Facção controla favela carioca. Informação já foi enviada à equipe de intervenção
Em meio à
intervenção federal no Rio, um relatório da inteligência, que já chegou à
central de dados do general Walter Souza Braga Netto, revela uma movimentação
do tráfico preocupante: detido no presídio de Porto Velho, em Rondônia, Antônio
Francisco Bonfim Lopes, o Nem, trocou de facção e, há 20 dias, integra uma das
mais violentas organizações criminosas do país, o Primeiro Comando da Capital
(PCC), de São Paulo. O grupo passa, agora, a ter, pela primeira vez, o controle
de uma favela do Rio, a Rocinha. A comunidade — palco de uma guerra entre
traficantes que já dura seis meses — é um dos principais entrepostos de venda
de drogas na cidade. Para especialistas, a nova configuração do crime
organizado pode ter impacto na violência do estado. O porta-voz do Comando
Militar do Leste (CML), coronel Carlos Frederico Cinelli, disse ontem que o
Exército não comentaria a informação.
Nem, que
era da facção Amigos dos Amigos (ADA), domina hoje metade da Rocinha. A outra
parte está sob o controle de seu arqui-inimigo, Rogério Avelino da Silva, o
Rogério 157, que foi para o Comando Vermelho (CV) recentemente. O objetivo de
Nem é se capitalizar para estender sua atuação para outros morros da cidade. O
relatório reservado, ao qual os militares já tiveram acesso, ressalta que, além
de vender armas para o bando de Nem, o PCC terá uma fatia dos lucros com a
venda de drogas na Rocinha. A facção paulista é chefiada por Marcos Willians
Herbas Camacho, conhecido como Marcola, que está preso.
GUERRA
PODE SE AGRAVAR NA COMUNIDADE
Os
traficantes ligados a Nem — que passam a integrar a TCP 1533, facção criada a
partir da fusão do Terceiro Comando Puro (TCP) com o PCC — estariam planejando
uma ofensiva na Rocinha para dominar todo o morro, o que pode agravar a
situação na região. De acordo com a investigação, um carregamento de fuzis e
munição já teria sido enviado para os “soldados” de Nem, que estão na Rocinha e
em favelas do Complexo da Maré.
Os
confrontos na Rocinha se intensificaram em setembro do ano passado e, até o
último dia 28 de janeiro, 41 pessoas já tinham morrido. Uma das vítimas foi a
turista espanhola Maria Esperanza Ruiz Gimenez, de 61 anos, baleada quando
visitava a comunidade.
Medo nas ruas de São Paulo
Em maio de 2006, o PCC protagonizou uma onda de
atentados no estado de São Paulo. A facção queimou mais de 90 ônibus e depredou
prédios da polícia e do Corpo de Bombeiros. A guerra deixou 132 mortos.
O
promotor de justiça André Guilherme de Freitas, que atua na Vara de Execuções
Penais e acompanha as articulações de criminosos dentro do sistema
penitenciário, disse que, em dezembro do ano passado, os presos da ADA já
tinham sido separados dos detentos ligados ao TCP. Segundo ele, essa aliança do
TCP com o PCC aumentará a violência no Rio já que a facção paulista adota
práticas de terror: — Os
integrantes do PCC são terroristas, que matam agentes públicos e corrompem
autoridades. Eles não querem ter importância secundária no Rio e, por isso,
cobiçam a Rocinha. O objetivo é ter protagonismo aqui na cidade, como já
conseguiram no Brasil. É o projeto deles: começam pela Rocinha e depois avançam
para o Vidigal — afirmou o promotor.
A facção
chefiada por Marcola é especializada em atravessar a fronteira do Brasil com o
Paraguai para trazer armamento pesado. A tensão na Rocinha pode aumentar porque
o CV controla uma parte da favela. Os confrontos recentes tiveram início
justamente na rivalidade entre Nem e Rogério 157, que está preso em Bangu I. Os
dois já foram aliados.
Antropólogo
e ex-capitão do Bope, Paulo Storani disse que, caso o PCC consiga dominar toda
a Rocinha, haverá um monopólio do crime na cidade. — A
lógica do crime é a seguinte: o inimigo do meu inimigo é meu amigo. O plano do
PCC é dominar o território, se aliando a outras facções. O que importa é o
poder econômico. Além da Rocinha estar estrategicamente na Zona Sul, ela tem um
consumo interno grande: são cerca de 80 mil habitantes. Se o PCC dominar toda a
favela, será uma passo importante para se consolidar no Rio. O PCC usa um
modelo próximo ao de uma ditadura. Se não houver adesão livre, eles eliminam os
opositores.
O Globo