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domingo, 6 de maio de 2018

Vidas blindadas



Não seria melhor blindar tudo numa cidade que, apesar da intervenção federal, já teve 42 PMs assassinados em 2018?

A novidade só podia mesmo vir dos Estados Unidos. Motivado pelas frequentes fuzilarias em escolas de seu país, o artista gráfico e veterano de guerra Dave Hollenbach deu entrada com um pedido de registro no U.S. Patent & Trademark Office (equivalente ao nosso INPI, Instituto Nacional da Propriedade Intelectual): a patente de uma carteira escolar blindada. De altura ajustável para acompanhar o crescer das crianças, a ideia é fazer do móvel um bunker individual, que as acompanharia até o ginásio.

À primeira vista, trata-se de uma carteira convencional, com cadeira e mesa fechada até o chão. Só que o tampo é duplo. Se um atirador irromper na classe, garante o inventor, uma mola de fácil manejo faz saltar um segundo tampo, que trava na posição vertical. Vira escudo. Composto de fibra de vidro de densidade máxima, ele é do mesmo material blindado da parte frontal da carteira. Segundo Hollenbach, o conjunto foi testado para aguentar até 30 disparos de pistolas e fuzis de assalto. Não fala em metralhadoras nem bazucas.

Como cada carteira/escudo sairia em torno de US$ 700, a solução, embora tentadora para um Rio à beira da insânia, seria cara demais para os cofres saqueados da cidade. Por ora, o foco do prefeito Marcelo Crivella se concentra na blindagem dos muros externos da rede de ensino municipal. Anunciado em abril passado na esteira da morte da menina Maria Eduarda (baleada no pátio da escola Daniel Piza, em Acari), esse projeto de fortificação entra agora em fase de licitação. Segundo reportagem de Luã Marinatto, do jornal “Extra”, a argamassa especial de blindagem acaba de passar em testes de resistência a tiros de fuzil disparados de 15 metros de distância. Pelo menos é o que diz o burgomestre.

Mas e as janelas das escolas? E os telhados? E as várias Faixas de Gaza que brotam sem avisar no trajeto a ser percorrido pelas crianças — na rua, no ponto de ônibus, na van, no bairro, na Linha Amarela, na Linha Vermelha, em qualquer canto. E por que apenas escolas (elas são perto de 400 situadas em regiões dominadas por milícias e/ou tráfico)? E os hospitais? E o céu e o mar? Não seria melhor blindar tudo numa cidade que, apesar de estar sob intervenção federal, já teve 42 policiais militares assassinados em 2018? Ou melhor não fazer nada, visto que argamassa não erradica violência?  Entende-se a complexidade do problema e a dimensão da encrenca. Por vezes, soluções paliativas podem injetar alento pontual, ajudar a respirar quem precisa de gás até a desilusão seguinte.  Esta semana, coube à repórter Berenice Seara revelar que as cinco câmeras da Secretaria de Segurança instaladas no trajeto da vereadora assassinada Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes foram desligadas 24 ou 48 horas antes do crime. Uma delas, com imagens em 360 graus remetidas ao sistema do Centro Integrado do Comando e Controle (CICC), fica em frente ao local dos disparos contra o carro da vereadora. Os autores e mandantes da execução — e do desligamento das câmeras — continuam anônimos e soltos por aí.

Assim como não há proteção do cidadão contra a ausência de políticas públicas, também não existe blindagem para políticos contra a impopularidade que arrebanham. Um assessor do presidente Michel Temer destacou-se esta semana ao desfraldar uma maleta para desviar objetos arremessados contra o chefe que visitava as ruínas do edifício implodido pelo fogo no centro de São Paulo.  Feito mágica, a maleta executiva desdobrou-se em duas, como o tampo da carteira escolar idealizada por Hollenbach, e ajudou a evitar que peças voadoras atingissem o alvo. Mas nada pode contra a impopularidade do presidente. Falta a Temer, e a tantos nas muitas esferas do poder nacional, a argamassa com que se constrói uma biografia: credibilidade.
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Em tempo: para não perder o gancho e porque hoje é domingo, vale mencionar o caso do energúmeno Scott Pruitt, secretário (ministro) do Meio Ambiente de Donald Trump. Ao assumir o cargo, Pruitt enumerou sua lista de necessidades:
trancas biométricas nas portas do gabinete;
varredura permanente contra aparelhos de escuta em suas salas;
proteção 24 horas por 20 agentes de segurança;
assentos com revestimento à prova de balas em carro blindado de última geração;
cabine telefônica à prova de som no gabinete (US$ 43 mil);
duas mesas executivas blindadas ao estilo Hollenbach (US$ 70 mil) para o trabalho.

Os dois últimos itens lhe foram negados. Pruitt continua à frente de uma das pastas de maior consequência para o planeta, apesar de envolto em escândalos.

Dorrit Harazim é jornalista