A primeira coisa estranha, estranhíssima, exótica
mesmo, é que Shuenquener de Araújo tenha concedido uma
liminar numa ação movida por terceiras pessoas.
Ora, os convocados a depor são Lula e Marisa. Quem recorreu contra a decisão foi o deputado petista Paulo
Teixeira (SP)
“Não tenho paixão, eu
fiz o que achava que era mais correto para evitar que a investigação fique em
risco, sem que exista qualquer objetivo de blindar ou nada disso”.
A fala é de Valter
Shuenquener de Araújo, membro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que concedeu liminar
suspendendo os respectivos depoimentos que Luiz Inácio Lula da Silva e sua
mulher, Marisa Letícia, foram convocados a dar ao promotor Cassio Conserino
sobre o tríplex do edifício Solaris no Guarujá.
Bem, eu não vou ficar
fazendo digressão sobre intenções. Vamos aos fatos.
A primeira coisa estranha,
estranhíssima, exótica mesmo, é que Shuenquener de Araújo tenha concedido uma
liminar numa ação movida por terceiras pessoas. Ora, os
convocados a depor são Lula e Marisa. Quem recorreu contra a
decisão foi o deputado petista Paulo Teixeira (SP).
Imaginem agora se a moda pega. O
ex-presidente, por acaso, perdeu a identidade e se tornou um ente público, de validade universal, em nome do qual qualquer um pode
recorrer?
O principal argumento
de Paulo Teixeira, que nem mesmo é parte na coisa, é que Conserino não
poderia cuidar do caso porque isso violaria o principio do promotor natural.
Andei consultando especialistas. Tal
princípio não é reconhecido nos tribunais. Trata-se apenas do famoso “direito criativo”. Aliás, nota do Ministério
Público de São Paulo reitera a lisura do procedimento.
Finalmente, Shuenquener de Araújo
afirmou que a realização dos depoimentos poderia provocar confrontos entre
grupos adversários. Bem, a ser assim, entregue-se o Ministério Público ao controle das
milícias petistas. Nós as vimos em ação
nesta quarta, distribuindo porradas. O doutor
diga o que quiser, mas não se tratou de uma decisão convencional. Pra começo de
conversa, a menos que o recurso tivesse sido movido pelo próprio Lula, a
questão não deveria nem sequer ter sido examinada.
É claro que a coisa cheira
muito mal!
Renan, protegido pela Vovó Mafalda da Procuradoria,
ganha mais uma vez o colinho de Lewandowski
Renan é
mesmo um sortudo! É investigado na Lava Jato em seis inquéritos. Mas Rodrigo Janot, a Vovó Mafalda da Procuradoria, não
oferece denúncia contra ele. O caso do Bolsa Empreiteira ficou com
Lewandowski por dois anos, depois de passar seis no Ministério Público Federal.
Liberado pelo relator para votação, o mesmo Lewandowski, na condição de
presidente do Tribunal, diz que vota quando der. E dane-se! Denunciei
aqui em agosto do ano passado um “acordão”
que jogava Renan Calheiros no colo do Palácio do Planalto. As “altas conversas”
passaram pela Procuradoria-Geral da República e pelo Supremo. Enquanto
seguir um intocável da República, Renan fará o diabo para manter Dilma no
Palácio do Planalto.
Ricardo Lewandowski sempre provocou em
mim isso a que se chamou, em boa hora, “vergonha alheia”.
Como sabem, trata-se
daquela sensação de constrangimento que a gente experimenta em lugar do outro. Por alguns
instantes, você se põe na pele de terceiros e percebe a terra abrir-se a seus
pés. Isso, claro, se esse outro tiver um
mínimo de vergonha na cara, né?, o que não costuma ser o caso.
Vocês se lembram
daquele caso do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que está no Supremo
desde 2013, não? Refere-se a um escândalo que veio à luz em 2007. Descobriu-se que o
à época e agora de novo presidente
do Senado usava de meios pouco ortodoxos para pagar a pensão de um filho que
tivera fora do casamento. A grana saía dos cofres da empreiteira Mendes Júnior.
O homem teve de
renunciar à Presidência da Casa e só não foi cassado porque a votação ainda era
fechada. Vamos ver como se criam tipos à moda Calheiros neste país infeliz. O caso estourou em
2007, reitero. A denúncia só foi oferecida pela Procuradoria Geral da República
em… 2013!!! Seis anos depois! Comparem, por
exemplo, com a celeridade com que o Ministério Público Federal calcinou a
reputação de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara.
Aí, Renan teve a sorte de cair justamente nas mãos de Lewandowski. Este
ficou sentando sobre o processo por quase dois anos, sem dizer se aceitava ou
não a denúncia contra Renan. Nesse período, o presidente do Senado passou de
adversário a aliado incondicional de Dilma, sempre sob o olhar vigilante de
Lewandowski. Nota: antes do apartamento do Guarujá e do sítio de
Atibaia, o ministro era a grande conquista de
Marisa Letícia.
Lula o indicou para o cargo porque a mãe do ilustre era amiga da então
primeira-dama. Critérios da República de Banânia.
Quando Lewandowski
assumiu a presidência do STF, deixou a relatoria. O caso foi parar nas
mãos de Edson Fachin. Louve-se a sua celeridade. E notem que fui crítico de sua
indicação. Eu elogio quando acho o caso e critico quando acho o caso. Não tenho uma listinha
de pessoas nas quais bato por hábito. No dia 3 deste mês, ele liberou o
processo para votação. Ou seja: o tribunal já pode
decidir se aceita ou não a denúncia, se Renan será ou não réu na ação.
Pois bem! Eis que Lewandowski, nesta quarta, anuncia que não há prazo para
votação, não! Parece que, agora, ele quer sentar sobre o processo na
condição de presidente da Casa. Indagado a respeito, afirmou que a
prioridade é resolver novas regras estabelecidas pela Receita no controle de
movimentações financeiras. Disse: “Veja que há sempre novas prioridades. Esta é uma prioridade
inafastável na véspera da declaração do Imposto de Renda. A gerência da pauta é
extremamente difícil. Tem que atender pedidos dos colegas, verificar
prescrições, réus presos, é uma arte fazer isso”.
O nome disso é “enrolation”. A resposta
chega a ser desrespeitosa. Obviamente, há nela um tom irônico. No fim das
contas, diz: “Ponho em votação
quando quiser; não encham o meu saco!”
Tão logo Teori Zavascki decida se
aceita ou não a denúncia contra Eduardo Cunha, vamos ver quanto tempo levará
Lewandowski para pôr a coisa em votação… Há
comportamentos que obviamente desonram a Corte. E
esse do atual presidente do Supremo é um deles.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo