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domingo, 18 de junho de 2017

A democracia

O país está perdendo o melhor da democracia: a polifonia, os vários sons, várias vozes, a convivência entre opiniões contrárias, o debate que instiga e desafia a pensar sobre um determinado ponto, o esforço para ver a realidade pelo ângulo do outro, o diálogo. 

Entrincheirados, alimentando o ódio, como chegaremos ao ponto de encontrar saídas para as várias complexidades que nos cercam?  Não consola, mas não somos o único país do mundo em que a polarização radicalizada está eliminando o espaço do diálogo. O jornalista americano Fareed Zakaria escreveu no “Washington Post” sobre esse fenômeno de país tão partido, que acaba tendo uma atitude doente diante da diferença de opinião. Ele diz que tudo se passa como se: “Pessoas do outro lado da divisão não estão apenas erradas. Elas são imorais e devem ser punidas.”

É assustador o sentimento de que a democracia está entrando em colapso. O cientista político Bruno Reis, da UFMG, chama a atenção para o fato de que a democracia brasileira é bem sucedida. Ela não está em crise por falta de conquistas. Foi nela que o país alcançou a estabilidade monetária, depois do longo período hiperinflacionário, foi ela que iniciou o processo de redução da pobreza e da desigualdade. Na democracia, foram criadas as condições para um Ministério Público forte e independente que está nos conduzindo no processo que enfrenta um velho inimigo.

A corrupção é um inimigo sem tendência política. Ela faz tão mal à política como à economia, enfraquece seus fundamentos, distorce e põe em risco todos os valores. Na economia, ela aumentou a cartelização, a tomada de decisões de alocação de recursos sem qualquer racionalidade, o desperdício do dinheiro público, a redução da transparência do gasto do governo, a ineficiência. O que tem sido revelado é a radicalização da captura do Estado pelo poder empresarial, que sempre existiu no Brasil, mas agravou-se. Houve, na verdade, uma captura mútua. As empresas grandes ficam dependentes dos favores do Estado e dos políticos, e os políticos ficam viciados no dinheiro das empresas. Os dois se misturaram em doentia dependência recíproca. Esse é o centro da complexidade que temos que entender, enfrentar e superar.

A democracia nos faz novas exigências. É preciso construir espaços de diálogo em campo minado, é necessário sair das trincheiras em meio ao bombardeio, é fundamental negociar um acordo de compromissos, numa época em que até a expressão “acordo de compromissos” assusta porque pode ser entendida — e há o risco de ser — um pacto para interromper as investigações contra a corrupção.

O país tem dilemas colossais. De curto e longo prazos. Ainda sangramos na recessão com 14 milhões de desempregados. Ainda temos um governo perdido em seu labirinto, cuja razão de ser é a própria sobrevivência. Ainda não temos ideia de que plataformas viáveis podem ser apresentadas para 2018. Chegaremos feridos e amargos a uma eleição decisiva para o nosso futuro em que os líderes ainda estarão com olhos no passado. E será o mandato que terminará no ano do nosso bicentenário. Quem for eleito em 2018, será o governante em 2022 quando completaremos 200 anos como país independente.

É a juventude o grupo que mais sofre o desemprego, mas foi justamente a geração que estudou mais que seus pais, graças ao esforço nacional para aumentar a escolarização e a escolaridade. A falta de trabalho desvaloriza a ideia de que na educação está o futuro. Uma menina foge da enchente ajoelhada num barco precário agarrada aos seus livros e depois explica para a repórter que nos livros está seu futuro, por isso os salvou. 

Essa lição da pequena pernambucana Rivânia deveria fazer o país parar para pensar. Ela nos ensinou mais do que estamos podendo entender, no meio da briga raivosa e barulhenta sobre causa alguma na qual nos debatemos.  Diálogo e democracia são quase sinônimos. É da natureza dos regimes abertos a permissão para todas as vozes. Mas aos gritos não nos ouviremos. A polifonia pode ser o ruído ensurdecedor ou a melodia. A hora é de baixar o tom e reencontrar o caminho da discordância respeitosa, porque foi para isso que construímos a democracia.

Fonte: Coluna da Míriam Leitão Com Alvaro Gribel, de São Paulo