Monica de Bolle
Os nazistas eram vistos como fadados à falência política até a economia deslanchar
“Despreparados” era como parte da população, em especial os
industrialistas, se referia aos nazistas em 1933 quando Hitler foi
nomeado chanceler. Como não tinha o partido qualquer proposta econômica
que articulasse uma agenda de medidas para resolver os problemas da
Alemanha em meio aos diversos entraves internos e à Grande Depressão, a
“visão convencional” era a de que os nazistas não seriam capazes de se
manter no poder. As críticas de Hitler ao capitalismo, centradas em seus
excessos e no suposto domínio do sistema por forças estrangeiras, não
formavam uma base coesa a partir da qual se pudesse elaborar políticas
econômicas para a Alemanha no período entre guerras.
Foi assim que muitos sucumbiram facilmente à ideia de que mais cedo ou
mais tarde os nazistas perderiam o apoio daqueles que haviam sido
responsáveis por sua ascensão. A economia, entretanto, haveria de
crescer 10,5% entre 1933 e 1935, o que acabou por consolidar as bases
políticas do nazismo, formadas por camadas diversas da população,
notavelmente os industrialistas e detentores do poder econômico, antes
árduos críticos de Hitler. Por que escrevo sobre o nazismo? Porque a Alemanha nazista foi o exemplo
mais extremo do nacionalismo econômico posto em prática. Como já
comentei, estou escrevendo um livro sobre esse tema. Parte do livro
trata de uma metodologia para “medir” o grau, ou a intensidade, de
motivações nacionalistas nas diversas esferas da política econômica — da
política macroeconômica à política comercial, da política industrial ao
tratamento conferido aos investidores estrangeiros. Para medir a
intensidade do nacionalismo pontuações de 1 a 5 foram estabelecidas, em
que 5 é o grau mais extremo possível — as referências históricas para
elaborar a pontuação mais alta da escala são a Itália de Mussolini e a
Alemanha nazista.
A recuperação econômica entre 1933 e 1935 conferiu a Hitler a
legitimidade e o poder de que necessitava para levar a cabo seus planos.
Planos que resultaram em crimes hediondos contra a humanidade para não
falar da completa destruição das instituições democráticas da Alemanha. Diante dos horrores inomináveis do nazismo, é espantoso o sucesso
econômico do regime antes da guerra. Após a consolidação do poder de
Hitler, a Alemanha cresceu quase 13% entre 1936 e 1939, a fase áurea do
Terceiro Reich. A inflação foi de apenas 1,8%, e o desemprego caiu de
44% no início dos anos 1930 para 1% às vésperas da Segunda Guerra
Mundial. O triunfo do nazismo na economia se deu pelo nacionalismo mais
extremista e escancarado. Não é exagero dizer que todas as esferas
econômicas eram de alguma forma controladas pelo Estado, ainda que os
industrialistas e os “mercados” de então fossem agentes privados.
Agentes privados cooptados pelo Estado, dado o sucesso incomparável das
medidas de cunho nacionalista.
O nazismo se escorou na expansão fiscal, nos controles cambiais, na
eliminação das práticas de livre-comércio e na cartelização da economia
para promover o crescimento. A cartelização foi muito bem recebida pelas
grandes empresas industriais ao lhes conferir vultosas margens de
lucro. Tais margens de lucro foram ainda beneficiadas pela total
eliminação dos movimentos trabalhistas e dos sindicatos.
A marca do nazismo na economia — assim como do nacionalismo totalitário
de Mussolini — foi a capacidade de reprimir salários e de instituir
reduções dos rendimentos nominais. Por essas razões, pôde a economia
crescer a taxas exorbitantes com inflação ineditamente baixa, a despeito
dos excessos fiscais — entre 1932 e 1938, o déficit público aumentou de
1,1% do PIB para 7,9%. O resultado da compressão salarial foi uma forte
redução do consumo como proporção do PIB e uma alta expressiva do
investimento, tanto público quanto privado — as empresas, afinal,
estavam esbanjando recursos com a opressão dos trabalhadores e a
tolerância do regime com a concentração do mercado.
Para quem ainda confunde nazismo com socialismo, ou com comunismo, ou
com políticas ditas “de esquerda”, é importante sublinhar que a
compressão salarial na Alemanha nazista foi única. Até hoje, nenhum país
foi capaz de replicá-la. Quando deslanchou, olhos se fecharam e relativizações do totalitarismo
em curso viraram regra. O nazismo não é o único exemplo de erro
histórico cometido por aqueles que optaram por separar a economia do
restante do governo devido à contradição em termos de uma moral privada
dos mercados. É, entretanto, o exemplo mais assustador de como o
despreparo se transforma em absoluto horror com a conivência daqueles
que detêm o poder econômico.
Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior
do Peterson Institute for International Economics e professora da
Universidade Johns Hopkins - Coluna em Época