Lula, como esperado, politiza tudo e não responde a questões objetivas, mas seu depoimento reforça o conceito básico de que ninguém pode estar acima da lei
O ministro Teori Zavascki, do Supremo, relator de denúncias
formuladas pela Operação Lava-Jato que envolvem pessoas com foro
privilegiado, comentou uma vez, diante do volume de novidades que não
paravam de surgir da força-tarefa com sede em Curitiba, que era como se a
cada pena que se puxasse viesse uma galinha. De fato, tanto que o fio
da meada que a Lava-Jato começou a puxar na investigação de doleiros que
atuavam em torno de uma casa de câmbio numa área de um posto de
combustíveis em Brasília, daí o nome da operação da Polícia Federal,
acaba de chegar, literalmente, à porta do ex-presidente Lula.
Lançada em março de 2014, a operação esbarrou em Alberto Youssef — personagem já conhecido da Justiça, MP e PF de Curitiba, por crimes de lavagem de dinheiro — e logo detectou rastros do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Esses dois primeiros acordos de contribuição premiada ajudaram a se começar a desvendar o petrolão. Passava a emergir o esquema lulopetista de drenagem de dinheiro público da Petrobras, recursos contabilizados aos bilhões, e escancaravam-se as portas do inferno para vários políticos do PT e de partidos aliados. Ontem, chegou a vez do ex-presidente.
Era certo que em algum momento ele seria chamado a prestar um primeiro depoimento, a seguir a evolução lógica das 23 etapas anteriores da Lava-Jato. E aconteceu na etapa batizada de “Aletheia”, em grego algo como “a busca da verdade”, mais uma inspiração irônica da polícia no batismo de suas ações. O momento em que isso ocorre também é especial.
A condução coercitiva do ex-presidente a depor, feita por policiais federais, pode até ser entendida como uma resposta às pressões bem-sucedidas de Lula e seguidores para a troca do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ex-deputado petista, acusado pelos lulopetistas de não conseguir controlar a PF na Lava-Jato. É pouco provável, dada a complexidade de uma ação como a de ontem, que ela tenha sido decidida depois de confirmada a ida de Cardozo para a Advocacia-Geral da União. Mas ficou o registro da curiosa coincidência, como se fosse um recado a quem planeja invadir prerrogativas operacionais da Polícia Federal, em defesa do ex-presidente, de aliados ou de quem for.
A maré de notícias ruins para o lulopetismo também já atinge de forma direta a presidente Dilma. A detenção do marqueteiro-símbolo da vitória de Lula na reeleição e das duas subidas de Dilma Rousseff pela rampa do Planalto, João Santana e a mulher, Mônica Moura, voltou a excitar os defensores do impeachment. Santana e Mônica caíram na malha das investigações da Lava-Jato que seguem pegadas do dinheiro roubado da Petrobras, por meio de contratos superfaturados por empresas companheiras. Mais precisamente a Odebrecht. Suspeitam promotores e delegados da Lava-Jato que a empreiteira pagou com esse dinheiro ao marqueteiro, para cobrir despesas da campanha de Dilma à reeleição. Algo explosivo.
Lula e Dilma receberiam, ainda, o impacto da delação premiada do senador Delcídio Amaral (PT-GO), até há pouco tempo líder do governo na Casa. A divulgação, pela revista “IstoÉ”, na quinta, de uma espécie de resumo do que o senador relataria a promotores e a delegados, em troca do relaxamento de prisão e futura redução de pena, explodiu no Planalto e em São Bernardo do Campo.
Político conhecido pelo fino tratado e habilidade nos contatos, Delcídio sempre circulou bem no mundo político, e era observador privilegiado da Petrobras, por ter sido diretor da estatal no governo Fernando Henrique Cardoso. Tão privilegiado que é citado em histórias de desvios de dinheiro da empresa. Pois Delcídio, segundo o documento vazado, talvez por mágoas acumuladas ao ter sido abandonado pelo PT e governo, quando foi preso pilhado numa ação para defender por meios oblíquos outro ex-diretor da estatal, Nestor Cerveró, envolveu Lula e Dilma de forma direta em todo o escândalo.
