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sábado, 9 de abril de 2022

“O STF não pode ser instrumento de partidos de oposição”

Ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello critica decisões de Alexandre de Moraes e diz ter receio da presença dele no TSE

Marco Aurélio Mello, ex-ministro do STF | Foto: Andre Dusek/Agência Estado/AE
Marco Aurélio Mello, ex-ministro do STF | Foto: Andre Dusek/Agência Estado/AE

Analisando o cenário de fora, Marco Aurélio usou a palavra “temperança” em diferentes respostas. Abriu e fechou a conversa pregando moderação. O ex-ministro disse olhar com particular  preocupação o atual momento de Alexandre de Moraes, a quem um dia se referiu em plenário como ‘xerife’. 

Moraes, atual vice do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), será um dos responsáveis pela condução das eleições deste ano, ao lado de Edson Fachin, presidente da Corte. Em paralelo, segue à frente como relator do controverso inquérito das fake news, batizado por Marco Aurélio em 2020 como “o inquérito do fim do mundo”, por, supostamente, “não observar o sistema democrático”.  

Confira os principais trechos da entrevista.
Sobre o caso do deputado Daniel Silveira: depois dos desdobramentos da última semana, com imposição da tornozeleira dentro do Congresso, como o senhor vê a relação do Supremo com os outros Poderes?
É um momento difícil. O que precisamos é de temperança, compreensão, e buscar fortalecer as instituições.  
Os homens ocupam temporariamente os cargos, porque mesmo a vitaliciedade no Supremo é relativa. Mas as instituições são perenes. E é preciso que o povo brasileiro acredite nas instituições. Isso me preocupa, porque até hoje não entendi a razão de uma tornozeleira. O que é uma tornozeleira? É uma medida cautelar para limitar a circulação de uma pessoa. Limitar a circulação de um deputado federal, que está no exercício do mandato, não vejo razão de ser.

Deveria partir do ministro Alexandre de Moraes um gesto mais diplomático?
Imaginei que o ministro Alexandre, depois que houve aquela intermediação do ex-presidente Michel Temer (depois dos protestos populares de setembro de 2021), fosse tirar o pé do acelerador, como costumo dizer na gíria carioca. Mas ele continua tomando certos atos. Agora mesmo estou lendo um livrinho, que é o Inquérito do Fim do Mundo, que é o inquérito das fake news, vamos dizer assim. 
O que é uma fake news? É uma inverdade. Então coloque-se a verdade sobre ela. Não sei nem como está essa lei, que vem sendo aprovada no Congresso, do deputado Orlando Silva. Não sei o que ela vai trazer. É aguardar [Nesta semana, o plenário da Câmara rejeitou um pedido para que o Projeto de Lei das Fake News tramitasse em regime de urgência na Casa. Com a decisão, não há data prevista para votação do projeto.]

O senhor chegou a se referir ao ministro Alexandre de Moraes como “xerife”, num episódio anterior no STF.
A conduta recente do ministro deixa um ar de intranquilidade a respeito da presença dele no Tribunal Superior Eleitoral?
Tenho receio. A presidência do TSE é mais forte do que a presidência do Supremo. O presidente é mais ouvido pelos colegas, são outros seis integrantes. No Supremo, não. No Supremo nós somos iguais. Lá no TSE o presidente e o vice são integrantes do Supremo e estão entre os três ministros do STF que são designados para compor o TSE. 
Moraes precisa perceber que terá uma responsabilidade muito grande, principalmente porque o atual presidente da República tentará a reeleição, o que é natural.

O senhor disse certa vez que o Supremo vinha sendo “acionado para fustigar o Executivo e o Legislativo”. O senhor acredita que a população está vendo com maus olhos esse protagonismo do Supremo?
Sem dúvida alguma. O que ocorre? Certos partidos não figuram no Parlamento, aí buscam o Supremo. Lembro de um diálogo entre o deputado federal Jamil Haddad (PSB), já falecido, e o ministro Sepúlveda Pertence. Pertence disse: ‘O senhor está aqui todo dia’. E Haddad respondeu: ‘Olha, eu presto contas aos meus eleitores’. 
O Supremo não pode se prestar a ser instrumento de partidos de oposição ao atual governo. Isso não constrói.

“A liberdade de expressão, a liberdade de informação são direitos básicos”

O senhor cunhou a expressão ‘inquérito do fim do mundo’ e foi o único voto contra no inquérito das fake news. Como avalia o recente bloqueio do aplicativo Telegram pelo ministro Alexandre de Moraes?
O caminho não é esse. Acho que ele nem considerou o ato. Você não pode partir para a censura. E quando você cassa um sítio qualquer, o perfil de um cidadão na internet, você censura esse cidadão. Agora, cada qual é responsável cível e penalmente pelos seus atos.  
Se comete um ato extravagante, que se acione o Judiciário para pedir indenização ou mesmo que se condene o autor do ato, se for crime de calúnia, difamação ou injúria contra a honra. Nós tivemos isso no passado, com a revista Crusoé (reportagem sobre o ministro Dias Toffoli, em 2019). Não podemos chegar a proibir. Não podemos ter saudades da época de exceção. O regime é democrático, o Estado é Democrático de Direito. Há uma Constituição que cuida em primeiro lugar dos direitos sociais, da estrutura do Estado, e precisamos amar mais essa Constituição.

Como o senhor viu a recente resolução do Superior Tribunal de Justiça, que determinou o pagamento de uma indenização no valor de R$ 75 mil pelo ex-procurador Deltan Dallagnol ao ex-presidente Lula?

Outra coisa que não entendi como ocorreu. O desempenho do procurador passou pelo Ministério Público Federal, pela Corregedoria, passou pelo Conselho Federal do Ministério Público. O ex-presidente não ganhou o direito à indenização em primeira nem em segunda instância e veio a ganhar no Superior Tribunal de Justiça.  
Quando você condena um agente público a indenizar, na verdade você teria de condenar o Estado. Dallagnol personificou o Estado. 
Você intimida o agente público, porque as pessoas ficam com receio de atuar, isso pode ter consequências inimagináveis. Não vi com bons olhos essa condenação. 
Como também essa história do ex-presidente, que foi ressuscitado politicamente pelo Supremo. Ele não foi absolvido. Apenas o Supremo reconheceu que não seria competente a 13ª Vara Criminal de Curitiba. Isso depois de cinco processos terem tramitado e chegado ao final.

Recentemente, houve um episódio sobre liberdade de expressão no festival de música Lollapalooza, com decisão do TSE sobre manifestações políticas de artistas e muita repercussão negativa. Como o senhor avalia essa questão?
Cito um grande pensador, Caetano Veloso, eu diria um jurista, entre aspas, que tem um verso: “É proibido proibir”. Foi o que eu disse. A liberdade de expressão, a liberdade de informação são direitos básicos. A própria Constituição vê consequências se houver algum extravasamento. Mas você, a priori, proibir, isso é censura. Está no parágrafo 2º, artigo 220 da Constituição, que não pode haver censura de nenhuma forma. 
Foi um ato realmente extravagante do ministro Raul Araújo (TSE). Precisamos marchar com segurança, com temperança, com compreensão. E sem exacerbar os fatos. Precisamos sentar à mesa para dialogar, e não sentar na mesa. Que a democracia saia desses desencontros fortalecida. Isso é o que interessa à sociedade brasileira.

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Bruno Freitas, colunista - Revista Oeste