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quarta-feira, 30 de setembro de 2020

O bom exemplo que vem do Uruguai - Percival Puggina

No pequeno Uruguai, a lista das vítimas fatais da covid-19 cabe numa folhinha de papel com 47 nomes. Esse número, dividido pela população do país (3,44 milhões), leva a um índice de vidas perdidas por milhão de habitantes 40 vezes inferior ao dos países que ocupam a parte alta da tabela.

No Brasil, os primeiros passos do combate à pandemia foram marcados pelas performances do Dr. Mandetta
Médico, simpático, bem falante, deputado federal, o ministro tornou-se provedor de conteúdo para as tardes modorrentas do jornalismo brasileiro
Longos saraus de ciência e terror deram tom a desacertos que persistem até hoje. Na vastidão do território nacional, as determinações cobriam a inteira Rosa dos Ventos. O Brasil parou. Espatifou-se um vínculo que não poderia ser rompido e testemunhamos o divórcio entre a proteção da vida e as condições de sobrevivência pelo trabalho. Questões singelas como o uso de máscaras, atendimento precoce, protocolos de higiene e segurança foram apresentados de modo confuso e submetidos a súbitas mudanças de rumo e orientações tolas. Hospitais vazios e doentes em casa, atividade econômica paralisada para “achatar a curva” e vírus ausente são símbolos de um período em que uma elite mal pensante causou à nação um dos maiores prejuízos de sua história.
No diapasão que desde o início do ano afinou a orquestração da mídia nacional, quanto maior o dissabor do presidente com as orientações de seu ministro, mais se agigantava a estátua pública que lhe erguiam os grandes meios de comunicação. 
Foi na esteira desse conflito que o STF tirou a toga, calçou a chuteira e entrou em campo para participar do jogo
O presidente que fique quieto no seu canto. E entregou o coração e o pulmão da economia nacional (o trabalho dos brasileiros) a prefeitos e governadores. “E o cérebro?”, perguntará o inteligente leitor. Pois é. Para que serve, mesmo?

Como todo gaúcho de Santana do Livramento, cidade de fronteira, gêmea siamesa da cidade uruguaia de Rivera, guardo uma afeição muito especial pelo nosso vizinho ao sul. O Uruguai é um país bem cuidado, amado pelo seu povo. A pequena população tem, na média, educação de qualidade superior à nossa e um nível cultural igualmente superior.
Aqui, pertinho de nós, o país deles está sendo estudado como um caso de sucesso no enfrentamento da pandemia. De um artigo escrito por duas economistas do FMI que estudaram as causas desse extraordinário desempenho (1), extraí que o Uruguai se beneficia de uma consciência política superior. Realmente, o país enfrenta o coronavírus com elevada coesão. Não há ninguém querendo criar males nem mortos para colocar na conta do culpado de plantão.

Políticos uruguaios, funcionários de alto escalão e partidos políticos abriram mão de parte de seus vencimentos e receitas para um fundo de combate ao coronavírus. [aqui o presidente do Senado liderou recurso contestando decisão judicial de primeiro grau que autorizava o uso das verbas dos Fundos Eleitoral e Partidário no combate à covid-19.

Ganhou e, em consequência, o combate ao coronavírus perdeu recursos que seriam suficientes para pagar pouco mais de 6.000.000 (SEIS MILHÕES) de auxílio emergencial de R$ 600,00 cada. As eleições municipais vão ocorrer, tipo meia boca, em novembro próximo - fossem adiadas em dois anos se uniriam as de 2022 e o Brasil passaria a ter eleições a cada quatro anos, eleições gerais, economizando uma fortuna.]

Foi um dos primeiros países da América Latina a incentivar o uso de máscaras. Jamais decretou confinamento obrigatório. Reabriu suas escolas no mês de junho. Enquanto isso, no Brasil, entrando o mês de outubro, ainda se discute o retorno às aulas presenciais. A economia e os empregos padecem sequelas de um tombo colossal. Até o mês de agosto, nove milhões de brasileiros haviam perdido seus postos de trabalho. Vulgarizou-se a prática irracional de desconcentrar e diminuir as aglomerações determinando a abertura do comércio em menos horas e menos dias da semana... As ruas exibem portas fechadas, placas de aluga-se ou vende-se, mais e mais superfícies abertas ao depressivo trabalho dos pichadores. [o prefeito da cidade de São Paulo, usando o supremo mandato que lhe foi outorgado, tentou como primeira medida concentrar os engarrafamentos, percebeu que não daria certo e mandou encomendar 38.000 urnas funerárias.

O governador do DF adotou a cidade piauiense na qual passou a infância e retirou equipamentos médicos da Saúde brasiliense para a cidade do Piauí - só que tais equipamentos já faziam falta na Saúde pública do DF.]

Claro, aqui haverá quem considere o Uruguai um mau exemplo.

(1) https://news.un.org/pt/story/2020/08/1722182

Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.