Giulia Fontes
Plano de
reestruturação da carreira militar tira com uma mão e dá com a outra: economia
com aposentadorias e despesa maior com salários.
O governo
federal está com a corda no pescoço. Para o ano que vem, 94% do orçamento da
União está comprometido com despesas obrigatórias, que incluem o pagamento de
salários, aposentadorias e pensões. Por conta disso, o investimento público
para 2020 deve ser o menor já registrado pela Secretaria do Tesouro Nacional
desde 2007.
Tendo em
vista o cenário de escassez de recursos, o governo tem falado em reduzir as
despesas obrigatórias – promovendo, por exemplo, a reforma da Previdência. Uma
das medidas apresentadas para apreciação no Congresso já no início do mandato
de Jair Bolsonaro (PSL), porém, vai na contramão do aperto nos cintos: são as
mudanças no sistema previdenciário dos militares – que foram encaminhadas aos
parlamentares em conjunto com uma proposta de reestruturação na carreira dos
integrantes das Forças Armadas.
Militares
do Exército em treinamento - Foto: Henry Milleo/Gazeta do
Povo
Apesar de
ter sido enviado para o Congresso em março, o projeto de lei 1.645 de 2019 está
andando a passos lentos na Câmara dos Deputados. Isso porque a prioridade na
Casa era a reforma do regime geral da Previdência – que, agora, já está em
apreciação no Senado. Como o projeto dos civis avançou, a proposta envolvendo
os militares também deve caminhar. Por enquanto, o PL ainda está na comissão
especial formada para avaliar a matéria.
Regras
mais duras de um lado, concessões de outro
As
mudanças incluídas na proposta tornam mais rígidas algumas regras para a
“aposentadoria” dos militares – que, na prática, significa a passagem para a
reserva das Forças Armadas. Entre elas estão o aumento do tempo mínimo de
serviço, de 30 para 35 anos; na alíquota de contribuição, de 7,5% para 10,5%; e
também na idade mínima para a transferência para a reserva, que passaria a
variar de 50 a 70 anos (contra 44 a 66 anos na regra em vigor).
Segundo o
próprio governo federal, essas mudanças devem promover uma economia de R$ 97,3
bilhões em dez anos. Por outro lado, mais alterações incluídas no projeto
provocarão aumento nos gastos de R$ 86,85 bilhões no mesmo período – diminuindo
o saldo positivo aos cofres públicos para R$ 10,45 bilhões. Em comparação, a
reforma da Previdência dos civis tem economia prevista, agora, de R$ 870
bilhões em dez anos.
(...)
Cenário
fiscal é desfavorável
Na
opinião de Luís Eduardo Afonso, professor da Universidade de São Paulo (USP), o
projeto é "uma decepção". "É uma economia muito baixa, e temos
que levar em conta que a proposta ainda precisa tramitar na Câmara e no Senado.
Pode diminuir mais ainda", diz.
Segundo
ele, o momento para pensar em mudanças na carreira dos militares não é
adequado, tendo em vista o contexto das contas públicas e o ganho fiscal
oferecido pelas mudanças. "Ninguém discute que, eventualmente, a carreira
dos militares pode ter muitas defasagens. Mas nesse momento toda a sociedade
está sendo chamada para fazer um sacrifício, enquanto para os militares o
esforço não será tão grande. Estamos comprometendo cada vez mais a capacidade
de governar com gastos obrigatórios, o que é muito complicado", afirma. [o que o ilustre professor esquece é que os militares já vivem no sacrifício e, quando é necessário mais sacrifício, sempre são eles os primeiros a receberem a primeira pancada sacrifical - sempre um sacrifico imposto, sequer perguntam se aguentam.
Sempre confundem o sagrado juramente de 'SACRIFICAR A PRÓPRIA VIDA' com o de suportar sacrifícios financeiros.
Na atual conjuntura os próprios quartéis estão sendo sacrificados, com redução do expediente - alguns quartéis já não tem expediente as segundas, quintas, encerram o expediente ao meio-dia das sextas, reiniciando nas terças.
Como fica o treinamento das tropas, especialmente dos EVs?]
Istvan
Kasznar, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), pondera, por outro lado,
que a carreira militar tem características próprias. Por isso, segundo ele, não
é possível analisar o projeto com o mesmo olhar que se tem para civis e para os
demais servidores públicos. "Há uma necessidade de ajustamento, por conta
da desigualdade de renda que existe no país. Mas não podemos esquecer que os
militares também têm sofrido com cortes de gastos, que afetam o próprio
funcionamento das Forças Armadas" defende.
Um dos
exemplos da falta de recursos vem do Exército. Neste mês de setembro, a
corporação não está tendo expediente às segundas-feiras, justamente para cortar
gastos. A falta de dinheiro deve atingir, também, contratos de serviços – como
limpeza, recolhimento de lixo, e fornecimento de água e luz –, já que o
Ministério da Economia contingenciou 28% dos gastos discricionários do
Exército.
"É
um retrato lastimável da falta de recursos do país. É como se a sociedade
estivesse fazendo escolhas erradas, gastando muito com aposentadoria e pensões
e ficando sem dinheiro para contas básicas", afirma o professor da USP. [lembrando sempre que os aposentados - sejam servidores públicos ou militares - contribuíram sempre sobre todo o salário.
Pagaram conforme as regras e possuem o direito indiscutível de receberem conforme as mesmas regras.]
Militares
de baixa patente consideram projeto injusto
Mesmo
entre os membros das Forças Armadas a reforma não é consenso. Em audiência
pública promovida pela Câmara dos Deputados a respeito do tema, representantes
dos praças disseram que as mudanças privilegiam os oficiais de alta patente.
"Essa reestruturação só beneficia a alta cúpula das Forças Armadas",
criticou Adão Farias, representante da Associação Brasileira Bancada Militar de
Praças.
A
principal reclamação é a disparidade nos percentuais de aumento concedidos nas
promoções previstas no projeto. Para o deputado Darcísio Perondi (MDB-RS),
vice-líder do governo, o texto do Executivo valoriza o esforço dos oficiais.
"Aqui é meritocracia. Na reforma da Previdência, todos precisam
contribuir, desde o que ganha menos ao que ganha mais, porque o buraco fiscal é
gigantesco", defendeu.
Para
Istvan Kasznar, da FGV, é importante que os oficiais com cargos superiores na
hierarquia tenham mais qualificação. "São oficiais que dedicam a vida toda
a isso. Temos que tomar cuidado porque as instituições militares precisam de
elites bem treinadas, mesmo que a estrutura salarial não tenha sido bem montada
de início", afirma.