Ministro resolve alimentar o choque entre Poderes e declara sem efeito votação na Câmara do pacote anticorrupção; argumentos são bisonhos
[Fux decide ser bedel de deputado.]
O ministro Luiz Fux, do Supremo, fez uma
barbaridade de tal vulto que, se endossada por seus pares, torna
simplesmente sem efeito a Lei da Ficha Limpa, entre outras coisas. Não
que a dita-cuja seja um exemplo técnico a ser seguido, claro… A ação do
ministro não é deletéria só por isso. O doutor decidiu, agora, ser bedel
de deputado. Pior: ancora sua posição em leis ou regulamentos
inexistentes. Mais grave ainda: abre um novo capítulo da guerra entre o
Poder Judiciário e o Poder Legislativo. Estamos diante de algo inédito.
O que fez o doutor? Vamos lá.
Concedeu liminar numa ação impetrada pelo
deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) tornando sem efeito a votação do
tal pacote anticorrupção na Câmara. Isto mesmo. Segundo Fux, nada do que
os deputados votaram tem validade. Ele quer que tudo volte à estaca
zero. Talvez alguns ingênuos comemorem. Será a comemoração do choque entre Poderes. Como se sabe, as propostas feitas pelo
Ministério Público, transformadas em emenda de iniciativa popular, foram
substancialmente mudadas pelos deputados. Nem vou agora entrar no
mérito. Pode-se gostar ou não delas, mas se trata de uma das Casas do
Legislativo exercendo as suas prerrogativas.
Em que se ancorou Fux para dar a sua
liminar? Afirmou que o Supremo já considerou inconstitucional a inclusão
em Medida Provisória de matéria estranha ao objeto da dita-cuja. É
verdade! Ocorre que Medida Provisória, cujos efeitos são imediatos, é
coisa distinta de projeto de lei. E o que seria matéria estranha ao
projeto, segundo o ministro? Ele responde: o “título que dispõe sobre
crimes de abuso de autoridade de magistrados e membros do Ministério
Público, além de dispor sobre a responsabilidade de quem ajuíza ação
civil pública com (…) manifesta intenção de promoção pessoal ou visando
perseguição política”.
Como sempre, lá está o tema da guerra do
Judiciário contra o Legislativo. Até aqui, o ministro já foi longe no
absurdo, mas ainda não escancarou a loucura. Ele disse também ser sem efeito a
prática de deputados adotarem como sua a emenda de iniciativa popular.
Ora, recorre-se a esse instrumento para tornar viável a tramitação do
texto. Do contrário, seria preciso verificar, por exemplo, a veracidade
de todas as assinaturas.
Não foi, assim, então, com a Lei da Ficha
Limpa? Também ela era de “iniciativa popular”. Também ela foi adotada
por parlamentares. Também ela foi emendada. Aliás, se formos ser rigorosos, nem a
Ficha Limpa nem o Pacote Anticorrupção tiveram origem no povo. O
primeiro surgiu de um movimento liderado pelo advogado Márlon Reis, e o
segundo nasceu no Ministério Público Federal. Nos dois casos, os
signatários foram usados, vamos dizer, como “laranjas do bem”.
O que pretende Fux? Que um projeto dito
de iniciativa popular não possa nem ser emendado? Ou é aprovado ou é
rejeitado na íntegra? Evidentemente, a Mesa da Câmara entrará
com um agravo regimental contra a decisão de Fux, que deve ser derrubada
pelos demais ministros. Se endossada, aí bastará um dos punidos pela
Lei da Ficha Limpa recorrer ao Supremo para tornar sem efeito não
aspectos do texto, mas ele inteiro. Não custa lembrar que políticos eleitos já perderam o mandato em razão de tal lei. E aí? Acontece o quê?
Estamos fritos!
Olhem, meus caros, estamos fritos. As coisas caminham por terrenos muito perigosos. O baguncismo está chegando também ao Supremo. Daqui a pouco, vou falar de Marco Aurélio…
Olhem, meus caros, estamos fritos. As coisas caminham por terrenos muito perigosos. O baguncismo está chegando também ao Supremo. Daqui a pouco, vou falar de Marco Aurélio…
De resto, digamos que o projeto fosse
aprovado como está e sancionado pelo presidente, tornando-se lei.
