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quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

A turma da operação "lava jato" deve confiar na Justiça

Os doutores da operação "lava jato" dizem que o projeto que pune os abusos de autoridade praticados por policiais, juízes e promotores destina-se a "aterrorizar procuradores, promotores e juízes".

Não estão sozinhos. A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, pergunta : "Criminalizar a jurisdição é fulminar a democracia. Eu pergunto a quem isso interessa? Não é ao povo, certamente. Não é aos democratas, por óbvio. (...) Desconstruir-nos como Poder Judiciário ou como juízes independentes interessa a quem?"

Joaquim Barbosa, que ocupou a cadeira da ministra, fez um raciocínio mais acrobático. Segundo ele, as forças que cassaram o mandato de Dilma Rousseff estariam num novo lance: "Se eu posso derrubar um chefe de Estado, por que não posso intimidar e encurralar juízes?" [Joaquim Barbosa não se conforma com o ostracismo ao qual foi relegado.]

A ideia de que o projeto aprovado na Câmara intimida, encurrala, ou amedronta os juízes, procuradores e policiais repetiu-se dezenas de vezes. Basicamente, o projeto estabelece penas de seis meses a dois anos de prisão para magistrados que ajuízem ações com má-fé, por promoção pessoal ou perseguição política ou para procuradores que instaurem procedimentos "em desfavor de alguém, sem que existam indícios mínimos de prática de algum delito". O nó está aí, uma investigação aberta levianamente pode dar cadeia.

Alguns artigos são banais, como o que penaliza os servidores que venham a "proceder de modo incompatível com a honra, a dignidade e o decoro de suas funções." Houve época em que um presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo deixava sua Porsche no estacionamento da corte. Vá lá. Num surto, o projeto quer proibir juízes de dar entrevistas. É verdade que eles não deveriam falar fora dos autos, mas não podem ser amordaçados. A "lava jato" e todas as investigações estariam ameaçadas porque, aberto um inquérito, um cidadão que se julgue prejudicado poderá processar procuradores ou mesmo o juiz por abuso de autoridade. "Um atentado à magistratura", nas palavras do juiz Sergio Moro.

Antes de concordar com o fim do mundo, fica uma pergunta: quem poderá condenar o policial, o procurador ou o juiz? Um magistrado, e só um magistrado.  Se os procuradores da "lava jato", o juiz Moro, a ministra Cármen Lúcia e seu colega Joaquim Barbosa não confiam na Justiça, por que alguém haverá de fazê-lo?  De fato, juízes e procuradores podem se sentir intimidados, até mesmo aterrorizados. A Lei Maria da Penha, por exemplo, intimida e aterroriza milhares de homens que pensam em bater numa mulher. Assim são as coisas e é bom que assim sejam.

Com novos mecanismos de correição uma juíza como a doutora Clarice Maria de Andrade, da comarca paraense de Abaetetuba poderia ficar intimidada ou mesmo aterrorizada antes de permitir, em 2007, que na sua jurisdição uma menina de 15 anos fosse mantida presa numa cela com 23 homens durante 26 dias. Três anos depois o Conselho Nacional de Justiça puniu-a, com a pena de aposentadoria compulsória. Em outubro passado o CNJ reviu a decisão, colocando-a em disponibilidade, por dois anos, com vencimentos proporcionais. Depois, zero a zero e bola ao centro.

A defesa da lei do abuso tem uma carga maldita. De um lado estão juízes e procuradores que batalham em defesa da moralidade e do outro, personagens de pouca reputação. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Imagine-se que um sujeito entra numa igreja e vê um batizado. Os padrinhos são os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá, mais os deputados Rodrigo Maia e Weverton Rocha, signatário da emenda que define crimes de responsabilidade para juízes e procuradores. O bebê é inocente, nada sabe da vida, mas acaba associado aos quatro padrinhos.

Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo