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sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Terra em fogo, país em transe - Míriam Leitão

O Globo

[o presidente francês deveria usar melhor seu tempo e cuidar dos problemas franceses, o que inclui, sem limitar, os coletes amarelos.
Ás grandes potências, os donos do G7, interessa impedir que o Brasil se torne o primeiro produtor mundial de alimentos - é o terceiro e caminha a passos largos para a segunda posição, rumo à primeira.]

Se o presidente Jair Bolsonaro quiser encher o país de mentiras sobre o desmatamento ele pode atingir seu objetivo que é confundir parte da opinião pública interna, mas isso não muda dois fatos. Primeiro, o Brasil está perdendo parte do nosso precioso patrimônio natural por culpa da sua administração e a perda é irreversível. Segundo, o mundo está vendo as imagens e está ouvindo as declarações do presidente que tem uma visão obsoleta sobre o meio ambiente e a organização da sociedade.

Bolsonaro pensa que se trocar os embaixadores vai conseguir mudar sua imagem no exterior. Impossível. O mundo de hoje é interconectado, as imagens se espalham instantaneamente, as declarações insanas que ele tem feito são reproduzidas pelos principais jornais e maiores televisões do mundo, os satélites mandam suas imagens para todos os centros de pesquisa. Bolsonaro trava a guerra contra a verdade com seu exército de perfis, muitos falsos, mas tudo o que conseguirá é falar para os seus seguidores, aumentar o conflito do país, criar barreiras aos nossos produtos, tornar o Brasil um país pária.

Na Amazônia se trava uma luta há muito tempo. O crime age em rede e a lei só vence quando também age em rede. Há um padrão. Os grileiros invadem áreas públicas e protegidas e tiram as árvores mais lucrativas, passam o correntão no resto e colocam fogo para depois, sobre as cinzas, consolidar o roubo da terra coletiva. No outro lado, os casos de sucesso acontecem quando o estado une suas forças, conecta-se com entidades científicas, a sociedade organizada, e combate o crime.

O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) explicou em nota técnica as características dos incêndios este ano. Quando se compara 2019 com a média dos três anos anteriores, há menos dias secos, mas mais focos de incêndio atualmente. “A ocorrência de incêndios em maior número, neste ano de estiagem mais suave, indica que o desmatamento é um fator de impulsionamento às chamas.” Essa hipótese foi testada pelo instituto e a prova é que “os dez municípios amazônicos que mais registraram focos de incêndio foram também os que tiveram maiores taxas de desmatamento”.

O fogo aumentou porque a destruição da floresta subiu e isso aconteceu porque todos os sinais passados pelo governo Bolsonaro, mesmo antes da posse, foram de estímulo ao desmatamento. O que precisa ser entendido, segundo os técnicos do Ipam, é que os incêndios, além da destruição do meio ambiente, afetam a saúde humana e aumentam os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) e fazem crescer a mortalidade de brasileiros. E se o tema for negócio, o problema também é grande. Gabriel Petrus, diretor-executivo da Câmara Internacional de Comércio no Brasil (ICC, na sigla em inglês), diz que ao levar o assunto ao G7, o presidente francês, Emmanuel Macron, invocou o conceito de “emergência climática”, comparável a forma como a comunidade internacional reage a crises humanitárias.

Esse movimento do Macron é um paralelo à forma como a comunidade internacional reage a crimes contra a humanidade, crimes que ferem o patrimônio mundial, valores da humanidade. Escalar isso ao G7 é muito simbólico, que é um grupo que tem uma força grande e pode levar a sanções ou recomendações fortes contra o que tem acontecido no Brasil —afirmou.

Para o bem e para o mal somos grandes no meio ambiente. Esse é o ponto no qual o país se destaca. Dono de 35% da maior floresta tropical do planeta, e com a maior biodiversidade, em terra e em água doce, do mundo, não podemos ser ignorados quando se discute clima e florestas. Isso é plataforma que lança o país como potência ambiental ou que destrói a reputação do país. [a Amazônia não é propriedade única do Brasil, situação que o tornaria responsável por tudo de errado que por lá aconteça;
outros países dividem com o Brasil a propriedade da Amazônia.
O Brasil tem uma área não desmatada superior aos 60% do seu território, enquanto a Europa tem pouco mais de 40% - isto, porque alguns países europeus estendem seus tentáculos destruidores do meio ambiente para outros continentes; a Noruega caça baleia no Ártico e lá também explora petróleo e causou um desastre imenso ambiental imenso no Pará.]

Se o governo quiser ignorar o mundo, desprezar a reunião do G7, o alerta do secretário-geral da ONU, os incêndios da Amazônia como trending tópics no Twitter, as manifestações em frente a embaixadas do Brasil, ainda assim o desastre do país continuará sendo imenso. Porque, na verdade, é nossa a maior derrota. O principal fracasso não será a barreira ao agronegócio, ou a visão negativa sobre o país. É mais terrível que isso. Estamos perdendo o que é nosso, e não poderemos refazer. Fracassaremos em passar para os futuros brasileiros o que recebemos. Estamos queimando nossa herança.
 
Míriam Leitão, jornalista - Com Alvaro Gribel, de São Paulo