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segunda-feira, 18 de junho de 2018

A religião dos empresários



O jogo da liberdade econômica precisa de regras estáveis e árbitros independentes. As mágicas dos populistas produzem lucros imediatos, contratando catástrofes futuras 

O “caso de amor” entre a elite empresarial dos EUA e Donald Trump foi manchete de capa da revista “The Economist”, em maio. No Brasil, uma longa série de indícios e algumas sondagens de opinião sugerem que Jair Bolsonaro é o presidente dos sonhos de significativa parcela do empresariado. Bolsonaro venera Trump, mas é um equívoco cravar explicações ideológicas para os “casos de amor” paralelos: afinal, poucos anos atrás, nossos empresários ajoelhavam-se no altar da devoção ao lulismo. A solução para o enigma situa-se no campo dos interesses — ou, mais precisamente, numa percepção rudimentar, quase infantil, sobre os interesses de negócios.

“Os executivos americanos estão apostando que o presidente é bom para os negócios”, escreveu a “Economist” no seu editorial. Na “era Trump”, as instituições estatais debilitam-se, os EUA conhecem inédito isolamento internacional, e o déficit fiscal tende a explodir. Contudo, os dirigentes das empresas preferem olhar para outra direção: os cortes de impostos corporativos, as iniciativas de desregulamentação econômica e as tarifas comerciais protecionistas prometem ampliar as margens de lucro – no horizonte de curto prazo. O futuro é amanhã: o cálculo político subordina-se aos tempos curtos e ritmos alucinantes da Bolsa. 

Um fenômeno similar conduziu o núcleo do empresariado brasileiro ao pátio de folguedos do lulismo. O “caso de amor” não começou no primeiro mandato de Lula, caracterizado pela manutenção do tripé macroeconômico ortodoxo de FHC, mas no segundo, junto com a expansão das políticas de financiamento subsidiado às empresas, a ossificação do protecionismo alfandegário e a explosão dos estímulos ao consumo. A desastrosa “nova matriz macroeconômica” de Dilma Rousseff, uma teorização das políticas implantadas desde o mandato derradeiro de Lula, não afastou o empresariado. De fato, a ruptura só se deu às vésperas das eleições de 2014, quando o colapso econômico tornou-se evidente. “Os ricos nunca ganharam tanto como no meu governo” o lulismo empresarial encontra explicação na frase célebre — e verdadeira! — de Lula.

No início, a maioria do empresariado rejeitava Bolsonaro. No final de 2017, sob o patrocínio de Meyer Nigri, da Tecnisa, uma campanha de banquetes aproximou o candidato de grupos pequenos de empresários. A onda cresceu exponencialmente. Em fevereiro, num evento para CEOs promovido pelo BTG Pactual no hotel Hyatt, em São Paulo, o candidato foi ovacionado, de pé, por 2,5 mil participantes. Depois, em maio, três dias foram suficientes para esgotar os ingressos para um almoço organizado pela Associação Comercial do Rio. À frente do locaute das grandes transportadoras que deflagrou o movimento dos caminhoneiros estiveram alguns empresários bolsonaristas, notadamente Emílio Dalçóquio, proprietário de 600 caminhões. As bases da candidatura de Bolsonaro estendem-se a amplos setores do agronegócio, especialmente no Centro-Oeste. 

A constelação de motivos declarados por empresários lança alguma luz sobre a opção. Nigri apoia “quem seja contra a esquerda”, pois o Brasil teria se tornado “um país socialista, impossível para os empresários”. Nos eventos do agronegócio, aplaude-se a promessa de “armamento do povo” contra invasores de terras e criminosos. Em Roraima, ovações acompanham as ideias de exploração econômica das terras indígenas e de implantação de campos de refugiados venezuelanos. Bolsonaro descobriu que ganha adesões entusiásticas quando, sob a “inspiração” de Trump, fala em “radicais” medidas de redução de impostos e privatizações. A sedução do empresariado passa pela figura de Paulo Guedes, guru econômico do candidato.

O coração dos empresários oscila da esquerda à direita, sem nunca sair realmente do lugar. Na “era Lula”, enfeitiçava-os o canto de sereia do capitalismo de estado. Numa hipotética “era Bolsonaro”, a miragem ultraliberal produz efeito narcótico semelhante. A religião do dinheiro fácil, aqui e agora, tolda o julgamento, implode a razão estratégica. Tanto quanto nos EUA, os dirigentes das empresas querem um “Estado máximo”, quando se trata de protegê-los da concorrência externa, provocar bolhas de consumo ou subsidiar os combustíveis, e um “Estado mínimo”, quando se trata de preservar bens e serviços públicos. No passo trôpego do embriagado, eles transitam de Arno Augustin, o arauto da “nova matriz macroeconômica” lulista, a Paulo Guedes, o teórico bolsonarista do capitalismo de faroeste.

Os donos do dinheiro nada aprenderam — nos livros ou na experiência histórica. A confiança, ativo intangível que propicia o investimento e a difusão dos intercâmbios, nasce na esfera do contrato político. A economia de mercado só floresce sob a estufa de instituições que garantem os direitos individuais e sociais. O jogo da liberdade econômica precisa de regras estáveis e árbitros independentes. As mágicas dos populistas geralmente produzem lucros imediatos, contratando catástrofes futuras. Os empresários apaixonados por Bolsonaro, um Trump vira-lata dos trópicos, sabotam a si mesmos, enquanto sabotam o Brasil.