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segunda-feira, 27 de junho de 2016

Quando parar?

Exigir um término à Lava-Jato sem levar em conta as suas causas pode ser um contrassenso, na medida em que ela é efeito

O Brasil está sendo lavado a jato. Não há semana, senão dia, em que um novo evento não mostre as entranhas fétidas dos últimos governos petistas, não envolvendo apenas o partido da presidente afastada, mas, também, outros partidos que se locupletaram no assalto ao Tesouro nacional. 

Nesta última semana, foi a prisão do ex-ministro Paulo Bernardo e a busca e apreensão na sede nacional do PT em São Paulo, além do envolvimento de outros próceres e ministros do partido. Nas semanas anteriores, foi a cúpula mesma do PMDB e ministros recém-nomeados do governo Temer. A abrangência suprapartidária destas investigações e denúncias bem mostra que essas operações não estão a mando de partido nenhum, todos podendo ser igualmente atingidos. 

Note-se que esta última operação, denominada Custo Brasil — poderia ser igualmente chamada de Custo PT —, já não se origina na denominada por Lula “República de Curitiba”, mas em São Paulo, envolvendo, além da Polícia Federal, a Receita Federal.
Isto significa que estamos diante de uma efetiva nacionalização da Lava-Jato, espraiando-se por outros estados e seguindo um mesmo padrão de moralidade pública e de operacionalidade. Nada indica que essa operação, desdobrando-se em novos braços, esteja com data definida de término. 

A pergunta pelo término desta operação talvez seja uma questão mal formulada, embora possa ter um certo sentido. Mal formulada, porque ela nasce de uma exigência de moralidade pública e de luta contra a corrupção, liderada por setores do Judiciário, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Questão, porém, para alguns pertinente, pois para além do fato de toda operação deste tipo dever ter um término, ela pode talvez ter como consequência um enfraquecimento ainda maior do próprio sistema representativo. 

Ocorre que a deterioração do sistema representativo não é um efeito da Operação Lava-Jato, mas a sua causa. Partidos políticos, parlamentares, ministros de Estado e mesmo o ex-presidente Lula — e funcionários públicos e de estatais se aliaram a empresários inescrupulosos, notadamente de empreiteiras, porém não a eles restritos, para o saqueio da coisa pública. A República veio para eles significar cosa nostra. O Estado brasileiro estava sendo corroído por dentro, aparelhado ideologicamente e partidariamente, quando uma sociedade atuante, graças à sua imprensa e aos seus meios de comunicação, começa a denunciar e noticiar a ruína que estava se aproximando perigosamente.

A atuação de juízes, promotores e policiais federais inscreveu-se, precisamente, neste processo de resistência, procurando reverter a desestruturação completa da coisa pública. Desrespeito à Lei Orçamentária e à Lei de Responsabilidade Fiscal, queda abrupta do PIB, inflação em alta e desemprego galopante são consequências desta República em crise. 

Logo, exigir um término à Lava-Jato sem levar em conta as suas causas pode ser um contrassenso, na medida em que ela é efeito. O país deve, antes de tudo, criar condições e mecanismos que impeçam o desvirtuamento da atividade parlamentar e o aparelhamento do Poder Executivo. Ou seja, o Executivo e o Legislativo deveriam começar a tomar medidas políticas que atuem sobre as causas desta deterioração da coisa pública, tornando, neste sentido, desnecessária a própria Lava-Jato e os seus desdobramentos. Uma reforma política seria aqui prioritária.

Se não ocorrer, como tudo indica que não ocorrerá por atingir interesses incrustados nos partidos políticos, nada mais natural que as investigações em curso sigam o seu caminho. Em todo caso, os esquemas desvendados na Petrobras muito provavelmente existem em outras estatais. Outros ministérios continuam também a ser objeto de investigações. Se a faxina continua, é porque existe ainda muita sujeira a ser lavada. Alguns economistas, que deveriam, aliás, rasgar os seus diplomas, fazem o cálculo de quanto o país estaria perdendo economicamente com a Lava-Jato. Deveriam calcular o quanto o país perdeu com os governos petistas, com a corrupção e o desvio de recursos públicos. Parece que a miopia ideológica não permite tal cálculo. 

