Impunidade para parlamentares
Se entrar em vigor ainda por cima o juiz de garantias, aí a vida dos parlamentares envolvidos em atos criminosos ficará facilitada. O juiz da investigação, ou juiz penal, não poderá determinar busca e apreensão, por exemplo, para embasar a denúncia, e o juiz de instrução e julgamento receberá um processo sem todas as informações que poderiam apoiar uma decisão mais acurada.Como não acompanhou a investigação, o juiz de condenação poderá entender que não há base nas acusações, pois as investigações necessárias foram restringidas pela nova emenda constitucional que se negocia nos desvãos da Câmara.
No momento, o foro de prerrogativa de função, mais conhecido como foro privilegiado, atinge cerca de 50 mil servidores públicos, mas apenas os deputados e senadores estão potencialmente atingidos por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que definiu que eles só poderão ser julgados pelo Supremo caso o crime tenha sido cometido durante o mandato, e em decorrência dele. Caso contrário, seus processos vão para a primeira instância. O fato de apenas os parlamentares terem sido atingidos pela decisão do STF provocou uma reação no Congresso, que aprovou o fim do foro privilegiado para todos, com exceção dos presidentes dos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e do vice-presidente da República.
A proposta do senador Álvaro Dias foi aprovada no Senado e enviada para a Câmara, que a engavetou. No momento, portanto, não há definição sobre o foro dos parlamentares, pois a medida não foi regulamentada e a definição sobre a competência do julgamento dependerá de decisão caso a caso do Supremo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está disposto a colocar em votação a proposta ainda este ano, que deverá receber esse adendo que está sendo costurado, para restringir ainda mais as investigações sobre os crimes comuns que deputados e senadores eventualmente estiverem envolvidos.
Já há, no entanto, resistência na própria Câmara, apesar do pretexto oficial de que juízes de primeira instância podem atuar com intenções políticas, a favor de grupos contrários ao parlamentar acusado. Como se a possibilidade de uma atuação parcial de um juiz acontecesse apenas com políticos, e não atingisse outras profissões igualmente expostas a disputas políticas ou pessoais. O fato é que, do jeito que a coisa vai, os parlamentares estarão blindados na primeira instância, com a possibilidade de recorrer a todos os recursos possíveis até o trânsito em julgado, e não poderão ser investigados como o comum dos mortais, pois o juiz de primeira instância estará com as mãos atadas caso esse adendo à PEC do fim do foro privilegiado seja aprovado. Os deputados e senadores continuarão sendo privilegiados.
Cada passo do processo conduz a uma bifurcação levando a um recurso que mais adiante vira dois e para um criminoso endinheirado ou um político criminoso ser realmente preso seria necessário que DEUS concedesse a eles a vida eterna -= só assim, seriam julgados pela Justiça humana tão boicotada pela combinação LEGISLATIVO x JUDICIÁRIO.]
Merval Pereira, colunista - O Globo