Sempre
imaginei que Regina Duarte decorasse as falas das personagens que viveu
na TV. Mas agora, depois de Tássia Camargo dizer que Regina usava ponto,
tenho certeza. De todo modo, o ponto socorre o artista no esquecimento
do texto, não na falta de talento. O que eternizou Regina Duarte não foi
decorar textos, e sim o talento para dar vida a heroínas inesquecíveis,
seja porque fizeram história como a socióloga divorciada Maria Lúcia
Fonseca, da pioneira “Malu Mulher”, seja porque a carreira da brilhante
aquariana, que continua bela aos 70 anos de idade completados no dia 5
deste mês, se funde à própria história da TV e da teledramaturgia
brasileiras. A de Tássia também: estão vendo aquele revoltado asterisco
anêmico amargurado no rodapé da história em que Regina reina? Ali, mais
para baixo, mais para trás, mais; isso.
Não sou porta-voz de Regina Duarte nem ela
precisa que eu a defenda de coisa nenhuma, o que ela pode fazer muito
melhor do que eu se quiser ou achar necessário. Faço este registro para
apontar, no mosaico bisonho de Tássia, três vítimas preferenciais da
súcia petista: a verdade, o mérito e a graça da vida. Regina é uma
mulher valente, de excelente formação também moral. Numa entrevista ao
jornalista Roberto D’Ávila, contou que nunca pretendera ser famosa, mas
que desde o dia em que, mocinha, viu o pai, militar aposentado, ser
humilhado em determinado acontecimento numa fila para receber a
aposentadoria, decidiu que teria uma profissão que a fizesse poderosa o
suficiente para proteger os pais. Honrar nossa ancestralidade e sermos
gratos a ela atestam a qualidade do nosso caráter e a sanidade dos
nossos afetos. Lulinha e Luleco, por exemplo, agiram assim, só que, com
uma ancestralidade ré em três inquéritos, era melhor ter feito dos pais
só uma fotografia que nos machuca de dentro de um porta-retrato na sala
de jantar.
Grandes estrelas da Globo como Glória
Pires, Tony Ramos ou Regina Duarte têm contrato permanente com a
emissora e continuam remuneradas mesmo entre um trabalho e outro:
mérito, atributo imperdoável no perturbado mundo petista. Tássia sabe
que na Globo é assim, porém, acusando Luana Piovani de querer aparecer –
acusação pertinente, mas e daí? –, aparece num vídeo bisonho para fazer
o que denuncia como prática da antiga empregadora: o asterisco-e-atriz
“coloca cocozinho na sua cabecinha, pra você ficar mais burrinho ainda”.
Preste atenção: “mais ainda”.
Marilena Chauí deve ter feito o mesmo na
cabecinha de Tássia que mistura Moro, Aécio, Globo e VEJA na arquitetura
dos comentários torpes sobre a morte de Marisa Letícia. Isso não é
maluquice, pois essa gente não rasga dinheiro (a não ser o da Rouanet,
ou seja, o nosso), é apenas mentira e tremendamente injusto porque
exclui o ninho mais escabroso de todas as indignidades sobre essa morte:
a alma do viúvo. Mas Tássia está confusa, afinal não se sai incólume do
vilipêndio político-eleitoreiro de um cadáver efetivado pelo próprio
viúvo que ainda teve o discurso do bispo de passeata, D. Angélico
Bernardino, contra a reforma da previdência, transformando o caixão num
palanque profano.
Atacar o governo de Michel Temer e as
reformas dramaticamente necessárias é o roteiro obrigatório dessa gente,
mas num velório? Marisa Letícia morreu triste? Ruth Cardoso também por
causa do dossiê vigarista produzido na Casa Civil de Dilma Rousseff,
Fernando Henrique revelou isso não no velório, mas tempos depois e em
conversa privada com Ignácio Loyola Brandão que escrevia uma biografia
de d. Ruth. Já no comício em que Marisa Letícia foi velada, só não se
criticou a indicação de Alexandre de Moraes para o STF porque ela ainda
não estava definida. Criticariam porque ela é boa e o bem, na opinião
dos petistas, não deve ficar impune.
A tolice de que o presidente quer um
“guarda-costas” no Supremo é só mesmo uma tolice, pois Temer não pode
ser processado, enquanto for presidente – cargo que lhe garante a
prerrogativa de foro –, por eventuais crimes cometidos antes do mandato
e, depois de cumprido este, Temer não terá mais a prerrogativa de foro,
restando, portanto, fora da proteção do tal guarda-costas. Numa
situação, ela é desnecessário; na outra, inútil. O fato é que para
petistas, extremistas de esquerdas e assemelhados como a direita chulé,
qualquer indicação que Temer fizesse teria o defeito de ter sido feita
por ele.
No vídeo tosco, Tássia não se dirige à
veterana Regina, prefere simular certa parceria com a colega de trabalho
mais jovem – como se Luana fosse alguma tonta – e dar conselhos que não
querem aconselhar coisa nenhuma. Tássia está pouco ligando para Luana e
pretendeu mesmo atacar aquela a quem não se dirige porque, entre os
papéis de Regina em 50 anos de carreira, o que o asterisco-e-atriz menos
suporta é o de cidadã livre e valente que, quando praticamente toda a
classe artística brasileira se homogeneizava na sabujice, teve a coragem
de dizer que tinha medo da canalha pavorosa chefiada por um viúvo que
trocaria o lamento dolorido pelo discurso mentiroso.
Não é inveja do brilho de Regina ou da
vitalidade de Luana, Tássia inveja a si própria, pois está vivendo os 57
anos dela e tem “experiência de um relacionamento muito longo”, por
isso sabe “o que ele está passando”. Sim, o casamento de Lula e Marisa
Letícia durou mais de 40 anos, quanto anos mais o jeca precisaria ter
vivido com ela para aprender a respeitá-la na morte? Mais 40, 30, 10, 5,
3?
Lamentei, claro, a morte de Marisa
Letícia, o mal de ninguém me faz bem, que ela vivesse e se acertasse com
a justiça. Lamentável também foi contemplar Lula, um homem tão bajulado
e, no entanto, na solidão dos que não têm amigos, só cúmplices,
comparsas e devotos. Tivesse ele alguém que o quisesse bem dessa
benquerença que nos dá um toque sobre nossos erros, esse alguém
interromperia aquela ignomínia sombria e levaria o amigo viúvo ao
silêncio decoroso que o momento exige. Mas Lula tem Tássia Camargo e os
beijos vermelhos dela, armados e apontados contra a graça da vida.
Fonte: Coluna do Augusto Nunes - Valentina de Botas