universo que incensou Lula depreciou-o num grau extremo, que o tornou
uma espécie de anticristo da política brasileira. Nazista, fascista, homofóbico, racista, machista são apenas alguns dos apodos com que foi brindado ao longo de sua carreira. Nada indicava que tal trajetória desembocaria em popularidade. Desde
sua matriz profissional, colecionou problemas. Em 1986, capitão do 8º
Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista, foi preso por quinze dias
após publicar artigo na revista Veja, reclamando dos salários dos
militares.
A mesma postulação o levaria, um ano depois, a se meter em outra
encrenca, acusado de participar de ação subversiva que previa até o uso
de bombas nos quartéis. Foi absolvido pelo STM, [instância máxima da Justiça Militar o que não deixa nenhuma dúvida sobre a calúnia expressa na acusação.]mas a agitação que
provocou comprometeu sua carreira. Estava mais para sindicalista que militar. Como sua categoria não é
sindicalizável, migrou diretamente para a política em 1988, passando à
reserva do Exército. Elegeu-se vereador no Rio de Janeiro – e, desde
então, não mais cogitou em voltar ao quartel.
Jamais, porém, perdeu os vínculos com seus antigos companheiros de
farda e deve em parte a eles as sucessivas reeleições à Câmara. Foi
sempre o candidato da Vila Militar do Rio. Aos 62 anos – é dez anos mais novo que Lula -, está no seu sexto
mandato de deputado federal. Sua carreira parlamentar não foi mais
tranquila que a militar. [nas eleições 2014, foi o deputado federal mais votado no Rio - 464.572 votos - é o único deputado, fora de São Paulo, entre os cinco mais votados do Brasil - terceiro colocado no Brasil.] primeiros colocados em votos. Pelo contrário, teve ali espaço para dar
expansão a um temperamento impulsivo e explosivo, que não mede palavras,
o que o levou a colecionar inimigos e processos.
É classificado ideologicamente como de direita; Lula como de
esquerda. Mas ambos frequentemente violam as respectivas ortodoxias e
escandalizam os próprios seguidores. Lula já elogiou o governo Médici,
enquanto Bolsonaro certa vez elogiou Hugo Chávez. Seus aliados, no entanto, absorvem essas heresias em nome de um culto que está para além do meramente racional. As mutações do Brasil, a partir da Era PT, em 2003, inverteriam o
destino de ambos. Lula encontrou-se com a vaia e a desonra, enquanto
Bolsonaro passou a conhecer o aplauso e a admiração. A chave dessa
mudança é uma palavra simples, historicamente corrente na política
brasileira: corrupção.
No poder, Lula, que construiu sua ascensão a partir de um discurso
fortemente moralista (Brizola chegou a chamá-lo de “a UDN de macacão”),
associou-se a ela de tal modo que hoje, além de condenado em um
processo, é réu em mais seis.
Tenta se defender acusando a Justiça de criminalizar a política, mas o
que faz, na prática, é investir na politização do crime. “O que o PT
fez é o que todos fazem”, disse certa vez, como se a vulgarização de um
delito o revogasse. Como Sérgio Cabral, quer rebatizar a corrupção,
chamando-a de “contribuição de campanha”.' [e Lula continua sendo favorável à corrupção e contra a prisão de corruptos - veja aqui uma pérola que vomitou em defesa de corruptos.]
Corre o risco de findar sua carreira na cadeia – e não só ele, mas
correligionários e aliados, e até os que posavam de adversários, como o
PSDB. Todos, em graus variados, estão hoje às voltas com a Lava Jato. E
foi exatamente esse o universo político que se opôs desde o início a
Bolsonaro e lhe esculpiu a imagem de pervertido.
O strip-tease moral dos adversários inverteu a equação, conferindo ao
capitão da reserva – e pré-candidato à Presidência da República – foros
de herói político. É, de fato, um dos raros parlamentares ficha limpa
no atual Congresso, condição ressaltada até por gente que nenhuma
afinidade ideológica tem com ele, como o ex-ministro do STF Joaquim
Barbosa, ao tempo do Mensalão.
Bolsonaro hoje é saudado triunfalmente onde chega. Na quinta-feira,
uma multidão paralisou o aeroporto de Manaus para recebê-lo. Tem sido
uma rotina. Sua crescente popularidade, atestada em pesquisas,
associa-se à sua origem militar e, segundo recente manifestação do
general Mourão, é bem vista nos quartéis. Honestidade, matéria escassa na vida pública, converteu-se em
patrimônio político, capaz de compensar limitações e deficiências de
outra ordem. Foi por essa via que Lula ascendeu – e, ao profaná-la,
caiu. Na gangorra da política, está neste momento no chão, enquanto seu
antípoda, Bolsonaro, o contempla do alto.
Ruy Fabiano - Blog do Noblat
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sábado, 16 de dezembro de 2017
A gangorra do destino
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