Mesmo nas poucas ocasiões em que esteve mais acuado, ele se comportou com gentileza
Sergio Moro saiu praticamente ileso da audiência da Comissão de
Constituição e Justiça do Senado em que prestou contas dos vazamentos de
diálogos seus com o procurador Deltan Dallagnol. Apesar de ter sido
colocado nas cordas com socos e murros de alguns senadores da oposição,
foi socorrido com afagos e tapinhas nas costas por outros que apoiam o
governo ou apenas se opõem ao PT. O que se viu foi um embate político, e
nele o ministro saiu ganhando. Mesmo que restem dúvidas sobre a
correção das mensagens que trocou com Dallagnol, Moro saiu do Senado
politicamente protegido.
O debate que se viu foi mais uma vez entre parlamentares do PT, ou
próximos ao PT e ao escândalo da Petrobras, e os demais. Além daqueles
ligados a partidos tradicionais de centro e centro direita, estiveram ao
lado de Moro os senadores dos novos tempos. E esses abusaram da
gentileza. O fato é que houve tempo e espaço para cada um atacar ou
defender a Lava-Jato. Embora os que atacaram dissessem estar mirando na
conduta do juiz, o que se viu foi um fogo sem trégua contra a operação
que prendeu políticos e empresários, como Lula e Marcelo Odebrecht.
Talvez por isso, o embate tenha pendido a favor de Moro. O que se sabe, e
o que não mudou e não mudará mesmo que se consiga comprovar a
veracidade dos diálogos hackeados, é que os governos do PT foram
corruptos. Não há qualquer dúvida de que o PT e partidos aliados
assaltaram os cofres da Petrobras durante a gestão de Lula. Nenhuma
dúvida também de que esses assaltos prosseguiram sob Dilma e só foram
interrompidos pela operação Lava-Jato. Esse é um dado irrefutável. Por
isso, foi difícil aos senadores encontrar caminho para mostrar que Moro
agiu de maneira a prejudicar o PT ou afastá-lo do poder.
Não se conseguiu solidificar a acusação de que houve conluio entre Moro e
os procuradores contra Lula ou o PT, mesmo que alguns senadores
tivessem adotado um bom caminho e uma retórica poderosa. As respostas de
Moro, ecoadas pelos seus aliados no plenário, encaminhavam a questão
sempre para outro lado. E foi impossível impedi-lo. O ex-juiz chegou a
indagar de um senador se ele estava sugerindo soltar todos os presos e
devolver o dinheiro confiscado das contas dos corruptos, citando Renato
Duque, ex-diretor da Petrobras, que teve 2,7 milhões de dólares e 20,5
milhões de euros recuperados pela operação em um banco de Mônaco.
A sessão foi comedida, apesar de alguns momentos mais agressivos. Em um
deles, Moro chegou a se negar a responder, dada a hostilidade da
assertiva do senador Humberto Costa (PT-PE). Mesmo nas poucas ocasiões
em que esteve mais acuado, Moro se comportou com gentileza.
Frustraram-se os que esperavam respostas mais duras e contundentes do
ex-juiz. Em nenhum momento ele colocou na mesma frase as palavras Lula e
corrupção. Ou PT e corrupção. Pelo que me recordo, aliás, ele mencionou
o Partido dos Trabalhadores apenas uma vez. E não desqualificou o
partido nem mesmo quando um senador do PT tentou envolver a sua mulher
no caso, perguntando se ela trabalhou para alguma empresa de petróleo.
Oito dos 54 senadores membros da CCJ, titulares ou suplentes, foram
citados pela Lava-Jato. Mas nem esses conseguiram constranger o ex-juiz.
Alguns foram até favoráveis ao ministro. Renan Calheiros (MDB-AL), que
não é da CCJ mas participou da audiência, tampouco teve êxito ao tentar
tirar Moro do seu ponto de equilíbrio. Renan, que responde a 11
inquéritos no Supremo Tribunal Federal, sendo que oito deles dizem
respeito à operação LavaJato, extrapolou seu tempo, passou por cima da
autoridade da senadora Simone Tebet (MDB-MS), que presidia a sessão, mas
não conseguiu encurralar Moro.
Moro insistiu em chamar a divulgação dos diálogos de “sensacionalista”,
repetiu inúmeras vezes que as conversas que manteve com Dallagnol foram
corretas e que não julgou com parcialidade. Não respondeu, ou se escusou
de responder, quando perguntado se também suas ações na Lava-Jato não
foram sensacionalistas. Moro saiu-se bem, nenhuma dúvida. A audiência
serviu para ele como um palanque, de onde saiu maior do que entrou. Mas é
cedo para dizer que “a montanha pariu um rato”, como sugeriu. Ainda vai
se ouvir muito barulho em torno desta questão. A próxima etapa será na
Câmara. [nada muda; nada há contra Moro nos diálogos publicados pelo IntercePT; nada garante que são autênticos e ainda que fossem, foram obtidos de forma criminosa.]
Ascânio Seleme - O Globo