O Globo
[o presidente francês deveria usar melhor seu tempo e cuidar dos problemas franceses, o que inclui, sem limitar, os coletes amarelos.
Ás grandes potências, os donos do G7, interessa impedir que o Brasil se torne o primeiro produtor mundial de alimentos - é o terceiro e caminha a passos largos para a segunda posição, rumo à primeira.]
Se o presidente Jair Bolsonaro quiser encher o país de mentiras sobre o
desmatamento ele pode atingir seu objetivo que é confundir parte da
opinião pública interna, mas isso não muda dois fatos. Primeiro, o
Brasil está perdendo parte do nosso precioso patrimônio natural por
culpa da sua administração e a perda é irreversível. Segundo, o mundo
está vendo as imagens e está ouvindo as declarações do presidente que
tem uma visão obsoleta sobre o meio ambiente e a organização da
sociedade.
Bolsonaro pensa que se trocar os embaixadores vai conseguir mudar sua
imagem no exterior. Impossível. O mundo de hoje é interconectado, as
imagens se espalham instantaneamente, as declarações insanas que ele tem
feito são reproduzidas pelos principais jornais e maiores televisões do
mundo, os satélites mandam suas imagens para todos os centros de
pesquisa. Bolsonaro trava a guerra contra a verdade com seu exército de
perfis, muitos falsos, mas tudo o que conseguirá é falar para os seus
seguidores, aumentar o conflito do país, criar barreiras aos nossos
produtos, tornar o Brasil um país pária.
Na Amazônia se trava uma luta há muito tempo. O crime age em rede e a
lei só vence quando também age em rede. Há um padrão. Os grileiros
invadem áreas públicas e protegidas e tiram as árvores mais lucrativas,
passam o correntão no resto e colocam fogo para depois, sobre as cinzas,
consolidar o roubo da terra coletiva. No outro lado, os casos de
sucesso acontecem quando o estado une suas forças, conecta-se com
entidades científicas, a sociedade organizada, e combate o crime.
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) explicou em nota
técnica as características dos incêndios este ano. Quando se compara
2019 com a média dos três anos anteriores, há menos dias secos, mas mais
focos de incêndio atualmente. “A ocorrência de incêndios em maior
número, neste ano de estiagem mais suave, indica que o desmatamento é um
fator de impulsionamento às chamas.” Essa hipótese foi testada pelo
instituto e a prova é que “os dez municípios amazônicos que mais
registraram focos de incêndio foram também os que tiveram maiores taxas
de desmatamento”.
O fogo aumentou porque a destruição da floresta subiu e isso aconteceu
porque todos os sinais passados pelo governo Bolsonaro, mesmo antes da
posse, foram de estímulo ao desmatamento. O que precisa ser entendido,
segundo os técnicos do Ipam, é que os incêndios, além da destruição do
meio ambiente, afetam a saúde humana e aumentam os gastos do Sistema
Único de Saúde (SUS) e fazem crescer a mortalidade de brasileiros. E se o tema for negócio, o problema também é grande. Gabriel Petrus,
diretor-executivo da Câmara Internacional de Comércio no Brasil (ICC, na
sigla em inglês), diz que ao levar o assunto ao G7, o presidente
francês, Emmanuel Macron, invocou o conceito de “emergência climática”,
comparável a forma como a comunidade internacional reage a crises
humanitárias.
—Esse movimento do Macron é um paralelo à forma como a comunidade
internacional reage a crimes contra a humanidade, crimes que ferem o
patrimônio mundial, valores da humanidade. Escalar isso ao G7 é muito
simbólico, que é um grupo que tem uma força grande e pode levar a
sanções ou recomendações fortes contra o que tem acontecido no Brasil
—afirmou.
Para o bem e para o mal somos grandes no meio ambiente. Esse é o ponto
no qual o país se destaca. Dono de 35% da maior floresta tropical do
planeta, e com a maior biodiversidade, em terra e em água doce, do
mundo, não podemos ser ignorados quando se discute clima e florestas.
Isso é plataforma que lança o país como potência ambiental ou que
destrói a reputação do país. [a Amazônia não é propriedade única do Brasil, situação que o tornaria responsável por tudo de errado que por lá aconteça;
outros países dividem com o Brasil a propriedade da Amazônia.
O Brasil tem uma área não desmatada superior aos 60% do seu território, enquanto a Europa tem pouco mais de 40% - isto, porque alguns países europeus estendem seus tentáculos destruidores do meio ambiente para outros continentes; a Noruega caça baleia no Ártico e lá também explora petróleo e causou um desastre imenso ambiental imenso no Pará.]
Se o governo quiser ignorar o mundo, desprezar a reunião do G7, o alerta
do secretário-geral da ONU, os incêndios da Amazônia como trending
tópics no Twitter, as manifestações em frente a embaixadas do Brasil,
ainda assim o desastre do país continuará sendo imenso. Porque, na
verdade, é nossa a maior derrota. O principal fracasso não será a
barreira ao agronegócio, ou a visão negativa sobre o país. É mais
terrível que isso. Estamos perdendo o que é nosso, e não poderemos
refazer. Fracassaremos em passar para os futuros brasileiros o que
recebemos. Estamos queimando nossa herança.
Míriam Leitão, jornalista - Com Alvaro Gribel, de São Paulo