O jogo da liberdade econômica precisa de regras estáveis e árbitros independentes. As mágicas dos populistas produzem lucros imediatos, contratando catástrofes futuras
O “caso
de amor” entre a elite empresarial dos EUA e Donald Trump foi manchete de capa
da revista “The Economist”, em maio. No Brasil, uma longa série de indícios e
algumas sondagens de opinião sugerem que Jair Bolsonaro é o presidente dos
sonhos de significativa parcela do empresariado. Bolsonaro venera Trump, mas é
um equívoco cravar explicações ideológicas para os “casos de amor” paralelos:
afinal, poucos anos atrás, nossos empresários ajoelhavam-se no altar da devoção
ao lulismo. A solução para o enigma situa-se no campo dos interesses — ou, mais
precisamente, numa percepção rudimentar, quase infantil, sobre os interesses de
negócios.
“Os
executivos americanos estão apostando que o presidente é bom para os negócios”,
escreveu a “Economist” no seu editorial. Na “era Trump”, as instituições
estatais debilitam-se, os EUA conhecem inédito isolamento internacional, e o
déficit fiscal tende a explodir. Contudo, os dirigentes das empresas preferem
olhar para outra direção: os cortes de impostos corporativos, as iniciativas de
desregulamentação econômica e as tarifas comerciais protecionistas prometem
ampliar as margens de lucro – no horizonte de curto prazo. O futuro é amanhã: o
cálculo político subordina-se aos tempos curtos e ritmos alucinantes da Bolsa.
Um
fenômeno similar conduziu o núcleo do empresariado brasileiro ao pátio de
folguedos do lulismo. O “caso de amor” não começou no primeiro mandato de Lula,
caracterizado pela manutenção do tripé macroeconômico ortodoxo de FHC, mas no
segundo, junto com a expansão das políticas de financiamento subsidiado às
empresas, a ossificação do protecionismo alfandegário e a explosão dos
estímulos ao consumo. A desastrosa “nova matriz macroeconômica” de Dilma
Rousseff, uma teorização das políticas implantadas desde o mandato derradeiro
de Lula, não afastou o empresariado. De fato, a ruptura só se deu às vésperas
das eleições de 2014, quando o colapso econômico tornou-se evidente. “Os ricos
nunca ganharam tanto como no meu governo” — o lulismo empresarial encontra
explicação na frase célebre — e verdadeira! — de Lula.
No
início, a maioria do empresariado rejeitava Bolsonaro. No final de 2017, sob o
patrocínio de Meyer Nigri, da Tecnisa, uma campanha de banquetes aproximou o
candidato de grupos pequenos de empresários. A onda cresceu exponencialmente.
Em fevereiro, num evento para CEOs promovido pelo BTG Pactual no hotel Hyatt,
em São Paulo, o candidato foi ovacionado, de pé, por 2,5 mil participantes.
Depois, em maio, três dias foram suficientes para esgotar os ingressos para um
almoço organizado pela Associação Comercial do Rio. À frente do locaute das
grandes transportadoras que deflagrou o movimento dos caminhoneiros estiveram
alguns empresários bolsonaristas, notadamente Emílio Dalçóquio, proprietário de
600 caminhões. As bases da candidatura de Bolsonaro estendem-se a amplos
setores do agronegócio, especialmente no Centro-Oeste.
A
constelação de motivos declarados por empresários lança alguma luz sobre a
opção. Nigri apoia “quem seja contra a esquerda”, pois o Brasil teria se
tornado “um país socialista, impossível para os empresários”. Nos eventos do
agronegócio, aplaude-se a promessa de “armamento do povo” contra invasores de
terras e criminosos. Em Roraima, ovações acompanham as ideias de exploração
econômica das terras indígenas e de implantação de campos de refugiados
venezuelanos. Bolsonaro descobriu que ganha adesões entusiásticas quando, sob a
“inspiração” de Trump, fala em “radicais” medidas de redução de impostos e
privatizações. A sedução do empresariado passa pela figura de Paulo Guedes,
guru econômico do candidato.
O coração
dos empresários oscila da esquerda à direita, sem nunca sair realmente do
lugar. Na “era Lula”, enfeitiçava-os o canto de sereia do capitalismo de
estado. Numa hipotética “era Bolsonaro”, a miragem ultraliberal produz efeito
narcótico semelhante. A religião do dinheiro fácil, aqui e agora, tolda o
julgamento, implode a razão estratégica. Tanto quanto nos EUA, os dirigentes
das empresas querem um “Estado máximo”, quando se trata de protegê-los da
concorrência externa, provocar bolhas de consumo ou subsidiar os combustíveis,
e um “Estado mínimo”, quando se trata de preservar bens e serviços públicos. No
passo trôpego do embriagado, eles transitam de Arno Augustin, o arauto da “nova
matriz macroeconômica” lulista, a Paulo Guedes, o teórico bolsonarista do
capitalismo de faroeste.
Os donos
do dinheiro nada aprenderam — nos livros ou na experiência histórica. A
confiança, ativo intangível que propicia o investimento e a difusão dos
intercâmbios, nasce na esfera do contrato político. A economia de mercado só
floresce sob a estufa de instituições que garantem os direitos individuais e
sociais. O jogo da liberdade econômica precisa de regras estáveis e árbitros
independentes. As mágicas dos populistas geralmente produzem lucros imediatos,
contratando catástrofes futuras. Os empresários apaixonados por Bolsonaro, um
Trump vira-lata dos trópicos, sabotam a si mesmos, enquanto sabotam o Brasil.