A tigrada petista
deflagrou há alguns dias uma campanha para defender seu timoneiro, Luiz Inácio Lula da Silva, sobre quem pairam suspeitas espantosas para um homem que
assegura ser o mais honesto do Brasil. O slogan da campanha é “Lula, eu confio”, com o qual a
militância pretende dizer que é capaz até de pôr a mão no fogo pelo ex-presidente.
Isso é que é coragem. Afinal, não são
poucas nem superficiais as evidências de que Lula anda escondendo detalhes
– pois, como se diz, o diabo está nos
detalhes – de suas relações com os
maiores empreiteiros do Brasil.
Mas a militância pode ser irracional. E, nesse caso, não se pode
esperar dela nenhuma consideração pelos fatos, caso estes contrariem suas
certezas, nem pelas instituições, se estas insistirem em investigar seus
líderes. Que essa turma acredite, portanto, que Lula seja vítima de injustiça, como resultado da
mancomunação de “setores” do Judiciário, da Polícia Federal e da
imprensa, é perfeitamente compreensível. O que não é
compreensível – nem tolerável – é que a
presidente da República, Dilma Rousseff, tenha despido a indumentária institucional, que exige respeito aos demais Poderes, e
vestido a fantasia da militante, para dizer que Lula é “objeto de grande injustiça”.
Ora, quem Dilma julga ser para antecipar-se às
investigações a respeito de Lula – e
a um eventual julgamento do ex-presidente pela corte apropriada – e declarar que o líder petista está sendo
injustiçado? De que informações Dilma dispõe para sugerir que o trabalho
das autoridades judiciárias sobre seu padrinho já produziu “grande injustiça”, nesta etapa em que apenas indícios estão sendo
colhidos e nenhuma acusação formal foi feita? Que dirá Dilma, então, se e quando Lula for formalmente acusado? Cometerá a imprudência de declarar que se trata de um
processo “político”, tal como os petistas qualificaram o julgamento da quadrilha
do mensalão?
Quando se
elegeu presidente, Dilma jurou respeitar
e fazer respeitar a Constituição, e nela está
expressamente escrito que ninguém está acima da lei. Pois os petistas, Dilma à frente, parecem
considerar que Lula está tão acima da lei que nem sequer deve ser investigado,
seja lá por que motivo for, porque, afinal, conforme as palavras da presidente,
“o país, a América Latina e o mundo
precisam de uma liderança com as características do presidente Lula”.
Dilma se pronunciou dessa forma,
deixando de lado a cautela que seu cargo exige, depois de ter sido cobrada por
Lula, que esperava ser defendido pela sua criatura de um modo mais enfático. Ordem dada, ordem cumprida. A
presidente poderia ter dito simplesmente que, assim como o resto do país,
espera que tudo se esclareça no prazo mais breve possível. Essa teria sido a
atitude correta. Mas Dilma preferiu o caminho da ilação irresponsável para
defender seu guia.
Provavelmente por determinação de
Dilma, o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, foi na mesma linha
inconsequente. “Como pessoa que conhece o
presidente Lula há muito tempo, eu sempre o tive como um grande líder, eu
sempre o tive como uma pessoa que se comporta com absoluta lisura”, disse
Cardozo, ao comentar as investigações. Assim, para o ministro sob cuja pasta
atua a Polícia Federal, a “absoluta
lisura” de Lula deveria descartar liminarmente
qualquer suspeita a respeito do líder petista.
O barulho
em torno do caso, sugeriu Cardozo, se deve apenas ao fato de que “muitos setores da oposição” estão
interessados em “criar situações que
atinjam a imagem de uma pessoa que foi um presidente indiscutivelmente
aplaudido durante todo o período de sua gestão pelas substantivas melhoras e
mudanças que empreendeu no país”. Para o ministro, portanto, Lula é na
verdade vítima de forças perversas, que não se conformam com sua popularidade.
Que os militantes
petistas queimem a mão por colocá-la no fogo por Lula é problema apenas deles; que Dilma e seus ministros se chamusquem para defender o ex-presidente,
ignorando seu papel como funcionários a serviço do
Estado, é problema de todo o
país.
Editorial
do Estadão