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terça-feira, 16 de junho de 2015

Infiel à origem



O ex-presidente Luiz Inácio da Silva falou ao PT, no 5.º Congresso, como se os fatos e os atos pudessem ser apagados por gestos de vontade ou por simples obra da conveniência. Na sexta-feira, em Salvador, Lula citou a campanha eleitoral de 1989 para lembrar aquele tempo em que “a gente vendia camiseta e adesivo de carro”. O intuito da recordação era o de incentivar os militantes a passear no passado, quando o PT, segundo ele, era vivido “com mais intensidade que hoje”.

O convite de retorno às origens inclui a ideia de levar os petistas a batalharem por doações individuais de dinheiro, a fim de “resolver parte dos problemas” do partido e – pelo que se depreende das intenções contidas na Carta de Salvador, principal documento do congresso – providenciar uma inflexão à esquerda.  O que seria isso? Uma readaptação da política de alianças, deixando agora de lado partidos do centro à direita com os quais o PT se aliou para governar. Muito bem. Mas não foi a direção do Partido dos Trabalhadores que em 2002 resolveu adernar ao centro-direita justamente com a meta de parar de perder eleições? 

Mais: uma vez no poder, aliou-se ao que de mais conservador existia sob argumento de que não havia outra maneira de governar. Nada contra, uma escolha ditada pelas circunstâncias. É de se conferir, no entanto, o que acha disso a militância que na época não foi consultada a respeito.  Outro problema: se o PT optou por um caminho para ganhar, como espera vencer voltando à trilha que o levou à derrota por três eleições? 

Pode-se argumentar que os tempos são outros. Perfeito. Mas a mudança foi para todos. Lula também mudou. E a percepção que se tem dele também. Hoje já não conta com a aura do mito intocável. É um político investigado por suspeita de praticar tráfico de influência em favor da construtora Norberto Odebrecht.  Contra ele existem outras questões, a respeito das quais deve explicações não esclarecidas. Por exemplo, as doações daquela empreiteira ao Instituto Lula (a título de quê?) e uma reunião com Paulo Roberto Costa – corrupto confessoem 2006 no Palácio do Planalto para falar sobre Petrobrás. Assim constava na agenda oficial. 

Com esse passivoao qual se pode acrescentar o apartamento triplex do Guarujá construído com dinheiro da cooperativa dos bancários, as viagens mundo afora financiadas por empreiteiras, hospedagens em hotéis de luxo pagas sabe-se lá por quem – fica bastante mais complicada a manutenção da simbologia do operário com identificação plena na camada do Brasil proletário. Essas e outras perguntas até então não haviam sido feitas a Lula em campanhas presidenciais. Mas, em 2018, certamente serão postas e precisarão ser respondidas por ele se porventura vier a se candidatar.
Nessa hipótese, será uma reconciliação de construção difícil. Lula era o operário que havia sido aceito no paraíso. Uma vez lá, abusou, foi malvisto e por isso ensaia uma volta aos seus. Estes, por sua vez, agora têm o direito de desconfiar dessa nova carta de intenções. 

Fonte: Dora Kramer – O Estado de São Paulo


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