Antiga liminar veta aplicação de dispositivo da Lei de Responsabilidade que permite corte de salário de servidor, e assim avança a judicialização da crise
Ao se analisarem, ainda em 2016, os percalços que o inexorável
programa de ajuste fiscal enfrentaria, listavam-se a resistência
sindical e, num plano mais amplo, a das corporações como um todo. Não se
previa, como um problema grave a ser superado, alguma resistência
especial do Judiciário.
O governo Temer conseguiu, até com alguma facilidade, aprovar o teto constitucional para conter o crescimento desmesurado dos gastos públicos, e já há quem preveja a possibilidade de pontos estratégicos da reforma da Previdência — outro pilar do ajuste — também passarem pelo Congresso.
E o que não aparecia de forma destacada no radar do ajuste aconteceu: o Judiciário passou a ser o grande obstáculo ao corte de gastos, em particular nos estados. O primeiro alerta importante para a ingerência dos tribunais em campo perigoso foram as liminares concedidas pela ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, a pedido do governo fluminense, para impedir que o Tesouro, avalista do estado em empréstimos, arreste recursos devido à inadimplência no pagamento dessas dívidas. Assim, a Justiça cria insegurança jurídica nessas operações.
Às pressas, como necessário, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o governador Luiz Fernando Pezão desenharam um acordo visando ao resgate do Rio de Janeiro, essencial para a negociação com todos os demais estados e não apenas com os outros dois casos de urgência — Minas e Rio Grande do Sul. O acerto prevê pontos de fato à altura do tamanho descomunal da crise fluminense: redução de jornada e o corte correspondente de salários dos servidores, o aumento de 11% para 14% da alíquota de contribuição previdenciária e a privatização de operações da Cedae, a ser feita pelo governo e não por meio do BNDES.
Em troca, o Rio de Janeiro passará três anos sem pagar sua dívida com a União, e voltará a ter avais do Tesouro, para obter crédito na praça. Mais uma vez, porém, esbarra-se numa barreira erguida no Supremo. Isso porque, em liminar concedida numa ação antiga, a Corte suspendeu a parte do artigo 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal que permite que governos cuja folha de pagamento estoure o limite de 60% da receita corrente líquida reduzam salários e a parcela correspondente da jornada, para voltarem a se enquadrar na lei.
Com isso, o Supremo, na prática, inviabiliza o ajuste nos estados,
onde o peso dos salários é um forte componente da crise. O outro, a
Previdência. A presidente do Supremo precisa colocar na agenda da Corte o
julgamento final do artigo 23 da LRF. Deve-se considerar que políticas duras de austeridade são inevitáveis
para estados e União superarem a crise fiscal, a fim de que o país
cresça de maneira sustentável. A LRF, cláusula pétrea da estabilidade
econômica, saiu fortalecida do impeachment de Dilma, e não deve ser
alterada a não ser pelo Congresso, registre-se.
As duas liminares contra o Tesouro e a favor do governo fluminense — embora, de 2009 a 2015, nas gestões Sérgio Cabral e Pezão, a folha de salários do funcionalismo fluminense tenha obtido um reajuste de 70% acima da inflação — somam-se àquela liminar contra a LRF e jogam a questão técnica e política do ajuste nos tribunais, causa de uma indesejada invasão de áreas entre poderes independentes conforme determina a Constituição. Esta judicialização não interessa ao país.
Fonte: Editorial - O Globo
O governo Temer conseguiu, até com alguma facilidade, aprovar o teto constitucional para conter o crescimento desmesurado dos gastos públicos, e já há quem preveja a possibilidade de pontos estratégicos da reforma da Previdência — outro pilar do ajuste — também passarem pelo Congresso.
E o que não aparecia de forma destacada no radar do ajuste aconteceu: o Judiciário passou a ser o grande obstáculo ao corte de gastos, em particular nos estados. O primeiro alerta importante para a ingerência dos tribunais em campo perigoso foram as liminares concedidas pela ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, a pedido do governo fluminense, para impedir que o Tesouro, avalista do estado em empréstimos, arreste recursos devido à inadimplência no pagamento dessas dívidas. Assim, a Justiça cria insegurança jurídica nessas operações.
Às pressas, como necessário, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o governador Luiz Fernando Pezão desenharam um acordo visando ao resgate do Rio de Janeiro, essencial para a negociação com todos os demais estados e não apenas com os outros dois casos de urgência — Minas e Rio Grande do Sul. O acerto prevê pontos de fato à altura do tamanho descomunal da crise fluminense: redução de jornada e o corte correspondente de salários dos servidores, o aumento de 11% para 14% da alíquota de contribuição previdenciária e a privatização de operações da Cedae, a ser feita pelo governo e não por meio do BNDES.
Em troca, o Rio de Janeiro passará três anos sem pagar sua dívida com a União, e voltará a ter avais do Tesouro, para obter crédito na praça. Mais uma vez, porém, esbarra-se numa barreira erguida no Supremo. Isso porque, em liminar concedida numa ação antiga, a Corte suspendeu a parte do artigo 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal que permite que governos cuja folha de pagamento estoure o limite de 60% da receita corrente líquida reduzam salários e a parcela correspondente da jornada, para voltarem a se enquadrar na lei.
As duas liminares contra o Tesouro e a favor do governo fluminense — embora, de 2009 a 2015, nas gestões Sérgio Cabral e Pezão, a folha de salários do funcionalismo fluminense tenha obtido um reajuste de 70% acima da inflação — somam-se àquela liminar contra a LRF e jogam a questão técnica e política do ajuste nos tribunais, causa de uma indesejada invasão de áreas entre poderes independentes conforme determina a Constituição. Esta judicialização não interessa ao país.
Fonte: Editorial - O Globo