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quinta-feira, 12 de maio de 2016

O autogolpe de uma presidente



Dilma Rousseff governou sozinha, errou sozinha e criou as condições políticas para ser derrubada - sozinha 

A  petista Dilma Vana Rousseff, reeleita presidente da República há 18 meses ao lado de seu vice, Michel Temer, do PMDB, numa chapa que obteve 54,5 milhões de votos, autogolpeou-se para fora do Planalto. É um autoflagelo político inédito na história do Brasil. Desde que os deputados aprovaram o impeachment dela, no dia 17 de abril, Dilma não tinha mais poder. Agora, com os votos do senadores, não tem mais o cargo. Formalmente, a saída é temporária. Politicamente, é definitiva. Encerra, com feridas abertas num impeachment prolongado e doloroso, os 13 anos do PT no comando do Brasil. Deixa a democracia do país em carne viva. Demorará a cicatrizar.

 Dilma! 11.600.000 desempregados te consideram culpada
 
A agonia recente de Dilma, de seu padrinho Luiz Inácio Lula da Silva e do PT, quando já estavam fracos para o combate político e se limitavam a gritar obsessivamente que o impeachment se tratava de um golpe, pode escamotear as origens da queda da presidente. As semanas que estão frescas na memória, nas quais o poder se dirigia a Temer e abandonava Dilma, constituem o fim de um demorado processo de queda, não seu início. Recortadas sem o correto nexo causal, sugerem a ilusão de que Temer é uma raposa e Dilma, sua presa fácil. Falso. Temer não é mestre da artimanha política nem Dilma desconhece as artes nas quais foi superada.


A dura verdade política, amparada na sequência de fatos dos últimos anos e nos desígnios reservados e públicos de seus principais artífices, expõe o quanto Dilma é responsável por seu triste destino. Maquiavel - sempre ele - destacava o quanto um político, para ganhar ou manter poder, precisava ser ora um leão, ora uma raposa. Leão ao distinguir o momento certo de usar a força para esmagar adversários - adversários que pudesse eliminar e dos quais pudesse realmente prescindir no futuro. E raposa para usar a astúcia quando a força não fosse a estratégia mais adequada, naqueles momentos em que a vitória só fosse possível por meio de ardis. Um político inteligente sabe ser os dois animais.

Dilma não soube ser leoa ou raposa. Salvo lampejos de lucidez política, agiu desde o começo do primeiro mandato erraticamente, sem clara noção dos inimigos que fazia e dos aliados que perdia. Usava a força quando ardis eram necessários e ardis quando a força deveria se impor. Esperava lealdade política de todos, mas só entregava a sua a ministros próximos - e somente aqueles do PT. Mesmo assim, poucos aguentaram até o fim. Eram destratados e ignorados, vítimas de uma presidente que, embora pudesse ser capaz de gestos 

esporádicos de carinho e atenção, optava constantemente pelo esporro como método de comunicação política. Lealdade, a mais valiosa das moedas em Brasília, sem a qual nenhum político triunfa, não existe sem diálogo e cumprimento de acordos. A Presidência de Dilma, um monólogo autoritário para a maioria dos que trabalharam diretamente com ela, e, sem dúvida, para quase todo o Congresso, não permitia demonstrações de lealdade. Somente gestos vazios e promessas vãs, renovadas inutilmente a cada crise.

Hoje pode parecer inverossímil, mas poucos aguentaram por tanto tempo Dilma quanto Michel Temer. Naturalmente, a perspectiva de poder nunca lhe escapou. Mas Temer defendeu Dilma, dentro do PMDB, por anos, conforme os políticos do partido gradualmente passavam a duvidar de que a aliança com o PT lhes era vantajosa. Temer expôs-se como articulador de Dilma em momentos de crise, como em junho de 2013, na revolta do Congresso em 2014 e mesmo no começo do ano passado. Foi desautorizado em todos eles. Dilma nunca confiou em Temer. E Temer, que preside o PMDB há anos e chegou a vice precisamente por ser um político que se define pela lealdade, pela conciliação de interesses, descobriu-se, pela progressão do erros de Dilma e da supercrise criada por ela, na iminência de ser acusado daquilo que mais detesta: traidor.