No que diz respeito a um eventual enfraquecimento do sistema representativo, cabe preliminarmente observar que a operação Lava-Jato e o seu imenso apoio na opinião pública mostram que determinadas instituições do Estado estão funcionando. A sociedade civil, por sua vez, tornou-se uma protagonista central neste processo de transformação política. De um lado, a representação partidária foi enfraquecida, de outro, certas instituições republicanas e a sociedade civil se fortaleceram. 

Contudo, há uma certa apreensão em relação ao fato de que, consoante com a operação Mãos Limpas na Itália, o enfraquecimento dos partidos políticos poderia levar a aventuras políticas, mediante a eleição de um(a) aventureiro(a) em 2018. O risco existe e é próprio de qualquer sistema eleitoral. A vontade popular pode também optar pelo pior. Já o fez, aliás!

Veja-se a situação na qual nos encontramos, tendo se tornado necessário o próprio impeachment da presidente da República, no pleno respeito à Constituição brasileira. O povo poder fazer péssimas escolhas. É da vida política. [Pelé já reconheceu e disse em alto e bom tom que o povo brasileiro não sabe votar - caso soubesse nunca coisas como Lula e Dilma seriam sequer vereador, quanto mais presidente da República.]
 
Ora, o que não se pode fazer é optar por frear a Lava-Jato e seus desdobramentos mediante novas leis que perpetuem o status quo político e partidário que está sendo, precisamente, submetido a um duro teste de moralidade pública. Não há indícios de que os partidos políticos estejam efetivamente aprendendo com essa nova cena pública brasileira. A iniciativa cabe precisamente ao novo governo e à representação parlamentar que, com novos exemplos, possam mostrar um novo caminho a ser percorrido, tornando-se a moralidade pública uma bandeira política nacional. 

Se isto vier a ocorrer, o término da Lava-Jato será uma consequência deste novo tratamento da coisa pública. Se tardar, ela tenderá a se perpetuar.


Fonte: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul

segunda-feira, 2 de maio de 2016

A ruína da redenção

A promessa messiânica não tinha fundamento. Esvaiu-se em interesses escusos e, em um primeiro momento, ocultos

Estamos no epílogo de um longo período de obscurantismo, que começou com uma promessa de esclarecimento. Desde o começo, o esclarecimento, porém, tinha um forte componente religioso, baseado na ideia de uma espécie de redenção nacional. A história estaria recomeçando a partir de um ponto zero, divisor de águas entre o antes e o depois. É como se os séculos do país devessem, doravante, ser contados de uma outra maneira.
Expressões típicas desta vocação religiosa são a “herança maldita” e “nunca dantes neste país”.

A primeira pôs especial relevo em que tudo o que existia anteriormente estaria marcado por um tipo de maldição indelével, fruto de pecados sucessivos, que eram, na verdade, crimes irremissíveis. Do ponto de vista do discurso político, era o resultado de uma visão de esquerda, segundo a qual o capitalismo, o lucro, a propriedade privada e o mercado deveriam ser conjurados e controlados severamente. Um Deus político de novo tipo deveria ser honrado, manifestando-se sob a forma de um Estado intervencionista.

O lucro era o pecado, o Estado a redenção. O passado era condenável, o futuro promissor. O seu instrumento o PT e um líder carismático com pretensões messiânicas. Um toque seu podia ungir uma candidata a presidente ou um candidato a prefeito. A segunda marcava, com fervor, o anúncio do amanhecer de um novo dia. As trevas fariam parte do passado, os tucanos seriam a sua caricatura e um recomeço estaria por vir. A certeza religiosa seria uma prova de sua revelação. Os “pobres” seriam resgatados, apresentando-se como os símbolos desta nova época.

Note-se, particularmente, que esse discurso não cessou de ser repetido, mesmo tratando-se, sob uma forma prosaica, da continuação, em maior escala, de programas sociais de governos anteriores. Não havia recomeço, porém tão somente a retomada de algo dado. Mais precisamente ainda, a dita ascensão da nova classe média foi o resultado de uma política voltada para o mercado, consubstanciada no Plano Real, que emancipou milhões de indivíduos em uma economia estabilizada. Neste sentido, foi o mercado, e não o Estado, o verdadeiro redentor, salvo na acepção de que coube a este livrar o país da inflação e introduzir uma verdadeira responsabilidade fiscal.

