O convite de retorno às origens inclui a ideia de levar os petistas a batalharem por doações individuais de dinheiro, a fim de “resolver parte dos problemas” do partido e – pelo que se depreende das intenções contidas na Carta de Salvador, principal documento do congresso – providenciar uma inflexão à esquerda. O que seria isso? Uma readaptação da política de alianças, deixando agora de lado partidos do centro à direita com os quais o PT se aliou para governar. Muito bem. Mas não foi a direção do Partido dos Trabalhadores que em 2002 resolveu adernar ao centro-direita justamente com a meta de parar de perder eleições?
Mais: uma vez no poder, aliou-se ao que de mais conservador existia sob argumento de que não havia outra maneira de governar. Nada contra, uma escolha ditada pelas circunstâncias. É de se conferir, no entanto, o que acha disso a militância que na época não foi consultada a respeito. Outro problema: se o PT optou por um caminho para ganhar, como espera vencer voltando à trilha que o levou à derrota por três eleições?
Pode-se argumentar que os tempos são outros. Perfeito. Mas a mudança foi para todos. Lula também mudou. E a percepção que se tem dele também. Hoje já não conta com a aura do mito intocável. É um político investigado por suspeita de praticar tráfico de influência em favor da construtora Norberto Odebrecht. Contra ele existem outras questões, a respeito das quais deve explicações não esclarecidas. Por exemplo, as doações daquela empreiteira ao Instituto Lula (a título de quê?) e uma reunião com Paulo Roberto Costa – corrupto confesso – em 2006 no Palácio do Planalto para falar sobre Petrobrás. Assim constava na agenda oficial.
Com esse passivo – ao qual se pode acrescentar o apartamento triplex do Guarujá construído com dinheiro da cooperativa dos bancários, as viagens mundo afora financiadas por empreiteiras, hospedagens em hotéis de luxo pagas sabe-se lá por quem – fica bastante mais complicada a manutenção da simbologia do operário com identificação plena na camada do Brasil proletário. Essas e outras perguntas até então não haviam sido feitas a Lula em campanhas presidenciais. Mas, em 2018, certamente serão postas e precisarão ser respondidas por ele se porventura vier a se candidatar.
Nessa hipótese, será uma reconciliação de construção difícil. Lula era o operário que havia sido aceito no paraíso. Uma vez lá, abusou, foi malvisto e por isso ensaia uma volta aos seus. Estes, por sua vez, agora têm o direito de desconfiar dessa nova carta de intenções.
Fonte:
Dora Kramer –
O Estado de São Paulo