Lula, por exemplo, na articulação para o amigo pecuarista José Carlos Bumlai comprar o silêncio de Cerveró com uma mesada à família do ex-diretor da Petrobras; Dilma, acusando-a de saber das maquinações lulopetistas na estatal, inclusive de toda a negociata com a refinaria sucateada de Pasadena, Texas, e ainda por abrigar Cerveró na BR Distribuidora, depois de perpetrado o crime da compra superfaturada da refinaria. Nesta passagem, segundo Delcídio, Lula e Dilma teriam atuado juntos.
Relatos de Delcídio foram rebatidos com firmeza, logo no fim da tarde de quinta, por José Eduardo Cardozo, já na condição de advogado-geral da União, defesa reforçada por uma nota de Dilma, e novamente ontem, em pronunciamento. Toda delação premiada requer comprovações. Cuidado a ser reforçado no caso de acusações de um político que se sente abandonado. Mas cujas revelações têm grande importância por vir de um senador da República, ex-líder do governo, de trânsito livre no Planalto, de FH a Dilma. E os apoiadores do impeachment de Dilma ganharam mais fôlego ainda.
Toda a Lava-Jato reforça um movimento, que não é de hoje, de
consolidação das instituições republicanas. Ao alcançar o ex-presidente
Lula, um cidadão comum perante a Constituição, a força-tarefa dá esta
contribuição ao país. Seria desastroso, se, enquanto perseguiam o
dinheiro sujo, os investigadores fingissem não perceber que empreiteiras
envolvidas no escândalo reformaram o sítio de Atibaia e o tal tríplex
do Guarujá, visitado por Lula como está registrado em fotos divulgadas
pelo “Jornal Nacional”, em companhia de Léo Pinheiro, da OAS, outro
denunciado. Nem poderiam deixar de ser levados a sério os R$ 30 milhões
pagos a Lula, por conferências, pelas mesmas empreiteiras que receberam
favores na Petrobras no governo do petista. Uma coisa leva a outra, e
não pode pairar dúvida sobre esta relação lógica.
A oposição deixou Lula “sangrar” em 2005 e 2006, no mensalão. A recuperação da economia o salvou. Agora é muito diferente, porque se trata de uma ação típica de Estado. O que dá mais segurança à sociedade de que o desfecho de tudo obedecerá exclusivamente à lei, como deve ser.
Lula, como esperado, partiu para politizar tudo, sem dar qualquer resposta objetiva às questões concretas que o encurralam. O importante é as lideranças de lado a lado evitarem a violência nas ruas. Mas um país cujas instituições já enfrentaram um impeachment sem uma vidraça quebrada, um julgamento equilibrado de mensaleiros no poder e agora desbaratam o petrolão tem todas as condições de investigar os subterrâneos dos governos do PT e suas ramificações, inclusive a vertente do ex-presidente Lula.
Fonte: Editorial - O Globo
Lançada em março de 2014, a operação esbarrou em Alberto Youssef — personagem já conhecido da Justiça, MP e PF de Curitiba, por crimes de lavagem de dinheiro — e logo detectou rastros do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Esses dois primeiros acordos de contribuição premiada ajudaram a se começar a desvendar o petrolão. Passava a emergir o esquema lulopetista de drenagem de dinheiro público da Petrobras, recursos contabilizados aos bilhões, e escancaravam-se as portas do inferno para vários políticos do PT e de partidos aliados. Ontem, chegou a vez do ex-presidente.
Era certo que em algum momento ele seria chamado a prestar um primeiro depoimento, a seguir a evolução lógica das 23 etapas anteriores da Lava-Jato. E aconteceu na etapa batizada de “Aletheia”, em grego algo como “a busca da verdade”, mais uma inspiração irônica da polícia no batismo de suas ações. O momento em que isso ocorre também é especial.
