Ah, nada
como um dia depois do outro, não é mesmo?
Há quanto tempo, meus caros,
afirmo aqui que esse surto moralista que une o Ministério Público e
setores consideráveis do Poder Judiciário tem como raiz não mais do que
interesses corporativos das duas categorias?
Quantas vezes afirmei que
parte da perseguição — e a coisa não merece outro nome — a que foi
submetido o presidente Michel Temer era também uma reação à determinação
do governo de pôr fim a privilégios inaceitáveis?
Quantos foram os
textos no blog e os comentários em rádio e televisão em que afirmei que
os que se apresentavam como paladinos da moralidade e heróis no combate à
corrupção tinham como horizonte primeiro a defesa de seus próprios
privilégios?
Agora,
como queria Eça de Queiróz, não resta nem mais o manto diáfano da
fantasia a cobrir a nudez crua da verdade. Daqui a pouco, nesta
quinta-feira, ora vejam, procuradores da República, promotores e juízes
vão promover uma patuscada em frente ao Supremo, no primeiro dia da
volta do tribunal ao trabalho. Lá estarão membros dessas categorias e os
líderes da miríade de entidades que os representam — há mais
associações de juízes no Brasil do que queijos na França.
Eles têm uma pauta e algumas denúncias. Prestem atenção!
A pauta:
– contra a reforma da Previdência — sim,
os valentes se opõem à já moderadíssima proposta do governo; é que ela
acaba com a aposentadoria integral da turma.
Sabem como é? Esses heróis
sem mácula precisam de uma boa vida, sustentada pelos desdentados, para
poder cuidar da moralidade do país dos desdentados;
– contra o fim do auxílio-moradia, aquela
prática indecente que consiste em pagar a todos os membros dessas
categorias a bagatela de R$ 4.377,73 mensais, precisem eles ou não.
Recebem o benefício, por obra e graça do ministro Luiz Fux, mesmo os que
são proprietários de imóveis nas cidades em que trabalham. Os muito
exigentes, como o casal Bretas de juízes — Marcelo e sua mulher —
recebem o benefício em dobro. [conheça aqui a ostensiva isenção do ministro Fux sobre o assunto.]
O
auxílio-moradia é apenas um dos benefícios que estão livres do Imposto
de Renda e não contam para efeitos de teto salarial: há ainda
auxílio-livro, auxílio-paletó, auxílio-creche, auxílio-mudança,
auxílio-lanche, auxílio pós-graduação. Em suma, basta que essa gente
suspire de alegria ou de melancolia, e os cofres públicos arcam com a
conta. Uma beleza!
Pois bem.
Eles vão fazer uma chacrinha hoje em frente ao Supremo e vão entregar um
documento à ministra Cármen Lúcia, sua aliada de primeira hora. Durante
o recesso, ela impediu a posse de Cristiane Brasil no Ministério do
Trabalho. Tal nomeação está no âmbito da reforma da Previdência porque
busca atrair o apoio do PTB para a mudança.
Os
doutores também vão dizer, vejam vocês, que estão sendo vítimas dos
terríveis políticos, coisa que era endossada até outro dia pela idiotia
oportunista de alguns ditos “movimentos de rua” — alguns deles
convertidos em caça-níqueis e em caça-votos. E quais seriam as
evidências de que os políticos os perseguem? Ora, o projeto que muda a
lei que pune abuso de autoridade seria uma delas. A outra: a própria
reforma da Previdência. Mais uma: o fim do auxílio-moradia.
Vejam como
é difícil reformar o Estado brasileiro, acabando com os cidadão de
primeira e de segunda classes. Os primeiros a levantar contra a mudança
são aqueles que detêm o poder, em seu próprio interesse, de impedir as…
mudanças!
Blog do Reinaldo Azevedo