Havia, porém, nesta política de cunho religioso/esquerdizante, um componente de suposto esclarecimento, tendo como eixo central a ideia da ética na política, de limpeza da esfera pública, em nome de uma outra moralidade. Trava-se, na verdade, de uma exigência da sociedade por uma nova política.  A promessa messiânica, no entanto, não tinha nenhum fundamento. Esvaiu-se em seus interesses escusos e, em um primeiro momento, ocultos. A sociedade tomou tempo em esclarecer o engodo no qual tinha acreditado. Foram penosos 13 anos que, agora, encontram o seu término.

Interessante observar que a miopia ideológica que tomou conta dos cidadãos deste país foi de tal grau que até o mensalão, germe do petrolão e da ruína atual, não foi, naquele então, compreendido em sua verdadeira dimensão. Já naquele momento havia elementos suficientes para um impeachment, porém as condições políticas estavam ausentes. [a causa principal do não impeachment naquela oportunidade foi a indecisão tucana - melhor denominada a 'covardia tucana' capitaneada por FHC que optou pela cômoda posição de deixar Lula, o chefe da organização criminosa, morrer sangrando aos poucos o que, para infelicidade do Brasil, não ocorreu.
Ao contrário, o filho de 'satã' veio mais forte e produziu uma cria maldita.]
 
Mesmo os tucanos tiveram um problema ideológico em dar início a um processo deste tipo contra quem era considerado um “trabalhador”, na verdade um sindicalista de profissão. Era a concepção de esquerda que, blindada, se debatia com seus próprios fundamentos. A ética e a política foram sacrificadas em nome de uma crença de esquerda então ainda vigente.

Curioso também notar que, na votação do impeachment na Câmara dos Deputados, os petistas e seus “intelectuais” de plantão se insurgiram contra um suposto baixo nível dos deputados, que votaram em nome da família e de Deus.  Por que a indignação se até pouco tempo atrás os mesmos deputados eram afagados e tratados com respeito? Porque teriam mudado de posição e não mais obedeciam às ordens dos salvacionistas? Os religiosos petistas pretendem posar como “esclarecidos”. É, no mínimo, hipocrisia!
Como em um barco afundando, a visão salvacionista começou a botar água por todos os lados. Os cidadãos começaram a acordar de um longo pesadelo. Chegaram a lotar as ruas e caminhar por seus próprios passos.

A Lava-Jato foi uma espécie de culminação deste despertar, lançando as bases de um novo relacionamento dos cidadãos com a coisa pública. Não sem razão, tornou-se um patrimônio nacional. O seu próprio nome já sinaliza a lavagem que pretendia da corrupção e da malversação dos recursos públicos, em uma triangulação entre empreiteiros inescrupulosos, governo sem caráter e funcionários/militantes a serviço partidário. Lavou a máscara petista da suposta defesa da ética na política. A fachada do governo Dilma exibiu um porão podre, fétido, cujo odor foi sentido pela sociedade em seu conjunto.
A mensagem salvacionista ruiu. O Estado intervencionista expôs toda a sua incompetência e falta de critérios e moralidade. O PIB afundou em níveis inacreditáveis. Ninguém teria acreditado há alguns anos atrás em tal competência para a destruição. Os pilares da estabilidade econômica e social foram simplesmente abolidos. O demais foi progressivamente desmoronando.

Ressalte-se, contudo, que, neste seu estertor, a presidente Dilma, o ex-presidente Lula e o PT ainda procuram manter o discurso salvacionista, voltado para os pobres e oprimidos, como se não fossem eles os responsáveis de um desemprego acima de dez milhões de pessoas, alcançando, em termos familiares, entre 40 e 50 milhões de indivíduos. Uma verdadeira catástrofe.

O Estado intervencionista/salvacionista não precisa prestar contas a ninguém, senão a si mesmo. A irresponsabilidade é a sua marca. A sua consequência, o descalabro fiscal. Não deveria, pois, surpreender a instauração de uma “contabilidade criativa” e a prática das “pedaladas fiscais”. Os seus autores sofrem, apenas, os efeitos de sua própria irresponsabilidade.

Detalhe: os mensageiros da ruína se autointitulam progressistas!

Por: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul