A promessa messiânica não tinha fundamento. Esvaiu-se em interesses escusos e, em um primeiro momento, ocultos
Estamos no epílogo de um longo período de obscurantismo, que começou com uma promessa de esclarecimento. Desde
o começo, o esclarecimento, porém, tinha um forte componente religioso,
baseado na ideia de uma espécie de redenção nacional. A história
estaria recomeçando a partir de um ponto zero, divisor de águas entre o
antes e o depois. É como se os séculos do país devessem, doravante, ser
contados de uma outra maneira.
Expressões típicas desta vocação religiosa são a “herança maldita” e “nunca dantes neste país”.
A
primeira pôs especial relevo em que tudo o que existia anteriormente
estaria marcado por um tipo de maldição indelével, fruto de pecados
sucessivos, que eram, na verdade, crimes irremissíveis. Do ponto
de vista do discurso político, era o resultado de uma visão de esquerda,
segundo a qual o capitalismo, o lucro, a propriedade privada e o
mercado deveriam ser conjurados e controlados severamente. Um Deus
político de novo tipo deveria ser honrado, manifestando-se sob a forma
de um Estado intervencionista.
O lucro era o pecado, o Estado a
redenção. O passado era condenável, o futuro promissor. O seu
instrumento o PT e um líder carismático com pretensões messiânicas. Um
toque seu podia ungir uma candidata a presidente ou um candidato a
prefeito. A segunda marcava, com fervor, o anúncio do amanhecer de
um novo dia. As trevas fariam parte do passado, os tucanos seriam a sua
caricatura e um recomeço estaria por vir. A certeza religiosa seria uma
prova de sua revelação. Os “pobres” seriam resgatados, apresentando-se
como os símbolos desta nova época.
Note-se, particularmente, que
esse discurso não cessou de ser repetido, mesmo tratando-se, sob uma
forma prosaica, da continuação, em maior escala, de programas sociais de
governos anteriores. Não havia recomeço, porém tão somente a retomada
de algo dado. Mais precisamente ainda, a dita ascensão da nova
classe média foi o resultado de uma política voltada para o mercado,
consubstanciada no Plano Real, que emancipou milhões de indivíduos em
uma economia estabilizada. Neste sentido, foi o mercado, e não o Estado,
o verdadeiro redentor, salvo na acepção de que coube a este livrar o
país da inflação e introduzir uma verdadeira responsabilidade fiscal.
Havia,
porém, nesta política de cunho religioso/esquerdizante, um componente
de suposto esclarecimento, tendo como eixo central a ideia da ética na
política, de limpeza da esfera pública, em nome de uma outra moralidade.
Trava-se, na verdade, de uma exigência da sociedade por uma nova
política. A promessa messiânica, no entanto, não tinha nenhum
fundamento. Esvaiu-se em seus interesses escusos e, em um primeiro
momento, ocultos. A sociedade tomou tempo em esclarecer o engodo no qual
tinha acreditado. Foram penosos 13 anos que, agora, encontram o seu
término.
Interessante observar que a miopia ideológica que tomou
conta dos cidadãos deste país foi de tal grau que até o mensalão, germe
do petrolão e da ruína atual, não foi, naquele então, compreendido em
sua verdadeira dimensão. Já naquele momento havia elementos suficientes
para um impeachment, porém as condições políticas estavam ausentes. [a causa principal do não impeachment naquela oportunidade foi a indecisão tucana - melhor denominada a 'covardia tucana' capitaneada por FHC que optou pela cômoda posição de deixar Lula, o chefe da organização criminosa, morrer sangrando aos poucos o que, para infelicidade do Brasil, não ocorreu.
Ao contrário, o filho de 'satã' veio mais forte e produziu uma cria maldita.]
Mesmo
os tucanos tiveram um problema ideológico em dar início a um processo
deste tipo contra quem era considerado um “trabalhador”, na verdade um
sindicalista de profissão. Era a concepção de esquerda que, blindada, se
debatia com seus próprios fundamentos. A ética e a política foram
sacrificadas em nome de uma crença de esquerda então ainda vigente.
Curioso
também notar que, na votação do impeachment na Câmara dos Deputados, os
petistas e seus “intelectuais” de plantão se insurgiram contra um
suposto baixo nível dos deputados, que votaram em nome da família e de
Deus. Por que a indignação se até pouco tempo atrás os mesmos
deputados eram afagados e tratados com respeito? Porque teriam mudado de
posição e não mais obedeciam às ordens dos salvacionistas? Os
religiosos petistas pretendem posar como “esclarecidos”. É, no mínimo,
hipocrisia!
Como em um barco afundando, a visão salvacionista
começou a botar água por todos os lados. Os cidadãos começaram a acordar
de um longo pesadelo. Chegaram a lotar as ruas e caminhar por seus
próprios passos.
A Lava-Jato foi uma espécie de culminação deste
despertar, lançando as bases de um novo relacionamento dos cidadãos com a
coisa pública. Não sem razão, tornou-se um patrimônio nacional. O
seu próprio nome já sinaliza a lavagem que pretendia da corrupção e da
malversação dos recursos públicos, em uma triangulação entre
empreiteiros inescrupulosos, governo sem caráter e
funcionários/militantes a serviço partidário. Lavou a máscara petista da
suposta defesa da ética na política. A fachada do governo Dilma exibiu
um porão podre, fétido, cujo odor foi sentido pela sociedade em seu
conjunto.
A mensagem salvacionista ruiu. O Estado intervencionista
expôs toda a sua incompetência e falta de critérios e moralidade. O PIB
afundou em níveis inacreditáveis. Ninguém teria acreditado há alguns
anos atrás em tal competência para a destruição. Os pilares da
estabilidade econômica e social foram simplesmente abolidos. O demais
foi progressivamente desmoronando.
Ressalte-se, contudo, que,
neste seu estertor, a presidente Dilma, o ex-presidente Lula e o PT
ainda procuram manter o discurso salvacionista, voltado para os pobres e
oprimidos, como se não fossem eles os responsáveis de um desemprego
acima de dez milhões de pessoas, alcançando, em termos familiares, entre
40 e 50 milhões de indivíduos. Uma verdadeira catástrofe.
O
Estado intervencionista/salvacionista não precisa prestar contas a
ninguém, senão a si mesmo. A irresponsabilidade é a sua marca. A sua
consequência, o descalabro fiscal. Não deveria, pois, surpreender a
instauração de uma “contabilidade criativa” e a prática das “pedaladas
fiscais”. Os seus autores sofrem, apenas, os efeitos de sua própria
irresponsabilidade.
Detalhe: os mensageiros da ruína se autointitulam progressistas!
Por: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul