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quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Ajuste fiscal depende do Supremo, já que antiga liminar impede redução de salário de servidor

Antiga liminar veta aplicação de dispositivo da Lei de Responsabilidade que permite corte de salário de servidor, e assim avança a judicialização da crise

Ao se analisarem, ainda em 2016, os percalços que o inexorável programa de ajuste fiscal enfrentaria, listavam-se a resistência sindical e, num plano mais amplo, a das corporações como um todo. Não se previa, como um problema grave a ser superado, alguma resistência especial do Judiciário.

O governo Temer conseguiu, até com alguma facilidade, aprovar o teto constitucional para conter o crescimento desmesurado dos gastos públicos, e já há quem preveja a possibilidade de pontos estratégicos da reforma da Previdência — outro pilar do ajuste — também passarem pelo Congresso.

E o que não aparecia de forma destacada no radar do ajuste aconteceu: o Judiciário passou a ser o grande obstáculo ao corte de gastos, em particular nos estados.  O primeiro alerta importante para a ingerência dos tribunais em campo perigoso foram as liminares concedidas pela ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, a pedido do governo fluminense, para impedir que o Tesouro, avalista do estado em empréstimos, arreste recursos devido à inadimplência no pagamento dessas dívidas. Assim, a Justiça cria insegurança jurídica nessas operações.

Às pressas, como necessário, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o governador Luiz Fernando Pezão desenharam um acordo visando ao resgate do Rio de Janeiro, essencial para a negociação com todos os demais estados e não apenas com os outros dois casos de urgência — Minas e Rio Grande do Sul.  O acerto prevê pontos de fato à altura do tamanho descomunal da crise fluminense: redução de jornada e o corte correspondente de salários dos servidores, o aumento de 11% para 14% da alíquota de contribuição previdenciária e a privatização de operações da Cedae, a ser feita pelo governo e não por meio do BNDES.

Em troca, o Rio de Janeiro passará três anos sem pagar sua dívida com a União, e voltará a ter avais do Tesouro, para obter crédito na praça. Mais uma vez, porém, esbarra-se numa barreira erguida no Supremo. Isso porque, em liminar concedida numa ação antiga, a Corte suspendeu a parte do artigo 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal que permite que governos cuja folha de pagamento estoure o limite de 60% da receita corrente líquida reduzam salários e a parcela correspondente da jornada, para voltarem a se enquadrar na lei.


Com isso, o Supremo, na prática, inviabiliza o ajuste nos estados, onde o peso dos salários é um forte componente da crise. O outro, a Previdência. A presidente do Supremo precisa colocar na agenda da Corte o julgamento final do artigo 23 da LRF.  Deve-se considerar que políticas duras de austeridade são inevitáveis para estados e União superarem a crise fiscal, a fim de que o país cresça de maneira sustentável. A LRF, cláusula pétrea da estabilidade econômica, saiu fortalecida do impeachment de Dilma, e não deve ser alterada a não ser pelo Congresso, registre-se.

As duas liminares contra o Tesouro e a favor do governo fluminense — embora, de 2009 a 2015, nas gestões Sérgio Cabral e Pezão, a folha de salários do funcionalismo fluminense tenha obtido um reajuste de 70% acima da inflação — somam-se àquela liminar contra a LRF e jogam a questão técnica e política do ajuste nos tribunais, causa de uma indesejada invasão de áreas entre poderes independentes conforme determina a Constituição. Esta judicialização não interessa ao país.

Fonte: Editorial - O Globo