Leonardo Desideri - Vida e Cidadania
Moradores de rua
O
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes
determinou, na terça-feira (25), que estados e municípios não podem
remover moradores de rua de espaços públicos nem recolher seus pertences
contra a vontade deles, e forçou governos a adotarem um amplo conjunto
de medidas – elaboradas por ele próprio – para a solução do problema
social.
Moraes acatou um pedido feito em 2022 pelos partidos Rede
e PSOL e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que usam a
controversa teoria do "estado de coisas inconstitucional" para alegar a
omissão dos governos municipais, estaduais e federal em resolver o
problema das populações de rua. [tudo pela Constituição - vale a pena até destruir a Constituição vigente, a pretexto de preservá-la, descumpri-la sob alegação de cumpri-la.] Segundo essa teoria, o Poder Judiciário
poderia induzir medidas de política pública sempre que detectar omissão
do Legislativo e Executivo em seus papéis constitucionais.
O
ministro deu prazo de 120 dias para o governo federal apresentar um
plano para a implementação de uma política nacional voltada a moradores
de rua, e exigiu que, no mesmo prazo, as prefeituras de todos os
municípios brasileiros façam "diagnóstico pormenorizado da situação nos
respectivos territórios, com a indicação do quantitativo de pessoas em
situação de rua por área geográfica, quantidade e local das vagas de
abrigo e de capacidade de fornecimento de alimentação".
Para os
governos estaduais, Moraes criou um conjunto de 17 medidas, entre as
quais constam, por exemplo, a "disponibilização imediata" de barracas
para moradia e de itens de higiene básica à população em situação de
rua; a oferta – neste caso, sem prazo determinado – de "bebedouros,
banheiros públicos e lavanderias sociais de fácil acesso para a
população em situação de rua"; a garantia de "bagageiros para as pessoas
em situação de rua guardarem seus pertences"; e a garantia de
"segurança pessoal e dos bens das pessoas em situação de rua".
Para
juristas consultados pela Gazeta do Povo, em que pese a trágica
situação dos moradores de rua, o Supremo Tribunal Federal (STF) está
mais uma vez atropelando e "redesenhando" a Constituição – entre outras
coisas, está passando por cima da separação dos poderes e do modelo
federativo.
"Se fosse possível resolver o problema da pobreza com
uma decisão – judicial ou administrativa –, isso teria sido feito há
séculos. Vontade de muita gente não faltou e continua não faltando.
Contudo, a miséria não é decorrente de um fator único, como parece fazer
crer a decisão. É oriunda de um conjunto de fatores, que passa
obviamente pela atuação do Estado e das classes mais abastadas, mas
também por conjunturas sociais, como abandono familiar, degradação moral
da sociedade, entre diversas outras coisas. Achar que uma decisão
judicial que obriga o Estado a resolver tudo isso em 120 dias vai
solucionar ou mesmo diminuir o problema é, a meu ver, uma ilusão",
afirma o advogado Miguel Vidigal, especialista em Direito Civil.
Constitucionalmente,
a escolha – essencialmente política – de quais problemas sociais devem
receber atenção prioritária, quais estratégias serão adotadas para
resolvê-los e em quanto tempo as políticas públicas vão ser planejadas e
implementadas cabe aos representantes dos Poderes Executivo e
Legislativo eleitos pelo povo.
Moraes também passou por cima de
manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU), que havia recomendado
que o STF não acatasse a petição feita pelas organizações esquerdistas,
justamente porque isso implicaria invadir a competência de outros
poderes.
A decisão pode, também, facilitar invasões de espaços
públicos por parte de movimentos extremistas que alegam lutar por causas
sociais e, além disso, dificultar a atuação da polícia e das guardas
municipais, por exemplo, em casos de cenas abertas de uso de drogas,
como o da Cracolândia, em São Paulo.
Por último, o ministro coloca as autoridades de governos
municipais, estaduais e federal nas mãos de membros do Judiciário, que
passam a poder estabelecer cronogramas e dar ultimatos aos governantes
com base em seus próprios juízos sobre a condução das políticas
públicas. "Qualquer pessoa dotada de um pouco de bom senso e de
espírito caritativo tem propensão a ajudar os menos favorecidos,
sobretudo aqueles que se encontram em situação de rua ou mendicância. A
própria Constituição Federal de 1988 indica em inúmeros pontos a
necessidade de apoio estatal àqueles que são desprovidos de meios e
condições de levar uma vida digna. Mas a fórmula apresentada pelo
ministro Alexandre de Moraes parece um tanto inexequível, na medida em
que ele determina que em 120 dias inúmeros órgãos estatais – federais,
estaduais e municipais –, se organizem para regulamentar, fiscalizar e
amparar a população em situação de rua – como se fosse possível
mobilizar tanta gente em tão pouco tempo", comenta o especialista.
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