Temer não tinha forças, nem aptidão, para articular uma conspiração para derrubar Dilma. Mesmo seus aliados mais próximos, que não comungam do mesmo código político, não tinham essa capacidade. O único político que reunia forças para destruir Dilma, no momento certo, se chama Eduardo Cunha. Como qualquer presidente, Dilma não poderia governar sem o Congresso. Mas bem que tentou - tentou durante cinco anos. E cometeu o erro primário de acreditar que poderia ter o Congresso sem ter Eduardo Cunha, o político que determina boa parte dos rumos políticos da Câmara. Foi leoa ao lançar um candidato à Presidência da Câmara para concorrer contra Cunha. Deveria ter sido raposa, pois a vitória era impossível e a derrota, amarga. E foi raposa quando lhe restava apenas ser leoa, ao tentar negociar votos do PT no Conselho de Ética para salvar Cunha. Encontrou um político mais forte e astuto. De tantos erros que cometeu, permitiu-se ser derrubada por ele, no dia 17 de abril.

O vice, que aguardava o desenrolar da crise e, conforme a queda de Dilma se tornava óbvia, se posicionava para assumir, entrou na guerra somente na votação do impeachment na Câmara, quando a vitória era certa. Os fatores que, misturando-se, exerceram influência sobre o comportamento de Temer, de Cunha e dos parlamentares são conhecidos: a força da Lava Jato e a derrocada criminal de chefes do PT, a pressão da opinião pública, o desastre econômico, a inércia política do governo. Formou-se lentamente o consenso, em Brasília, de que Dilma era o problema.

Essas crises - política, econômica, social, moral - têm causas. E uma das principais, em cada uma delas, em maior ou menor grau, está no jeito como Dilma fez política. Guerrilheira por formação, brizolista de alma e petista por hábito, Dilma queria guerra quando reinava a paz. Enxergava aliados como inimigos, impedindo a concórdia política sem a qual não se governa. Errou muito, errou sozinha, sem ouvir, insistiu nos erros e, quando alguns deles se revelaram crimes, não os reconheceu. Já sem força, nos últimos lances de seu melancólico fim, Dilma, quanto mais gritava contra um golpe, mais isolada ficava. Governou sozinha. Caiu sozinha.

Fonte: Época

 

sábado, 21 de novembro de 2015

Esqueça a sexta-feira 13

A presidente, que foi guerrilheira e declarou horror à censura, acaba de aprovar lei apunhalando liberdade de expressão

O massacre de Paris levou a Europa ao estado de guerra, e o mundo ao estado de alerta. Mas o Brasil só pode se indignar com um dos mais graves atentados terroristas da história da humanidade se lamentar primeiro a ruptura da barragem em Minas Gerais. Esse incrível dilema parece coisa do demônio, porque, como dizia Hélio Pellegrino, o demônio é burro. Só ele poderia, em meio ao sangue e à dor, sacar a calculadora.

O ser humano se choca e se revolta com o que quiser. O ser desumano decide o que deve chocar e revoltar os outros. Ele é imune ao sentimento. Perplexidade, medo e morte não atrapalham seus cálculos politicamente corretos. Sua bondade e seu altruísmo estão à venda na feira por 1,99. E acabam de produzir uma façanha: o país voltou a ter uma Lei de Imprensa igualzinha à da ditadura militar. Sancionada pelo governo da esquerda bondosa (1,99).

