Como a ex-ministra da Casa Civil e fiel escudeira de Dilma operou em Belo Monte, ao lado de Palocci e Silas Rondeau, um propinoduto de R$ 45 milhões para abastecer as campanhas eleitorais de 2010 e 2014
Além de fornecer um dossiê explosivo sobre as tentativas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente Dilma Rousseff para tentar barrar as investigações da operação Lava Jato, o ex-líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS), revela, em acordo de delação premiada, um sofisticado esquema de corrupção nas obras da usina de Belo Monte. As informações estão dispostas no anexo sete da delação, obtido por ISTOÉ na quarta-feira 9.
Segundo o senador, um “triunvirato”, formado pelos ex-ministros
Erenice Guerra, Antônio Palocci e Silas Rondeau, movimentou cerca de R$
25 bilhões e desviou pelo menos R$ 45 milhões dos cofres públicos
diretamente para as campanhas eleitorais do PT e do PMDB em 2010 e 2014.
Nas duas disputas presidenciais os partidos estavam coligados na chapa
liderada por Dilma Rousseff. “A propina de Belo Monte serviu como
contribuição decisiva para as campanhas eleitorais de 2010 e 1014”,
afirmou o ex-líder do governo no Senado aos procuradores.
Denúncias sobre corrupção nas obras de Belo Monte já haviam sido
feitas por outros delatores, mas é a primeira vez que uma testemunha
revela com detalhes como funcionava o esquema, qual o destino do
dinheiro desviado e aponta o nome dos coordenadores de toda a operação. A
delação feita por Delcídio leva as investigações sobre o propinoduto
petista nos setores de energia e de infraestrutura para as antessalas do
gabinete presidencial. Desde 2003, Erenice é tida como uma escudeira da
presidente Dilma e mesmo após deixar o governo, sob a acusação de
favorecer lobistas ligados a seu filho, permanece como uma das poucas
interlocutoras de Dilma.
Depois de homologada pelo STF, a delação de Delcídio deverá ser
encaminhada ao Tribunal Superior Eleitoral e engrossar o processo que
pede a cassação da presidente. Os relatos feitos pelo senador mostram
que a operação montada para desviar dinheiro público de Belo Monte foi
complexa e contínua. Começou a ser arquitetada ainda no leilão para a
escolha do consórcio que tocaria a empreitada, em 2010, e se desenrolou
até pelo menos o início do ano passado, quando a Lava Jato já estava em
andamento. Tida como obra prioritária do governo e carro chefe do PACo,
Belo Monte era acompanhado de perto pela chefia da Casa Civil, onde
estavam Dilma, então ministra, e Erenice Guerra, secretária executiva.
“A atuação do triunvirato formado por Silas Rondeau (ex-ministro de
Minas e Energia), Erenice Guerra (ex-ministra da Casa Civil) e Antônio
Palocci (ex-ministro da Fazenda) foi fundamental para se chegar ao
desenho corporativo e empresarial definitivo do projeto Belo Monte”,
afirmou Delcídio aos procuradores da Lava Jato. Em sua delação, o
senador explica que os desvios de recursos do projeto da usina vieram
tanto do pacote de obras civis como da compra de equipamentos. “Antônio
Palocci e Erenice Guerra, especialmente, foram fundamentais nessa
definição”, revelou o senador.
Ele afirmou que as obras civis consumiram cerca de R$ 19 bilhões e a
compra de equipamentos chegou a R$ 4,5 bilhões. De acordo com os
relatos feitos pelo ex-líder do governo, em todas as etapas do processo
houve superfaturamento. Entre os procuradores que já tomaram
conhecimento da delação de Delcídio há a convicção de que Erenice era a
principal operadora do triunvirato, uma vez que antes de assumir o cargo
na Casa Civil trabalhou, ao lado de Dilma, no Ministério de Minas e
Energia, responsável pelas obras da usina.
Delcídio afirmou que o triunvirato de Erenice começou de fato a
operar três dias antes da data marcada para o leilão que escolheria o
consórcio responsável pelas obras. O grupo formado pelas maiores
empresas de engenharia do País desistiu da disputa. “Em algumas horas
foi constituído um novo grupo de empresas que venceu o leilão, tendo
sido a única proposta apresentada”, afirmou o senador. Entre essas
empresas estão a Queiroz Galvão, Galvão Engenharia, Contern, JMalucelli,
Gaia Engenharia, Cetenco, Mendes Jr Trading Engenharia e
Serveng-Civilsan.