A condução coercitiva do ex-presidente a depor, feita por policiais federais, pode até ser entendida como uma resposta às pressões bem-sucedidas de Lula e seguidores para a troca do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ex-deputado petista, acusado pelos lulopetistas de não conseguir controlar a PF na Lava-Jato. É pouco provável, dada a complexidade de uma ação como a de ontem, que ela tenha sido decidida depois de confirmada a ida de Cardozo para a Advocacia-Geral da União. Mas ficou o registro da curiosa coincidência, como se fosse um recado a quem planeja invadir prerrogativas operacionais da Polícia Federal, em defesa do ex-presidente, de aliados ou de quem for.
A maré de notícias ruins para o lulopetismo também já atinge de forma direta a presidente Dilma. A detenção do marqueteiro-símbolo da vitória de Lula na reeleição e das duas subidas de Dilma Rousseff pela rampa do Planalto, João Santana e a mulher, Mônica Moura, voltou a excitar os defensores do impeachment. Santana e Mônica caíram na malha das investigações da Lava-Jato que seguem pegadas do dinheiro roubado da Petrobras, por meio de contratos superfaturados por empresas companheiras. Mais precisamente a Odebrecht. Suspeitam promotores e delegados da Lava-Jato que a empreiteira pagou com esse dinheiro ao marqueteiro, para cobrir despesas da campanha de Dilma à reeleição. Algo explosivo.
Lula e Dilma receberiam, ainda, o impacto da delação premiada do senador Delcídio Amaral (PT-GO), até há pouco tempo líder do governo na Casa. A divulgação, pela revista “IstoÉ”, na quinta, de uma espécie de resumo do que o senador relataria a promotores e a delegados, em troca do relaxamento de prisão e futura redução de pena, explodiu no Planalto e em São Bernardo do Campo.
Político conhecido pelo fino tratado e habilidade nos contatos, Delcídio sempre circulou bem no mundo político, e era observador privilegiado da Petrobras, por ter sido diretor da estatal no governo Fernando Henrique Cardoso. Tão privilegiado que é citado em histórias de desvios de dinheiro da empresa. Pois Delcídio, segundo o documento vazado, talvez por mágoas acumuladas ao ter sido abandonado pelo PT e governo, quando foi preso pilhado numa ação para defender por meios oblíquos outro ex-diretor da estatal, Nestor Cerveró, envolveu Lula e Dilma de forma direta em todo o escândalo.
Lula, por exemplo, na articulação para o amigo pecuarista José Carlos Bumlai comprar o silêncio de Cerveró com uma mesada à família do ex-diretor da Petrobras; Dilma, acusando-a de saber das maquinações lulopetistas na estatal, inclusive de toda a negociata com a refinaria sucateada de Pasadena, Texas, e ainda por abrigar Cerveró na BR Distribuidora, depois de perpetrado o crime da compra superfaturada da refinaria. Nesta passagem, segundo Delcídio, Lula e Dilma teriam atuado juntos.
Relatos de Delcídio foram rebatidos com firmeza, logo no fim da tarde de quinta, por José Eduardo Cardozo, já na condição de advogado-geral da União, defesa reforçada por uma nota de Dilma, e novamente ontem, em pronunciamento. Toda delação premiada requer comprovações. Cuidado a ser reforçado no caso de acusações de um político que se sente abandonado. Mas cujas revelações têm grande importância por vir de um senador da República, ex-líder do governo, de trânsito livre no Planalto, de FH a Dilma. E os apoiadores do impeachment de Dilma ganharam mais fôlego ainda.
A oposição deixou Lula “sangrar” em 2005 e 2006, no mensalão. A recuperação da economia o salvou. Agora é muito diferente, porque se trata de uma ação típica de Estado. O que dá mais segurança à sociedade de que o desfecho de tudo obedecerá exclusivamente à lei, como deve ser.
Lula, como esperado, partiu para politizar tudo, sem dar qualquer resposta objetiva às questões concretas que o encurralam. O importante é as lideranças de lado a lado evitarem a violência nas ruas. Mas um país cujas instituições já enfrentaram um impeachment sem uma vidraça quebrada, um julgamento equilibrado de mensaleiros no poder e agora desbaratam o petrolão tem todas as condições de investigar os subterrâneos dos governos do PT e suas ramificações, inclusive a vertente do ex-presidente Lula.
Fonte: Editorial - O Globo