Bolsonaro ao ministro da Defesa: o substituto pode ser general da ativa? Sim, podia
[a demissão do general Santos Cruz será a permissão para a volta das incontinências verbais do 'aiatolá de Virginia' e dos filhos do presidente? Sinceramente, esperamos que não, afinal as coisas começavam a melhorar.]
Estão se confirmando dois grandes temores dos militares, inclusive do
então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, ainda na
eleição presidencial: a contaminação política e a divisão das Forças
Armadas. Elas perdem, o Brasil perde. Ao assumir a linha de frente da campanha do capitão reformado Jair
Bolsonaro, polêmico no próprio meio militar, o Exército assumiu riscos. E
não foi por falta de aviso. A Aeronáutica e a Marinha não mergulharam
tão fundo na aventura e o governo é cheio de generais, mas raros
brigadeiros e almirantes.
Ao demitir ontem o general Carlos Alberto dos Santos Cruz da Secretaria
de Governo, Bolsonaro deu sinalizações negativas para a opinião pública e
às Forças Armadas, em particular o Exército. A principal é que o guru
Olavo de Carvalho andava calado, mas continua forte, capaz de fazer e
desfazer ministros. A segunda é que os filhos do presidente mandam mais
do que ministros e militares do governo. Gustavo Bebianno sabe
perfeitamente disso. A demissão reforça a insatisfação que vai se instalando entre militares
de alta patente com decisões, manifestações, o estilo e o despreparo do
presidente da República. O chefe do GSI, general Augusto Heleno,
continua sendo o grande avalista de Bolsonaro, mas colegas dele, da
ativa e da reserva, já não estão tão confiantes assim.
Bolsonaro não ignora esse descontentamento. Ele já vinha remoendo a
ideia de demitir Santos Cruz há pelo menos três semanas, mas demorou
para reduzir os danos e substituiu um general por outro, Luiz Eduardo
Ramos Baptista Pereira, comandante militar do Sudeste, com sede em São
Paulo. Ontem pela manhã, Bolsonaro chamou para uma conversa o seu amigo e
ministro da Defesa, Fernando de Azevedo e Silva, para lhe comunicar a
demissão de Santos Cruz e fazer uma pergunta direta, sem rodeios: o
substituto poderia ser um general da ativa do Exército? O ministro
respondeu que sim e assim foi. Por último, um cuidado: antes de convidar
o sucessor, Bolsonaro ligou para o comandante do Exército, general
Edson Pujol, pedindo licença. Um gesto preventivo.
Ramos é da ativa, ocupa um dos principais postos da hierarquia militar e
tem assento no Alto Comando do Exército, diferentemente dos outros
generais e militares do governo, todos eles da reserva, como o vice
Hamilton Mourão, Heleno, Fernando e o próprio Santos Cruz. A escolha de
Ramos, assim, é parte da estratégia de Bolsonaro de amenizar o impacto e
as reações negativas à queda de um general que é muito respeitado, como
profissional e como caráter, no meio militar.
Elogiado em todas as Forças Armadas, Santos Cruz ganhou ainda mais apoio
e respeito ao assumir corajosamente, como sempre deve fazer o bom
soldado, a defesa dos generais e dos militares achincalhados em termos
inacreditáveis por Olavo de Carvalho. Só que, enquanto Santos Cruz
partia para o ataque contra o guru, Bolsonaro e seus filhos não paravam
de enaltecê-lo, com postagens nas redes sociais, lugar de honra em
jantar nos EUA, notas oficiais, até a principal medalha do Itamaraty.
Para complicar ainda mais o quadro, Santos Cruz mantinha uma boa relação
com o Ministério da Economia, que coleciona críticas à Secretaria de
Comunicação e à Casa Civil, consideradas frágeis na articulação e na
divulgação da reforma da Previdência e fortes em intrigas, fofocas e
disputas de poder. No último gesto, Santos Cruz desejou saúde, felicidade e sucesso “ao
presidente Bolsonaro e seus familiares”. Essa disciplina ajuda os
militares a tomar partido na nova crise. O general caiu pela força
moral, por defender os generais e atacar seus detratores. Uma demissão
assim tem tudo para deixar cicatrizes.