Havendo lá aspectos de constitucionalidade duvidosa, aí, sim,
recorrer-se-ia, então, ao Supremo com uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade, por exemplo.
Rodrigo Maia reagiu com correção: “Isso
significa que, se o ministro Fux tiver razão, a Lei da Ficha Limpa não
tem valor, não vale mais. A assessoria da Câmara está analisando, mas,
infelizmente, me parece uma intromissão indevida do Poder Judiciário na
Câmara dos Deputados”.
Indevida e escandalosa.
Texto publicado originalmente às 23h desta quarta no Blog do Reinaldo Azevedo - VEJA
Maia tem de ignorar Fux e votar projeto que impeça tais abusos - Não tenho dúvida de que o Supremo vai derrubar o liminar de Fux, tão ruins são seus motivos. Pior: nem ele esconde que atende a pleito dos magistrados e MP
É claro que as coisas passaram de
qualquer limite razoável. O que deve fazer Rodrigo Maia (DEM-RJ),
presidente da Câmara, diante da liminar destrambelhada concedida por
Luiz Fux, que simplesmente decidiu tornar sem efeito uma votação havida
na Câmara, ancorado no mais puro achismo? Minha resposta: nada! Deve
recorrer da decisão e não tomar providência nenhuma. Não será um caso
tão espetaculoso como o de Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do
Senado, cuja função na Mesa fora cassada por liminar igualmente ilegal
de Marco Aurélio.
Notem: acho que Maia não deve fazer nada
quanto a organizar uma nova votação, mas deve, sim, reagir. E a melhor
maneira de fazê-lo é costurar desde já um projeto de lei que estabeleça
que decisão tomada pelos respectivos plenários da Câmara e do Senado ou
pelas Mesas Diretoras não pode ser suspensa por liminar monocrática,
concedida por um só ministro. Sempre que se estiver contestando coisa
votada ou decisão da Mesa Diretora, a apreciação deve ser feita pelos 11
ministros.
Certamente estaríamos diante de um avanço
institucional. Acho saudável que a idiossincrasia de um só ministro não
conduza a um indesejado choque de Poderes. O que está em curso no país é
uma depredação da institucionalidade como nunca antes se viu.
Não tenho dúvida de que o Plenário do
Supremo vai derrubar o liminar de Luiz Fux, tão ruins são seus motivos.
Pior: resta mais do que evidente que a sua liminar, e nem ele esconde,
atende ao pleito dos magistrados e do Ministério Público, o que levou
Gilmar Mendes a uma ironia em declaração à Folha: “Ele deveria fechar o
Congresso e entregar a chave à Lava Jato”.
Reitero: acho que há aspectos de
constitucionalidade duvidosa no trecho do pacote de medidas contra a
corrupção que trata do crime de responsabilidade. O texto é vago demais.
Se aprovado e sancionado como está, é provável que o Supremo aponte a
inconstitucionalidade de trechos ao menos. Mas essa é uma decisão para
ser tomada mais tarde, numa Ação Direta de Inconstitucionalidade, por
exemplo.
O que Fux fez é inédito. Ele inventou que
um projeto de iniciativa popular não pode ser adotado por parlamentares —
é a única forma possível de fazê-lo tramitar — ou não pode ser
emendado. Mais: empregou na análise de emendas a projeto de lei uma
votação do Supremo que diz respeito a Medida Provisória.
Quando Renan Calheiros se negou a acatar
uma liminar ilegal de Marco Aurélio, alguns disseram: “Isso é como
jogador que se nega a sair do campo quando é expulso pelo juiz”. A
metáfora está errada. Se esses dois ministros fossem juízes de futebol,
em vez de aplicar punições previstas nas regras, eles mandariam os
faltosos pagar 50 flexões… O juiz pode fazer isso? Não! E se o fizer?
Será ele o punido, não aqueles que resistiram a uma decisão ilegal.
Fica a minha sugestão: ignorar a decisão monocrática e votar um projeto disciplinando a farra das liminares.
Texto publicado originalmente às 4h42 - Blog do Reinaldo Azevedo