“Alguns meses depois da realização do certame, várias empresas que
não bidaran (não participaram no leilão) Belo Monte tornaram-se sócias
do empreendimento e contrataram como prestadoras de serviço as empresas
do consórcio vencedor”, relatou Delcídio. Com essa operação, as maiores
empreiteiras do País passaram a mandar na construção sem se submeterem
às regras impostas nas licitações convencionais. O ex-líder do governo
no Senado afirmou aos procuradores da Lava Jato que durante as campanhas
eleitorais aumentava o valor das propinas e que para isso as empresas
recorriam a “claims”, instrumento usado para readequar valores de
contratos.
“Os acordos com relação aos claims eram uma das condições exigidas
para aumentar a contribuição eleitoral das empresas”, explicou Delcídio.
O senador destacou ainda a existência de várias ilicitudes envolvendo o
fornecimento de equipamentos para a usina de Belo Monte. De acordo com
ele, houve uma enorme disputa entre fornecedores chineses, patrocinados
por José Carlos Bumlai (o pecuarista amigo do ex-presidente Lula), e
fabricantes nacionais, entre eles Alston, Siemens, IMPSA e IESA. “O
triunvirato agiu rapidamente definindo os nacionais como fornecedores,
tudo na busca da contrapartida, revelada nas contribuições de campanha”,
denunciou Delcídio.
Erenice Guerra e Palocci, disse o ex-líder do governo no Senado,
tiveram papel fundamental nessa definição. Pelo lado das empresas,
segundo Delcídio, o principal negociador de Belo Monte foi o empreiteiro
Flávio Barra, da Andrade Gutierrez. Na semana passada, ISTOÉ apurou que
Barra já prestou depoimento de delação premiada e mencionou o
propinoduto em Belo Monte. O nome do ex-governador de Pernambuco,
Eduardo Campos, foi rapidamente citado por Delcídio aos procuradores.
Ele afirmou que o governador exerceu influência direta em favor da
IMPSA, mas não atribuiu a ele nenhuma pratica criminosa.
Ainda sobre dinheiro irregular na campanha eleitoral de 2014, no
anexo nove da delação, também obtido com exclusividade por ISTOÉ na
quarta-feria 9, o ex-líder do governo no Senado afirma que o atual
ministro de Comunicação Social, Edinho Silva, tesoureiro da campanha da
presidente Dilma em 2014 trabalhou para “esquentar” recursos
provenientes da indústria farmacêutica usando a contabilidade das
campanhas para governador e forjando falsas prestações de serviço.
Delcídio afirmou que em 2014, quando disputava o cargo de governador do
Mato Grosso do Sul, foi procurado por Edinho, “para que pagasse R$ 1
milhão do saldo da dívida de sua campanha, sendo R$ 500 mil devidos à
FSB Comunicação, e mais R$ 500 mil à Zilmar Fernandes, através de um
laboratório farmacêutico chamado EMS”, revelou o senador.
Zilmar Fernandes foi sócia do publicitário Duda Mendonça e já
esteve envolvida no escândalo do Mensalão. O laboratório EMS é
investigado pela Lava Jato por manter parceria com o doleiro Alberto
Youssef. Os investigadores também apuram o pagamento de uma suposta
consultoria de R$ 8 milhões que o laboratório teria contratado do
ex-ministro José Dirceu. Delcídio disse que as faturas foram emitidas
contra o laboratório, mas que os pagamentos não foram realizados. “Os
impostos das transações financeiras para a EMS foram efetivamente pagos
pela FSB e por Zilmar”, afirmou o senador.
Por fim, ele disse acreditar que a mesma situação pode ter ocorrido
com outros candidatos a governador. Ao finalizar sua delação, o
ex-líder do governo no Senado, apontou para a força-tarefa da Lava Jato
que laboratórios e planos de saúde, em troca de indicações para cargos
na ANS e na Anvisa, têm despertado grande atenção dos políticos quando
são discutidos os caminhos para a arrecadação de recursos. Por outras
vias, os procuradores da Lava Jato já estavam trilhando por esse
caminho.
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