Tensão aumentou nos últimos 15 dias após a divulgação de áudio gravado por delatores do grupo J&F
Ao encerrar o mandato neste domingo, o procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, esperava estar em uma situação mais
confortável. Escolheu como prioridade da gestão o combate à corrupção e
denunciou centenas de políticos brasileiros. Entretanto, ao direcionar
flechas ao presidente Michel Temer, tornou-se o chefe do Ministério
Público Federal mais questionado ao fim de um mandato desde o
ex-procurador Geraldo Brindeiro, que esteve no cargo de 1995 a 2003, e
ganhou a alcunha de “engavetador-geral da República”.
Até
pouco mais de 15 dias atrás, as críticas a Janot eram mais incisivas
nos meios político e jurídico, especialmente, entre os denunciados na
Operação Lava-Jato e seus advogados. Dentro do Ministério Público
Federal (MPF) também havia grupos que questionavam métodos
“centralizadores” do chefe, mas a enxurrada de questionamentos em
relação à conduta de Janot veio após a divulgação do áudio que flagrou
uma conversa entre os empresários Joesley Batista e Ricardo Saud. Em uma
turbulência típica de inferno astral — as regras do zodíaco dão conta
de que os 30 dias anteriores ao aniversário são absolutamente
insuportáveis —, o procurador-geral, que completou 61 anos na última
sexta-feira, se viu em uma teia armada pelos delatores do grupo J&F,
que envolvia, inclusive, o ex-colega de instituição Marcelo Miller.
No
último sábado, foi flagrado em um bar na companhia do advogado de
Joesley Batista, Pierpaolo Bottini, no dia seguinte ao pedido de prisão
do empresário. Os episódios serviram para que o núcleo político
investigado, principalmente, o aliado ao presidente Michel Temer,
passasse a questionar todas as investigações do MPF e as colaborações
premiadas feitas até agora.
Na opinião do
advogado constitucionalista Erick Wilson Pereira, faltou
responsabilidade na gestão de Rodrigo Janot por causa da “pressa que ele
teve em condenar”. “Toda condenação com pressa não chega ao elemento de
Justiça, que é o mais próximo da verdade, que exige cautela e
verificação do que está sendo dito. Deu-se muita importância ao que os
delatores disseram e faltou um código de conduta ética de como se usar o
instituto da colaboração”, comenta.
O
coordenador dos cursos de direito do Ibmec-DF, Washington Barbosa,
reclama que Janot acabou por se perder em muitas “picuinhas” com outros
poderes. Além do Planalto, ele também se indispôs com a Polícia Federal
no debate sobre quem pode organizar as delações premiadas. “Em Curitiba,
existe uma atuação conjunta da PF, do MPF, da Justiça Federal e dos
auditores da Receita Federal. Em Brasília, essa interação é bem menor.”
Barbosa também lembra que, descontada a reta final do mandato de Janot, a
gestão do procurador que deixa hoje o cargo foi marcada por muitas
investigações, mas poucas denúncias efetivas. “Você teve as denúncias
coletivas. Mas, efetivamente, poucas delas caminharam nos tribunais
superiores”, lamentou o coordenador do Ibmec.
O
presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR),
José Robalinho Cavalcanti, lembra que o ex-procurador Roberto Gurgel
também foi muito questionado no cargo por causa das investigações do
mensalão e que, o desgaste da reta final, não passa nem perto de apagar o
“brilhantismo” da gestão de Janot. “É o cargo mais pesado do país, com
exceção do presidente da República. O acúmulo de coisas é muito grande.
Essa investigação não estava nos planos do Rodrigo. Ela chegou e ele a
conduziu com profissionalismo e impessoalidade, honrando a liderança no
MPF”, defende.
(...)
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Além disso, parlamentares alegam que Janot
extrapolou as funções ao questionar no Supremo projetos aprovados pelo
parlamento. Em junho, ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade
(Adin) contra a lei da terceirização. Em agosto, pediu a derrubada de
alguns pontos da reforma trabalhista que, na visão dele, violam
garantias constitucionais de amplo acesso à Justiça. E, mais
recentemente, questionou até a emenda constitucional que reconhece a
vaquejada como atividade esportiva e patrimônio cultural imaterial. Em
discurso no plenário, o deputado João Fernando Coutinho (PSB-PE)
criticou a interferência. “A vaquejada foi aprovada por maioria nesta
Casa e no Senado. Isso demonstra uma falta de respeito. Uma decisão
completamente absurda, tentando barrar uma decisão tomada pelo
Congresso”, disse o parlamentar.