Por que Antonio Palocci, 56 anos, ex-ministro da Fazenda, resolveu dar 1 depoimento entregando Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff?
Vai demorar 1 pouco para ter a resposta definitiva. Tenho algumas suspeitas.Antonio Palocci tem 2 anos e meio a mais do que eu. É 1 dos políticos mais hábeis que já conheci. Seu relato contundente ao juiz Sérgio Moro certamente foi dado com algo cartesianamente calculado. A razão mais pragmática me parece mesmo tentar abreviar o tempo de cadeia e partir para algum tipo de pedido de benemerência, obtendo uma punição mais amena.
Palocci foi preso em 26 de setembro de 2016. Está para completar 1 ano vendo o sol nascer quadrado. Em 26 de junho de 2017, foi condenado a 12 anos de prisão pelo juiz Sérgio Moro. Tentou algumas vezes fazer 1 acordo de delação premiada. Seu nhenhenhém foi rebarbado pelos investigadores da Lava Jato. O ex-ministro falava muito e dizia pouco. Percebeu que a estratégia estava fazendo água. Resolveu ser mais pró-ativo nesta semana. Nenhuma atitude “at large” de Palocci até hoje, pelo menos que eu saiba, foi tomada sem antes calcular a relação custo-benefício. O ex-ministro é 1 “político de resultados”. Há pouca ou nenhuma ideologia nos seus atos. Sempre ouvi dizer –repeti muitas vezes e lamento– que José Dirceu encarnava o verdadeiro e maior “apparatchik petista”. Hoje tenho certeza de que Dirceu é fichinha perto de Palocci.
Tenho algumas histórias para contar. Começo com uma do início de 2011. Durante quase uma década eu me esfalfava em Brasília para ajudar a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) a promover uma campanha a favor de uma Lei de Acesso à Informação. Hoje, parece fazer 100 anos que a LAI está por aí. #SQN. Demorou uns 10 anos para virar realidade. Durante os 8 anos de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente foi muito difícil avançar. O núcleo central dentro do Planalto era comandado por uma troikacomposta por stalinistas tardios, egressos da esquerda católica e petistas de universidade. Uma mistura explosiva que deixava o país às vezes enroscado numa dobra do tempo pré-queda do muro de Berlim.
Aí veio Dilma Rousseff. As coisas poderiam piorar. Exceto por 1 detalhe. Ela nomeou, por determinação de Lula, Antonio Palocci como ministro-chefe da Casa Civil. Os primeiros 6 meses de Dilma no Planalto foram os seus melhores, até Palocci ser derrubado por causa de suspeitas de enriquecimento ilícito. Arrisco dizer que se o ministro da Casa Civil tivesse ficado os 4 anos na cadeira o mandato dilmista teria sido muito menos catastrófico. Poderia até ter sido exitoso. Mas quis o destino (e Dilma Rousseff) que Gleisi Hoffmann sucedesse a Palocci. Essa é outra história.
Peço perdão pela digressão e retomo ao tema principal deste relato sobre a campanha pró-Lei de Acesso à Informação. Em 2011, o assessor de imprensa de Palocci era o competente jornalista Thomas Traumann. Pedi uma audiência. Foi marcada para 29 de março (se a memória e minhas anotações não me traem). Fui bem objetivo no encontro com Palocci: “O Brasil não tem Lei de Acesso à Informação. Os Estados Unidos têm desde 1966. A Suécia tem há 2 séculos. É uma legislação que serve não só para jornalistas bisbilhotarem o governo (embora isso vá acontecer), mas que vai melhorar o ambiente de negócios. As informações públicas ficarão mais disponíveis aos investidores. Essa é uma lei que vai ajudar a melhorar o capitalismo brasileiro”.
O ministro ouvia com atenção. Aí conclui com 1 argumento matador: “Palocci, o governo Dilma vai se sair muito bem nesse caso. A presidente não tem nada a esconder. Há apenas uma geração de diplomatas e militares que resistem à lei, pois temem algumas revelações do passado. Mas essas revelações também ajudarão a melhorar a imagem da presidente. Em resumo, o Brasil precisa da lei, mas certamente isso fará 1 bem enorme à imagem da presidente da República”. “Já entendi”, respondeu Palocci. Assim, com duas palavras. E entendeu mesmo. Algum outro ministro da Casa Civil talvez ficasse me olhando e pensando “o que esse jornalista interesseiro está tentando me empurrar?”. Palocci era capaz de pensar em outra dimensão. Ia além do interesse do interlocutor. Enxergava com mais rapidez o que a maioria tapada de Brasília às vezes demora anos para captar.
Muitos outros políticos ajudaram depois a fazer a lei virar uma realidade. Gente do PT, do DEM, do PSDB, do PMDB e de tantos outros partidos. Algum dia preciso relatar isso em detalhes. Mas a conversa seminal com Palocci é que destravou muitas portas naquele início de 2011. O texto da LAI foi aprovado em definitivo pelo Senado em 25 de outubro de 2011, cerca de 7 meses depois de meu papo com Palocci na Casa Civil (ele já havia sido defenestrado em 7 de junho daquele ano). O projeto foi sancionado pela presidente Dilma Rousseff em 18 de novembro de 2011, transformando-se na lei 12.527. A LAI é 1 dos maiores avanços institucionais do Brasil em muitas décadas. É raro passar uma semana sem que fiquemos sabendo de alguma informação interessante que alguém obteve por meio dessa lei.
Palocci ajudou a destravar a tramitação da Lei de Acesso sobretudo porque enxergou ali algum benefício para si próprio e para o governo que representava. Só isso. Simples assim.
No depoimento para Sérgio Moro, creio ter sido esse o pensamento do ex-ministro. Não queria ajudar ou prejudicar Lula ou o PT. Palocci pensou em si próprio. Não sei se tudo o que Palocci contou a Moro é verdade. Por certo, é uma história bem contada.
Tem gravitas. Não se trata de 1 qualquer falando. Quem prestou depoimento foi o homem de confiança de Lula e de Dilma. As expressões escolhidas, inclusive a Über brega-kitsch “pacto de sangue”, ajudam a dar verossimilhança ao relato. E teve o dinheiro. Palocci falou que R$ 300 milhões colocados à disposição pela Odebrecht a Lula. O valor foi muito bem alegorizado por Vinicius Torres Freire (não tem Twitter, só tem Feice), dizendo que a quantia equivale a cerca de 6 aptos endinheirados de Geddel Vieira Lima.
ARTIGO COMPLETO em Poder 360