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sábado, 12 de agosto de 2017

Meu pai e o jato de Pezão



Meu pai não entende como o governador de um estado falido, como o Rio, pode alugar um avião por R$ 2,5 milhões 

Meu pai tem 95 anos. Hélio telefona várias vezes por dia para sua gerente de banco para saber se o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, depositou o que lhe deve. Hélio não consegue entender um monte de coisas – e não é por causa da idade. Como um governador que não pagou a mais de 200 mil servidores o 13º de 2016 e os salários e aposentadorias de maio, junho e julho deste ano decide alugar um jatinho por R$ 2,5 milhões para ter mais conforto? Hélio duvida de sua própria lucidez.

Não adianta eu tentar explicar a meu pai que Pezão está falido. Hélio responde que quem está falido para pagar aos servidores não contrata um jato que preste um “serviço de excelência” para o “chefe do Poder Executivo”. Informo que o objetivo é prático. O governador e sua equipe poderão fazer no ar reuniões “em poltronas giratórias” e, claro, eles precisam de “flexibilidade de horários de voos e disponibilidade de aeronaves para deslocamentos de trabalho e emergências”.

Que bacana. Mas Hélio acha que emergência é outra coisa. Estado de emergência é o que vivem mais de 200 mil servidores sem a remuneração que lhes é devida, pedindo dinheiro na rua ou aos filhos e parentes, ou morrendo por não conseguir comprar remédios. Emergência é o que vive a Uerj, a universidade estadual que já foi modelo de centro de conhecimento e formou ministros do Supremo Tribunal Federal, como Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.

A Uerj hoje não consegue funcionar. A penúria da Universidade Estadual do Rio de Janeiro é tamanha que atinge não só os professores, mas o refeitório, os banheiros. Os jovens estudantes estão sem aula ou perspectiva. Ficam todos impressionados com o luxo do jato de Pezão, que poderia gastar muito menos voando como plebeu, em aviões de carreira. O governador acha “inseguro” não usar jatinho. As forças de segurança do Rio de Janeiro estão abismadas. Policiais civis e militares vivem diariamente em estado de emergência, com carros quebrados e helicópteros sem condições de decolar.

Hélio comemora o Dia dos Pais neste domingo com quatro meses atrasados de remuneração. Ele não entende – e quem sou eu para explicar? – como o governador ainda está solto por aí, indo para spa de luxo nas férias de inverno, rindo em Brasília, fazendo o gênero “devo, não nego, pagarei quando puder”. Meu pai entende menos ainda a barafunda que Pezão faz, ao separar servidores por categorias. Divide para reinar e para enfraquecer qualquer movimento. Dá mais a uns que a outros. Não seria inconstitucional? – pergunta meu pai, bacharel. E ainda tem essa história de ir soltando trocados para calar a boca. Minha filha, não dá para processar por danos morais o Estado e o governador? 


Procure um advogado sério. Chega de humilhação. Vamos criar jurisprudência.
Coitado do Pezão. Estamos implicando com um jatinho de R$ 2,5 milhões quando o governador do Rio de Janeiro é apenas mais um produto de um sistema político que premia traições e achaques. O Congresso trama a criação de um “fundo público” de R$ 3,6 bilhões para ajudar os políticos a fazer campanhas eleitorais em 2018. Isso aí não inclui o já bilionário Fundo Partidário. Fundo público a gente sabe de onde vem. E a divisão de “recursos” fica a cargo deles. É um fundo para “ajudar a democracia”. Ah, bom. Seria um objetivo nobre se fosse verdade. 

Vamos reagir. Se não for nas ruas, é preciso gritar contra manobras, em abaixo-assinados virtuais, redes sociais. O aumento indecente de 16,7% para procuradores da República em 2018 já caiu – e muito se deve à reação da sociedade e à presidente do STF, Cármen Lúcia, que alegou a grave crise financeira para defender o não reajuste. Com a defesa de Cármen, ministros do Supremo deram 8 votos contra o aumento e 3 a favor. Os 16,7% eram apoiados pela futura procuradora-geral, Raquel Dodge, a mesma que foi encontrar o presidente Michel Temer fora do expediente, à la Joesley, no Palácio do Jaburu. Agora sabemos que Temer liberou R$ 5,7 bilhões para emendas de parlamentares neste ano. Foi esse o preço da fidelidade a um presidente sem autoridade moral para colocar o Brasil no rumo certo.

Meu pai sabe que o país anda mal das pernas, pior que ele. O único sinal positivo é que, hoje, pelo menos, a roubalheira está às claras. Perto de um século de vida, meu pai acha que os representantes do povo deveriam exibir um pouco mais de compostura para ganhar um mínimo de respeito, em casa e fora de casa. Como os pais políticos educam seus filhos? Façam o que eu digo e o que eu faço. Vocês ficarão podres de ricos graças ao compadrio.

Feliz Dia dos Pais para quem tem a consciência tranquila.

Fonte: Época - Ruth de Aquino
 
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