'Ser policial no Rio é carregar uma certidão de óbito'
O
rottweiler Enzo substitui, bem ao seu jeito feroz e espalhafatoso, a campainha
da casa de três cômodos no endereço raramente divulgado. E, pronto, lá vem
vindo a cabo Flavia Louzada, uma ex-fisiculturista de 37 anos, única mulher a
participar da ocupação do Alemão em 2010. Protegem também a moça duas
esculturas de exus guardiões da porteira, logo na entrada.
Policial Militar Flávia Louzada - Ana Branco
No
quarto, o papagaio Louro, esganiçado, quebra o clima: “Tudo bem?” Para sua
dona, nada bem. Não está sendo fácil pagar as parcelas do empréstimo bancário
de R$ 25 mil, o salário é curto, os amigos vêm sendo assassinados com
frequência, e, para piorar, já são dois meses de licença por causa da pressão
alta. Até o prazo de validade de dois anos das sobrancelhas tatuadas vai
chegando ao fim — e, por falar nisso, é hora de trocar também os esmaltes azul
e rosa que se revezam descascados nos dedos das mãos e dos pés.
Mas segue
intacta nas costas a maior das marcas de Flavia: a gigantesca tatoo do brasão
da PM, feita por amor à instituição agora falida e à sombra da intervenção
federal. Na concepção da cabo Louzada, do 16º BPM, em Olaria, o Exército caiu
do céu, tão essencial à segurança quanto seu rottweiler feroz.
A seguir,
a entrevista concedida à repórter Marluci Martins.
Por que
escolheu ser policial?
Minha mãe
era professora de uma escola no Irajá. Um dia, um aluno chegou sob efeito de
drogas e com uma pistola. Ela pediu que ele fosse pra casa. Quando minha mãe
saiu do colégio, esse rapaz, na garupa de uma moto, disparou três tiros. Um
deles pegou na garganta. Ela morreu, eu tinha 11 anos. Quero ser a policial que
salva uma mãe, um irmão. Sempre me perguntam quantas pessoas eu matei. Ninguém
pergunta quantas eu salvei.
Quantas
pessoas você salvou? Quantas matou?
Salvei
muitas. Principalmente, crianças em comunidades, onde as pessoas já estão
acostumadas com tiroteio. Se ouvem um tiro, correm pra janela ou pra rua, pra
ver o que está acontecendo. Também não sei quantas matei.
Qual é o
seu sonho na polícia?