À exceção dos cínicos e canalhas, todos que defendem uma postura o fazem porque julgam estar do lado certo, com a verdade em mãos. É por isso que, desde tempos imemoriais, há um debate ferrenho sobre quem poderá ter a última palavra sobre o que é verdadeiro e o que é falso. Na tradição liberal, que persistiu ao longo de muita luta e também derramamento de sangue, optou-se pela humildade epistemológica e a ampla liberdade de expressão.
Desde John Milton, passando por John Stuart Mill e tantos outros, os liberais pregaram o debate quase irrestrito e cada indivíduo livre para julgar por conta própria. Se você está seguro de suas verdades, cabe a você persuadir os demais, confrontar seus supostos equívocos com argumentos convincentes para mostrar-lhes que estão no engano e despertarem para a luz da verdade. É por isso que no Ocidente liberal há quase irrestrita liberdade de expressão, ao contrário de sociedades coletivistas e autoritárias, em que o estado decide o que é verdadeiro ou não.
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A liberdade de expressão no Brasil está ameaçada hoje por aqueles que se dizem liberais, democratas e tolerantes. Eles "sabem" que os bolsonaristas são uns "negacionistas", eles viram a luz da ciência, eles definem o que é verdadeiro e o que é falso. Ao revogar a Lei de Segurança Nacional, Bolsonaro vetou alguns artigos, entre eles justamente o poder estatal de punir "disparos em massa inverídicos contra a democracia". Eis como o editorial do Estadão enxergou o caso:
É uma postura temerária! Isso sem falar do escancarado duplo padrão, da seletividade. Afinal, o establishment não está perseguindo comunistas, que abertamente atacam o regime democrático e pregam a ditadura do proletário. Esses gozam de um salvo-conduto para destilar ódio contra o sistema "burguês", e alguns pedem até a dissolução do STF. Mas eles podem tudo, enquanto os bolsonaristas que criticam o STF e o TSE são "golpistas". O Estadão não quer saber dos perigos de delegar a alguns poucos "iluminados" o poder de decidir o que é verdade.
Reparem que o ministro Barroso, que deseja abertamente "empurrar a história", comete um ato falho ao afirmar que ignora as pressões políticas para julgar com base em seus valores: Mas esses "tolerantes democratas" reclamam do clima tenso de guerra e pedem paz, sendo que paz, nesse caso, significa a rendição da direita, que deveria simplesmente acatar toda a cartilha "progressista" politicamente correta e obedecer os ministros supremos. Lacombe, em sua coluna, aponta para o que está em jogo: "É preciso ser muito cínico para não enxergar uma oposição destrutiva, que aposta na desestabilização e na desarmonia, que joga contra o país, com o objetivo de atingir o governo. Juntam-se a velha imprensa, os partidos de esquerda, o Judiciário..."
Em suma, estamos diante de um velho embate que os liberais conhecem há séculos. De um lado, arrogantes autoritários que juram ser os detentores da Verdade e querem calar os demais; do outro lado, os mais humildes que reconhecem a falibilidade humana e enxergam no próprio método científico a vantagem da abertura constante a questionamentos, já que aquilo considerado verdade ontem pode se mostrar falso amanhã. O irônico é que os autoritários dogmáticos acusam os liberais humildes de fascistas, negacionistas e golpistas que atentam contra as liberdades e a democracia. É o golpe perfeito: matam a liberdade e a democracia em seu nome!
- Defesa do aborto e do meio ambiente juntos fazem sentido?
Rodrigo Constantino, colunista - Gazeta do Povo