O caso Bebianno não poderia se encerrar com a aparente derrota de Carlos
Bolsonaro, o filho 02, ou a do próprio presidente, obrigado a
suspender, pelo menos temporariamente, a demissão do chefe da
Secretaria-Geral da Presidência. Mágoas certamente ficariam, de todos os
lados, e dificilmente seriam superadas. O vereador Carlos, ao retomar suas funções, assinou uma petição na
Câmara do Rio para homenagear o vice-presidente da República Hamilton
Mourão. De quem insinuou certa vez ter interesse na morte de seu pai. É
um recuo e tanto para um pitbull como Carlos que, ao contrário de seu
poodle Pituka, não é de amansar a troco de nada. Vê-se agora que sabia
que venceria essa queda de braço.
O caso fora resolvido com a desistência temporária de demitir seu
ministro porque Bolsonaro fora confrontado com a gravidade da situação
por ministros militares do nível do Chefe do Gabinete Institucional
(GSI) Augusto Heleno, e políticos, como o Chefe do Gabinete Civil Ônix
Lorenzoni. O primeiro, dando a dimensão da crise institucional que a demissão
intempestiva acarretará, o outro mostrando a importância politica de
manter-se o governo fora de turbulências desnecessárias, especialmente
agora que a maioria potencial do governo precisa ser organizada para
aprovar a reforma da Presidência.
Essa dimensão do cargo que ocupa, de que não é mais um deputado, como
salientou o presidente da Câmara, é o que parece estar faltando a
Bolsonaro. A foto dele despachando com ministros e assessores vestindo a
camisa falsificada do Palmeiras é exemplo de que não respeita a
liturgia do cargo, de que não tem nem quer ter a compostura que a
presidência da República exige. Bolsonaro precisa descer do palanque imediatamente. As sandálias de
plástico que usava na foto oficial são da mesma origem das caspas que
Jânio Quadros jogava sobre os ombros, para compor um personagem “gente
como a gente”. Mas Jânio deixava o populismo para o palanque, era até
excessivamente formal no cotidiano presidencial.
O agora ex-ministro Gustavo Bebianno negociou sua permanência no cargo
com políticos e militares, e surpreendeu o presidente Bolsonaro no
primeiro momento com o apoio que recebeu. Agora o governo terá que
dobrar esforços no Congresso para superar a falta de intermediários
gabaritados durante as negociações sobre a reforma da Previdência. Um
dos casos que tocou um nervo exposto da família Bolsonaro foi o contato
de Bebianno com interlocutores considerados “inimigos”, na busca de
ampliar apoios para a aprovação da reforma.
A demissão do ministro Gustavo Bebianno é a confirmação de que existem
no governo três figuras mais importantes que ministros, ou qualquer
outro assessor, ou mesmo aliado político: os filhos do presidente. Para piorar, os três têm mandatos eleitorais, Flávio de senador, Eduardo
de deputado federal e Carlos de vereador. Podem, portanto, defender
suas ideias e projetos das respectivas tribunas, e cada palavra que
proferirem será considerada uma mensagem do presidente à sua base
política.
A saída de Bebianno gera uma crise política extemporânea, no momento em
que o governo quer aprovar a reforma da Previdência. Bolsonaro tem
apenas uma suposição de base majoritária na Câmara, que vai precisar ser
organizada, e os coordenadores do PSL não têm experiência. Bebianno seria um interlocutor do governo com o presidente da Câmara,
Rodrigo Maia, que deverá comandar as negociações. Não foi por acaso que
Maia deu uma declaração forte, afirmando que Bolsonaro não é presidente
da associação dos militares.
A relação do presidente da Câmara com o ministro do Gabinete Civil nunca
foi boa, apesar de os dois serem do mesmo partido, o DEM. A conexão
entre Rodrigo Maia e Bebianno, assim como com o ministro da Economia
Paulo Guedes, é que ajudaria a facilitar a tramitação da reforma da
Previdência. A impressão que ficou entre os políticos é que o presidente estava
usando o filho para forçar a saída de Bebianno. E o sentimento
generalizado é de preocupação, pois Bebianno era considerado um homem de
confiança de Bolsonaro, e nessa qualidade ganhou a simpatia dos
políticos como canal de comunicação com o Palácio do Planalto.
Se na primeira discussão com um dos seus filhos o presidente joga ao mar
um aliado de primeira hora, o que dizer de outro qualquer? Os militares
também se preocupam com a ingerência dos filhos, pois acham que nenhum
ministro ousará discordar deles, o que causa imensa insegurança
institucional.
Merval Pereira - O Globo