Sergio Lamucci
Juros consideravelmente mais baixos devem ajudar a retomada e levar a um alívio fiscal
O Brasil caminha para testar juros ainda mais baixos nos próximos meses.
Com a recuperação lenta da economia, grande ociosidade, inflação baixa e
um ambiente global de taxas de juros no chão ou até negativas, há um
número crescente de analistas projetando uma Selic abaixo de 5% ao ano
no fim de 2019 - hoje, está em 6%, e o Banco Central (BC) deve cortá-la
para 5,5% nesta semana. O aspecto mais positivo é que aumentou a
possibilidade de que os juros fiquem estruturalmente menores, dada a
perspectiva mais favorável para as contas públicas no longo prazo. Além
da iminente aprovação da reforma da Previdência, a contenção dos gastos
governamentais e do crédito público contribui para manter a taxa básica
em níveis civilizados.
Juros consideravelmente mais baixos devem ajudar a retomada e, com a
combinação de mais PIB e menos despesas financeiras, levar a um alívio
fiscal, como avalia o economista-chefe da corretora Tullett Prebon,
Fernando Montero. Para ele, é factível um quadro em que resultados
primários (excluindo gastos com juros) não muito longe de zero sejam
suficientes para estabilizar a dívida pública bruta, que saltou de 51,5%
do PIB no fim de 2013 para os atuais 78,7% do PIB. Nos 12 meses até
julho, o setor público consolidado teve déficit primário de 1,41% do
PIB.
Fatores cíclicos e estruturais derrubam a Selic
Nas contas do Itaú Unibanco, um superávit primário de 1% do PIB é
suficiente para estabilizar a dívida bruta, considerando um juro neutro
em torno de 2,2% para 2019 - a taxa neutra é a que, descontada a
inflação, possibilita a economia crescer sem pressionar os preços. Com
um juro neutro na casa de 5,5%, que vigorou entre 2008 e 2014, o
superávit primário para impedir a alta da dívida da bruta era bem mais
alto, chegando a 2,5% do PIB. O cenário do banco pressupõe crescimento
médio de 2,2% entre 2020 e 2027.
Montero lembra que a recuperação do resultado primário exige, além de
despesas contidas, a retomada da economia, que requer juros menores. Por
sua vez, taxas mais baixas precisam da indicação do controle de gastos.
Ao comentar as diferenças entre a situação atual e a anterior à crise,
Montero diz que o Brasil “era uma economia sem nenhuma restrição fiscal,
parafiscal ou externa para crescer e agora as temos todas”. Segundo
ele, “restou, sozinha, no meio de um buraco, a monetária”. A restrição fiscal de hoje a que ele se refere é o fato de que os gastos
públicos estão contidos, após anos de forte crescimento, na casa de 6%
acima da inflação. No caso da restrição parafiscal, trata da atuação dos
bancos públicos, que passaram do grande volume de empréstimos a taxas
baixas para a retranca atual. No caso da restrição externa, o ponto é a
desaceleração global e a crise argentina, com preços de commodities que
não ajudam como antes. No meio de todos esses obstáculos, sobrou o
espaço para o BC cortar os juros com força - e mantê-los baixos, afirma
Montero.
Fatores conjunturais ajudam a explicar o espaço para a forte queda dos
juros, como a retomada extremamente lenta, a inflação sob controle e o
ambiente global de juros baixíssimos. Mas fatores estruturais também
contribuem para isso, e colaboram especialmente para permitir que os
juros fiquem mais baixos ao longo do tempo. Entre esses motivos, a
aprovação da reforma da Previdência e a mudança no padrão de gasto
governamental e dos bancos públicos têm papel importante, como ressalta
Montero.
Neste momento, há uma discussão sobre a conveniência de mudar o teto de
gastos, que limita o crescimento das despesas não financeiras da União à
inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior. A forte queda
das despesas discricionárias (sobre as quais o governo tem maior
controle), em especial o investimento, é o principal motivo para que
alguns analistas peçam a flexibilização do teto. O instrumento de fato
tem problemas, como impedir o aumento de gastos em termos reais por um
prazo muito longo - 20 anos, com possibilidade de revisão apenas no meio
do caminho.
Mas o teto foi importante para coordenar as expectativas em relação à
política fiscal, permitindo que o governo promovesse uma melhora
extremamente gradual do resultado primário - deficitário desde 2014, é
possível que ele só volte ao azul em 2023. O mecanismo também escancarou
a necessidade de controle dos gastos obrigatórios, que respondem por
mais de 90% do Orçamento.
Além disso, a principal limitação ao investimento atualmente não vem do
teto, mas sim da meta de resultado primário. Com arrecadação inferior ao
projetado, é preciso segurar as despesas para que se cumpra a meta.
Para Montero, a discussão sobre flexibilizar o teto precisa se
concentrar no médio e longo prazos. “Quanto custaria, em termos de
sinalização e juros, uma flexibilização já e de quanto falaríamos?”, questiona o economista, em nota. O investimento público caiu demais nos últimos anos e alguma retomada
desses gastos é sem dúvida desejável. Mexer no teto, porém, tem riscos
no momento, podendo afetar a percepção de risco sobre as contas públicas
e, com isso, prejudicar a consolidação dos juros em níveis baixos.
O grande problema que limita o investimento público é o comportamento
das despesas obrigatórias, como aposentadorias, pensões e salários do
funcionalismo. Elas ocupam espaço cada vez maior no Orçamento. Com ou
sem teto, enfrentar o avanço desses gastos, como faz a reforma da
Previdência, é o grande desafio.
Sergio Lamucci - Valor Econômico