A presidente da República, que foi guerrilheira e declarou seu horror à censura, acaba de aprovar uma lei apunhalando a liberdade de expressão. Não deve ter ligado o nome à pessoa. A nova Lei do Direito de Resposta impõe aos veículos de comunicação prazos e ritos sumários para defender-se dos supostos ofendidos — uma mordaça, dado o risco de jornais e TVs terem que passar a veicular editoriais dos picaretas do petrolão, por exemplo. Este é, e sempre foi, o plano dos petistas amigos do povo em defesa da verdade: falar sozinhos.

É uma lei inconstitucional, e o Supremo Tribunal Federal terá que se manifestar sobre isso. Claro que a independência do Supremo vem sendo operada pelo governo popular segundo a mesmíssima tática progressista — onde progresso é você assinar embaixo do que eu disser. A democracia brasileira está, portanto, numa encruzilhada — e só Carolina não viu.

Carolina e os convertidos, que não são necessariamente comprados. Fora as entidades e cabeças de aluguel, existe a catequização sem recibo. Estudantes de escolas públicas e privadas do país inteiro enfrentam provas — vestibular inclusive — onde a resposta certa é aquela em que o governo do PT é virtuoso e os antecessores são perversos. O nome disso é lavagem cerebral, e os resultados estão aí: em qualquer cidade brasileira há estudantes sofrendo bullying ideológico da maioria catequizada. Essa é a verdadeira tropa de choque (ou exército chinês) dos companheiros que afundaram o Brasil sem perder a ternura.

Pense duas vezes, portanto, antes de se horrorizar com a carnificina da sexta-feira 13 em Paris. Sempre haverá alguém ao seu lado, ou na sua tela, para denunciar o seu elitismo. E para te perguntar por que você não se choca com a violência em Beirute. E para te ensinar que os próprios europeus são os culpados de tudo. Não adianta discutir — como já foi dito, o demônio é burro. Mas se você achar que isso é cerceamento da liberdade, não conte para ninguém: é mesmo. Trata-se da censura cultural, uma prima dissimulada da censura estatal (a da Lei de Imprensa).

A censura cultural se alimenta desses dilemas estúpidos — sempre buscando um jeito de colar no inimigo o selo de “conservador”, palavra mágica. No Brasil, quem é contra a indústria de boquinhas estatais do PT é conservador — e os que conservam as boquinhas são progressistas. Quem era contra o monopólio estatal da telefonia era conservador (neoliberal, elitista etc.). O monopólio foi quebrado, gerou um salto histórico de inclusão social, mas o sindicalismo petista que tentou conservar esse monopólio é que é progressista. Conservadores são os que acabaram com a conservação.

Jornalistas que criticam as malandragens fisiológicas da esquerda são conservadores — e para realçar o maniqueísmo, claro, vale inventar. O perfil de Carlos Alberto Sardenberg na Wikipédia, por exemplo, foi reescrito com algumas barbaridades por um computador progressista do Palácio do Planalto. O perfil do signatário deste artigo também foi enriquecido com algumas monstruosidades. Depois de retiradas, surgiu ali um editorial sobre “polêmicas” com o PT (que continua lá). Cita um vice-presidente do partido que acusou este signatário de maldizer os pobres e sua presença nos shoppings e aeroportos. Naturalmente, é o partido dele quem ameaça a presença dos pobres nos shoppings e nos aeroportos, com a pior crise econômica das últimas décadas — e com seu tesoureiro preso por desviar dinheiro do povo. Mas esses detalhes conservadores não estão no verbete.

Como se vê, a verdade tem dono. Se você não quer problema com a patrulha, leia a cartilha direito. E, se possível, diga que os 130 mortos pelo Estado Islâmico em Paris não são nada perto da matança nas periferias brasileiras (use à vontade a calculadora do demônio). Pronto, você está dentro. Aí, pode falar de tudo. Lula, por exemplo, disse a Roberto D’Ávila que passou cinco anos sem dar entrevista para não interferir no governo. Procede. Esse que você ouviu falando pelos cotovelos devia ser o palestrante da Odebrecht.

Fonte: O Globo - Por: Guilherme Fiuza,  jornalista