Não seria melhor blindar tudo numa cidade que, apesar da intervenção federal, já teve 42 PMs assassinados em 2018?
A
novidade só podia mesmo vir dos Estados Unidos. Motivado pelas frequentes
fuzilarias em escolas de seu país, o artista gráfico e veterano de guerra Dave
Hollenbach deu entrada com um pedido de registro no U.S. Patent & Trademark
Office (equivalente ao nosso INPI, Instituto Nacional da Propriedade
Intelectual): a patente de uma carteira escolar blindada. De altura ajustável para
acompanhar o crescer das crianças, a ideia é fazer do móvel um bunker
individual, que as acompanharia até o ginásio.
À
primeira vista, trata-se de uma carteira convencional, com cadeira e mesa
fechada até o chão. Só que o tampo é duplo. Se um atirador irromper na classe,
garante o inventor, uma mola de fácil manejo faz saltar um segundo tampo, que
trava na posição vertical. Vira escudo. Composto de fibra de vidro de densidade
máxima, ele é do mesmo material blindado da parte frontal da carteira. Segundo
Hollenbach, o conjunto foi testado para aguentar até 30 disparos de pistolas e
fuzis de assalto. Não fala em metralhadoras nem bazucas.
Como cada
carteira/escudo sairia em torno de US$ 700, a solução, embora tentadora para um
Rio à beira da insânia, seria cara demais para os cofres saqueados da cidade.
Por ora, o foco do prefeito Marcelo Crivella se concentra na blindagem dos
muros externos da rede de ensino municipal. Anunciado em abril passado na
esteira da morte da menina Maria Eduarda (baleada no pátio da escola Daniel
Piza, em Acari), esse projeto de fortificação entra agora em fase de licitação.
Segundo reportagem de Luã Marinatto, do jornal “Extra”, a argamassa especial de
blindagem acaba de passar em testes de resistência a tiros de fuzil disparados
de 15 metros de distância. Pelo menos é o que diz o burgomestre.
Mas e as
janelas das escolas? E os telhados? E as várias Faixas de Gaza que brotam sem
avisar no trajeto a ser percorrido pelas crianças — na rua, no ponto de ônibus,
na van, no bairro, na Linha Amarela, na Linha Vermelha, em qualquer canto. E
por que apenas escolas (elas são perto de 400 situadas em regiões dominadas por
milícias e/ou tráfico)? E os hospitais? E o céu e o mar? Não seria melhor
blindar tudo numa cidade que, apesar de estar sob intervenção federal, já teve
42 policiais militares assassinados em 2018? Ou melhor não fazer nada, visto
que argamassa não erradica violência? Entende-se
a complexidade do problema e a dimensão da encrenca. Por vezes, soluções
paliativas podem injetar alento pontual, ajudar a respirar quem precisa de gás
até a desilusão seguinte. Esta
semana, coube à repórter Berenice Seara revelar que as cinco câmeras da
Secretaria de Segurança instaladas no trajeto da vereadora assassinada Marielle
Franco e do motorista Anderson Gomes foram desligadas 24 ou 48 horas antes do
crime. Uma delas, com imagens em 360 graus remetidas ao sistema do Centro
Integrado do Comando e Controle (CICC), fica em frente ao local dos disparos
contra o carro da vereadora. Os autores e mandantes da execução — e do
desligamento das câmeras — continuam anônimos e soltos por aí.
Assim
como não há proteção do cidadão contra a ausência de políticas públicas, também
não existe blindagem para políticos contra a impopularidade que arrebanham. Um
assessor do presidente Michel Temer destacou-se esta semana ao desfraldar uma
maleta para desviar objetos arremessados contra o chefe que visitava as ruínas
do edifício implodido pelo fogo no centro de São Paulo. Feito
mágica, a maleta executiva desdobrou-se em duas, como o tampo da carteira
escolar idealizada por Hollenbach, e ajudou a evitar que peças voadoras
atingissem o alvo. Mas nada pode contra a impopularidade do presidente. Falta a
Temer, e a tantos nas muitas esferas do poder nacional, a argamassa com que se
constrói uma biografia: credibilidade.
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Em tempo:
para não perder o gancho e porque hoje é domingo, vale mencionar o caso do
energúmeno Scott Pruitt, secretário (ministro) do Meio Ambiente de Donald
Trump. Ao assumir o cargo, Pruitt enumerou sua lista de necessidades:
trancas
biométricas nas portas do gabinete;
varredura
permanente contra aparelhos de escuta em suas salas;
proteção
24 horas por 20 agentes de segurança;
assentos
com revestimento à prova de balas em carro blindado de última geração;
cabine
telefônica à prova de som no gabinete (US$ 43 mil);
duas
mesas executivas blindadas ao estilo Hollenbach (US$ 70 mil) para o trabalho.
Os dois
últimos itens lhe foram negados. Pruitt continua à frente de uma das pastas de
maior consequência para o planeta, apesar de envolto em escândalos.
Dorrit
Harazim é jornalista