Diethild Heubel, 83 anos, pega um valioso documento em sua gaveta:
uma velha carta amarelada escrita por seu pai, um soldado alemão
capturado ao fim da Segunda Guerra Mundial. “Foi seu último sinal de vida, a última vez que escreveu para nós”,
diz a senhora em seu apartamento em Nördlingen, na Baviera, no sul da
Alemanha.
Diethild Heubel mostra álbum de fotos da família em 6 de abril de 2018, na cidade alemã de Nördlingen. - AFP
Seu pai, Gerhard Stürzebecher, foi soldado do Exército alemão durante
o Terceiro Reich. Em 1945, foi enviado a um campo de prisioneiros
controlado pela União Soviética na Áustria. Diethild Heubel tinha 10
anos de idade. Sua mãe e ela nunca mais ouviram falar dele. “Éramos refugiadas, havíamos perdido tudo, mas o pior é que nunca
soubemos o que aconteceu”, lamenta, sem tirar os olhos de uma foto dela
quando criança, sentada no colo do pai, com um sorriso no rosto. “Continuo pensando nele todos os dias. Ele era professor, não gostava
da guerra e, ainda assim, teve que lutar nas duas guerras mundiais”,
lamenta. “Não saber como ele morreu ou onde foi enterrado… É difícil”.
1,3 milhão de enigma
Muitos alemães ainda procura membros da família, militares ou civis
desaparecidos desde 1945. Seus requerimentos chegam ao serviço de busca
da Cruz Vermelha alemã em Munique, criado no final da Segunda Guerra
Mundial para encontrar 20 milhões de desaparecidos. “No início, o número de casos elucidados era muito alto, mas existem
cerca de 1,3 milhão de destinos que provavelmente nunca conheceremos”,
diz o diretor do serviço, Thomas Huber, de 59 anos.
Para tentar resolver esses enigmas, seu escritório estuda arquivos alemães, soviéticos e da ex-RDA. “É especialmente difícil encontrar soldados mortos nos campos
soviéticos, principalmente porque seus nomes ou datas de nascimentos
estavam errados”, diz Christoph Raneberg, que dirige o serviço de buscas
em Munique.
Cerca de três milhões de alemães foram capturados pelo Exército
Vermelho durante a guerra. As autoridades soviéticas sempre afirmaram
que quase 10% deles morreram nos gulags, enquanto a Alemanha considera
que, de fato, um milhão de pessoas morreram em detenção.
Os últimos sobreviventes conseguiram voltar para casa em meados dos anos 50, após a morte de Joseph Stalin.
Quase 75 anos depois do fim da guerra, os arquivistas ainda recebem
9.000 solicitações a cada ano, “principalmente de netos interessados
pela história de sua família”, indica Thomas Huber.
Cerca de metade dos casos são resolvidos. Às vezes, de maneira
extraordinária, como em 2010, quando dois irmãos separados em 1945 se
reencontraram: um morava na Alemanha Oriental; o outro, na Alemanha
Ocidental.
“Casos relacionados a crianças perdidas ou separadas ao nascer são
sempre espetaculares, mas para nós, cada caso é importante”, diz Huber.
– A esperança de que um dia… –
Stephan Haidinger, de 40 anos, decidiu seguir o rastro de seu avô no
ano passado. “Eu tive um câncer e durante o tratamento pensei muito
sobre meus ancestrais, percebi que me doía não ter conhecido meu avô”,
lembra-se este morador de Glonn, cidade da Baviera.
“Nós só sabíamos que ele havia sido preso no final da guerra e
mandado para um campo, mas não sabíamos por que, já que ele não era um
soldado”.
A Cruz Vermelha mal levou quatro semanas para encontrar respostas.
“Eu soube que ele tinha sido denunciado como o líder de um grupo do
NSDAP (o partido de Adolf Hitler) em Berlim e que tinha morrido em um
campo de concentração em 1946. Foi um choque, mas fiquei aliviado por
ter conseguido uma resposta”, diz Stephan Haidinger.
Agora ele sabe que seu avô foi enterrado em uma vala comum no norte
da Alemanha, que ele planeja visitar. Será “um pouco como conhecê-lo
pela primeira vez”, antecipa.
Mas com o passar do tempo e a morte de testemunhas, a Cruz Vermelha e o governo alemão decidiram encerrar suas buscas em 2023.
“Temos todos os arquivos existentes, não encontraremos novas fontes
de informação”, diz Huber, que promete não poupar esforços nos cinco
anos restantes. Diethild Heubel guardou toda a sua correspondência com o serviço da
Cruz Vermelha, confirmando que a investigação de seu pai não deu
resultado.
Mas a senhora se recusa a desistir. “Eu não posso (…) virar a página. Vou continuar procurando até eu morrer”.
AFP