Um Estado que atenda às aspirações dos brasileiros prescinde do fim da estabilidade do funcionalismo no emprego
[o último parágrafo da matéria, faz referência ao fim da estabilidade do servidor público - fica claro que é favorável a demissão de servidores;
quem for cuidar dessa medida, deve ter presente a CRISE, o CAOS, que tomou de conta do INSS, não devido ao fim da estabilidade e sim devido a não reposição de funcionários que se afastaram por razões diversas, especialmente aposentadoria.
Portanto, demitir servidor por atacado, pode ser um tiro pela culatra. Lmbram do João Santana do govero Collor?]
Uma das reformas mais difíceis de se aprovar em Brasília é a
administrativa. E é fácil entender por quê: desde a promulgação da
Constituição, em 1988, foram criados tantos benefícios para os
funcionários públicos que qualquer proposta de mudança esbarra numa
resistência organizada, poderosa e eficiente. O lobby dos servidores é,
sem dúvida, o mais forte da República.
No fim deste mês, o governo enviará ao Congresso Nacional Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) para tratar da reforma administrativa,
conhecida também como reforma do Estado. O interesse da equipe
econômica, liderada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, na
aprovação dessa reforma é urgente, mas não se vê a mesma disposição no
Palácio do Planalto. Durante os 28 anos em que exerceu mandato de deputado federal, o
presidente Jair Bolsonaro só teve uma bandeira: defender os interesses
da corporação militar, à qual pertenceu antes de entrar na política. Não
há nada de errado nisso, mas, como se viu na tramitação da reforma da
Previdência, Bolsonaro retirou os militares da PEC original, justamente
para que a corporação não passasse a ter as mesmas regras de
aposentadoria dos demais brasileiros. [atualizando - com o devido e indispensável pedido de vênia : a categoria militares não é tratada na Carta Magna na mesma Seção que cuida dos militares, por tal condição é que os militares não tinham um sistema de previdência;
assim, uma reforma objetivando cuidar da previdência dos servidores civis e dos empregados na iniciativa privada, não poderia incluir aquela categoria.
A categoria militares é tratada de forma específica na Constituição Federal, por isso foi objeto de legislação que tramitou em paralelo com a Reforma da Previdência.] Ademais, defender corte de
benefícios de funcionário público em ano eleitoral é algo que a classe
política costuma evitar.
A reforma administrativa se justifica por várias razões, mas duas são
inapeláveis: o custo elevado do funcionalismo para a sociedade e a
ineficiência atávica do Estado. A máquina pública brasileira,
considerando apenas a União (os poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário), é cara em termos absolutos, isto é, para um país de renda
média como o Brasil, e também quando comparada ao desembolso feito por
economias em desenvolvimento e ricas. Em 2018, último dado disponível, o gasto com pessoal nos três poderes
atingiu o equivalente a 13,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Se nada
for feito, alcançará 14,8% do PIB ao fim desta década. [As economias desenvolvidas, ricas, por óbvio possuem um PIB bem mais elevado que o do Brasil - especialmente os Estados Unidos, de modo que um percentual menor aplicado sobre um PIB maior apresenta um resultado MAIOR.
Em valores absolutos os números são superiores aos do Brasil.]
Nações ricas, principalmente as europeias, onde o Estado do bem-estar
social mais se desenvolveu, costumam ter uma máquina governamental
custosa. Ocorre que, atualmente, segundo estudo do Ministério da
Economia, em proporção do PIB, os países da União Europeia gastam com
pessoal, em média, bem menos que o Brasil - 9,9% do PIB. Os Estados Unidos, que por motivos óbvios têm despesa na área de Defesa
muito superior à de qualquer outro país, também dispendem com o
funcionalismo menos que o Brasil - o equivalente a 9,5%. Economias do porte da brasileira destinam, em geral, menos de 10% do PIB ao gasto com pessoal.
Nos últimos anos, a despesa com pessoal ativo e inativo (um dos
motivadores da reforma da Previdência) cresceu acima de qualquer
parâmetro da economia, o que revela o caráter autóctone da burocracia
brasileira. Os governos Lula e Dilma, dado o vínculo histórico dos
sindicatos dos servidores com o PT, aumentaram a força de trabalho em
34% - de 532 mil funcionários para 712 mil entre 2003 e 2018. Num
período mais curto, de 2008 a 2018, chama a atenção o fato de a despesa
com pessoal ativo ter crescido 242%. Outro dado que mostra o quanto os
funcionários públicos vivem num mundo diferente do restante dos
brasileiros: nos últimos 15 anos, os funcionários tiveram, em média,
aumento real de salário (acima da variação da inflação) de 53%.
Outra razão para a urgência da reforma é mudar o modelo que consagrou o
Estado brasileiro, apesar de seu elevado custo, como ineficiente,
extremamente burocrático e prestador de servicos de baixa qualidade.
Portanto, trata-se de um Estado inadequado para sua função precípua, que
é diminuir a distância entre ricos e pobres, igualando oportunidades
numa das nações de maior concentração de renda do planeta. Não se tenha dúvida: a criação de um Estado que atenda às aspirações dos
brasileiros prescinde do fim da estabilidade do funcionalismo no
emprego. Instituída pelos constituintes de 1988 para todas as carreiras,
a estabilidade é o incentivo errado quando se pensa em eficiência no
serviço público. A PEC do governo vai propor o fim da estabilidade
generalizada, preservando-a apenas para as carreiras típicas do serviço
público, como auditor fiscal e diplomata. Ainda assim, a ideia, bastante
razoável, é que a estabilidade nesses casos seja conquistada num prazo
mínimo de dez anos.
Editorial - Valor Econômico