Acompanhado
pela sonoplastia de um panelaço em várias capitais, o programa do partido atestou a
dificuldade dele e do seu maior líder de reagirem ao momento
O
conhecido termo “dia para esquecer”
se encaixa à perfeição a esta terça-feira para Lula e PT. A jornada aziaga começou cedo,
com as manchetes dos jornais noticiando a decretação da prisão do marqueteiro
João Santana, o
preferido nas três últimas eleições presidenciais petistas, como resultado da 23ª fase da Lava-Jato, batizada, com a ironia de costume, de
Acarajé. Relação direta ao fato de ter mirado, entre outros alvos, a
baiana Odebrecht, suspeita de transferir no exterior, para Santana, também
conterrâneo, alguns milhões de dólares suspeitos. Suposições da ligação dessas
transferências com, pelo menos, a campanha de 2014 de reeleição de Dilma
Roussef angustiam o PT.
A terça continuou tensa
para o lulopetismo, até ir ao ar, antes do JN, o programa do partido. E em boa parte dos dez minutos
do vídeo de propaganda ecoou em pelo menos 14 capitais o mais barulhento dos últimos panelaços. Foi reservado a Lula o espaço nobre da parte final do
programa, e, quando ele foi ao
ar, notou-se que o barulho subiu de decibéis. O conteúdo do programa também
não ajudou o carismático líder petista nem o partido.
O
PT tem feito um esforço de “unir
os brasileiros” para, juntos, enfrentarem uma crise “que vem de fora”. Sintomaticamente,
a marquetagem petista aposentou, ou quase isso, a cor
vermelha, clássica dos partidos de esquerda,
sempre brandida com orgulho (e
agressividade) nas ruas. Passaram a surgir na TV bandeiras verdes, azuis,
amarelas. Mas não está fácil dar meia volta em um discurso já cristalizado, de
tanto ter sido repetido anos a fio, do “nós
contra eles”, do Brasil dos bons (o PT) e dos maus (a oposição).
O partido
usa o horário eleitoral dito gratuito para se mostrar perplexo: “Por que tanto ódio?” O ódio destilado
na política é sempre perigoso e indesejável. Mas se a
cúpula do partido fizer um rápido exercício de autocrítica constatará que tem sido o PT que não guarda limites
nas suas campanhas, ao
investir contra candidatos adversários e seus apoiadores. Um caso recente é
o que foi feito, sob inspiração do hoje
trancafiado João Santana, no espaço da campanha de Dilma na TV, contra a
adversária Marina Silva, por meio de ataques a Neca Setúbal, a “banqueira”, amiga e correligionária de
Marina.
Lula,
por sua vez, perdeu uma oportunidade
para se defender, com explicações sobre as suspeitas que o rondam, a partir
de alguns inquéritos em andamento. Preferiu ressaltar que os governos do PT foram os
melhores, quando milhões saíram da pobreza etc. O problema é que isso ficou no passado, e o
presente é dramático — inflação elevada,
recessão profunda e desemprego em alta. Muitos que saíram da pobreza voltam para ela.
Em um ato falho, ao atacar a elite que “não quer dividir a poltrona do avião com o nosso povo”, Lula
voltou a dividir o país entre “nós” e “eles”. Qual o discurso que
vale? A crise e o desgaste dos
escândalos superam a capacidade de Lula e do partido de reagirem.
Fonte: Editorial – O Globo