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domingo, 5 de julho de 2020

A escolha dos ministros do STF – Editorial

Sistema em vigor funciona bem desde que o Senado compreenda que as sabatinas não são protocolares nem devem ser feitas em clima de camaradagem

Quando o PT ganhou as eleições de 2002 e Lula assumiu a Presidência da República em 2003, partidos de oposição fizeram as contas e descobriram que ele poderia indicar três ou quatro ministros para o Supremo Tribunal Federal (STF) em seu primeiro mandato e outros tantos caso se reelegesse. Com receio dos nomes que ele poderia indicar e de eventuais mudanças nos critérios de interpretação da Constituição, muitos oposicionistas apresentaram projetos para mudar não só o modo de indicação dos ministros, como a própria estrutura da Corte.

Desde então, tramitam no Congresso dezenas de projetos e propostas de emenda constitucional (PECs). E agora, diante da possibilidade de Bolsonaro indicar indivíduos despreparados, servis e “terrivelmente evangélicos” para a vaga a ser aberta com a aposentadoria do ministro Celso de Mello, em novembro, vários políticos passaram a pedir mais rapidez na tramitação dessas PECs. O último levantamento identificou cerca de 20 iniciativas nesse sentido, sendo a mais importante uma PEC de autoria do senador Lasier Martins (Podemos-RS), apresentada em 2015, e que recebeu depois um substitutivo do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG).

Ela altera o artigo 101 da Constituição, que define a estrutura do STF. Em matéria de indicação de ministros para a mais alta Corte, acaba com a possibilidade de o presidente da República indicar quem bem entender e o obriga a escolher um nome a partir de uma lista tríplice elaborada pelos presidentes do STF, do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior do Trabalho, do Tribunal de Contas da União, do Superior Tribunal  Militar, pelo procurador-geral da República e pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. O substitutivo também acaba com a vitaliciedade. Inspirando-se em várias cortes supremas europeias, fixa um mandato de dez anos para os ministros, sem direito à recondução, e os torna inelegíveis por cinco anos. Exige, ainda, que os integrantes da lista tríplice tenham experiência de atividade jurídica de pelo menos 15 anos. [O projeto de emenda tem algumas vantagens e muitas desvantagens.
- não consegue disfarçar o interesse em reduzir os poderes do Poder Executivo ao cassar do presidente da República o poder de indicar ministros para o Supremo, obrigando-o a escolher em uma lista tríplice; 
- inclui a OAB no processo de elaboração da lista tríplice - finge esquecer que não é necessário ser bacharel em direito para ser ministro do Supremo e que a Ordem está se transformando em palanque para o seu presidente;
- criando a tal lista tríplice e obrigando o presidente a segui-la, fortalece a tendencia de tornar o STF um cabide para bacharéis em direito e membros do Poder Judiciário - dificilmente um dos eleitores dos 'notáveis' integrantes da lista tríplice vão indicar quem não seja do meio jurídico, bacharel em direito ou membro do MP ou Poder Judiciário =  = que não significa, necessariamente, possuir o notável saber jurídico.
Cabe perguntar: será que essas sucessivas ações, ora do Poder Legislativo, ora do Poder Judiciário, buscando reduzir os poderes do Executivo, não conflitam com a Constituição? 
Especialmente no caso de PEC? 
Cassar cercear poderes do Executivo, especialmente em decisões monocráticas, não fere o principio de harmonia e independência dos Poderes?
O Poder Judiciário impor uma lista tríplice ao Executivo não fere o principio de separação dos Poderes?

Mudanças como essas têm aspectos positivos e negativos. Entre os aspectos positivos, o mandato de dez anos é considerado por muitos juristas como suficiente para permitir certa estabilidade nas decisões da Corte e consolidação coerente da jurisprudência, preservando assim a segurança jurídica. Entre os aspectos negativos, o problema são as pressões dos tribunais superiores na composição da lista tríplice, o que pode agravar o corporativismo da magistratura, uma vez que o STF poderia acabar sendo ocupado apenas por juízes de carreira.

Como a atuação das cortes supremas implica uma convergência entre direito e política, nos Estados Unidos e em vários países da Europa se tomou o cuidado de evitar que elas fossem ocupadas apenas por magistrados de carreira, garantindo-se com isso o acesso de professores de direito, advogados respeitados e grandes juristas ao cargo de ministros. O substitutivo Anastasia colide com essa diretriz sensata. Além disso, aqui e ali já começaram a surgir pressões de outras corporações, como defensorias públicas, Advocacia-Geral da União e procuradorias fiscais para participar da composição das listas tríplices, sob a justificativa de democratizar o processo de escolha.

Na contagem dos aspectos positivos e negativos dessas mudanças, fica evidente que estes se sobrepõem àqueles. A verdade é que a preservação do STF contra o risco de indicação de ministros medíocres e servis a quem os indicou não é afastada por essas inovações. No fundo, não há motivo para que se mude o sistema de escolha em vigor. Como mostra a experiência da Suprema Corte americana, onde até George Washington teve de retirar uma indicação rejeitada, esse sistema funciona bem desde que o Senado compreenda que as sabatinas não são protocolares nem devem ser feitas em clima de camaradagem e com roteiro prévio. Quando levadas a sério, são excelente antídoto para barrar a entrada numa corte suprema de indicados medíocres, sem currículo e biografia. 

Editorial - O Estado de S. Paulo