Afinal, os empreiteiros corromperam os políticos,
ou os políticos corromperam os empreiteiros?
Ou ainda: Juiz Sérgio Moro tem de tomar cuidado
para não aliviar a carga do ombro dos companheiros
É preciso desconhecer
profundamente a história do Brasil, e do PT em particular, para que se tenha
alguma dúvida sobre o que está em curso no petrolão. Não estamos diante de uma
questão hamletiana; afastem dessa conversa o “ser ou não ser”; tirem do embate as incertezas, porque tolas, sobre
a origem da roubalheira. A resposta é tão simples, a
resposta é tão óbvia, a resposta é tão evidente: se o governo, como braço
operativo do estado, legitimado pelas urnas, atua como um ente neutro, contrata
os serviços que precisa contratar junto à iniciativa privada, toma as devidas
cautelas para que o dinheiro público seja bem aplicado e fará a melhor escolha:
aquela que alia a qualidade ao melhor preço. Havendo a suspeita de
cartelização, punem-se os responsáveis. E
pronto!
As empresas não têm
como chantagear o governo porque não fazem leis. Mas o governo tem como chantagear as
empresas porque ele ou seus prepostos fazem leis. As empresas não têm
como impor a sua vontade ao governo porque não redigem os editais de licitação. Mas o governo tem como impor a sua vontade às
empresas porque redige editais de licitação — quando
há licitação.
As empresas não têm como conduzir as escolhas do governo porque não podem
instrumentalizar órgãos de Estado para puni-lo. Mas o governo tem como conduzir as escolhas das empresas porque pode
instrumentalizar órgãos de estado para puni-las.
Não! Eu não estou aqui a
afirmar que as empreiteiras formam uma conspiração de anjos. Segundo o que se
viu até agora, não mesmo! Mas foram elas
que apareceram, como o demônio do “Fausto”,
de Goethe, tentando a alma incorruptível
dos políticos? Quer dizer que estes tinham, até ali, uma história de retidão e ascetismo, mas eis que chegaram aqueles
homens maus do concreto armado, com um monte de dólares nas mãos, para seduzir
aqueles pobres senhores? Tenham paciência!
O Ministério Público Federal criou uma página com
esclarecimentos sobre a Lava-Jato. Acho a iniciativa louvável, sim, embora haja
ali um tantinho de proselitismo, de que a página deveria ser escoimada. A ilustração-síntese sugere que tudo começa
com um grupo de empresários que decide praticar fraudes. Para tanto, corrompem agentes públicos, com a ajuda de
doleiros. Com a devida vênia,
isso frauda é a história. Cadê o projeto de
poder dali? Não se trata de uma questão de gosto, de leitura, de ideologia, de
viés, mas de fato. Em sua página, infelizmente, o MP omite a essência do que
estava em curso: havia um partido no comando da operação. Aliás, isso está no
depoimento do próprio Paulo Roberto Costa, segundo quem o PT ficava com parte
considerável mesmo da propina que era paga ao PP.
Os empreiteiros,
parceiros da companheirada na lambança, estão indignados — e isso lá entre eles faz sentido — porque perceberam
que, se deixarem tudo como está, vão, sim, virar bois de piranha. Eles pagarão a maior parte do preço pela
sem-vergonhice que reinou por mais
de dez anos na Petrobras — será
que foi só lá? —, enquanto
há o risco de os principais beneficiários das falcatruas (E NÃO FORAM AS EMPRESAS) saírem por aí livres, leves e soltos. Isso já aconteceu no mensalão. Katia Rabello, a banqueira, não precisava
daquela safadeza para ficar rica — ela já era. Deu-se mal quando pôs a sua empresa a serviço de uma estrutura
criminosa que, esta sim, ganhou muito: ganhou
o poder — que pretendia fosse eterno.
No esforço de manter
parte da investigação na 13ª Vara Federal, em Curitiba, para que não migre toda para o Supremo Tribunal Federal, o juiz Sergio Moro tem
impedido que empreiteiros e ex-diretores da Petrobras citem nomes de políticos
com mandato. Vamos ser claros: não deixa
de ser uma forma incômoda de condução do processo, que leva, ademais, a uma
suposição errada — a de que o esquema tinha um braço de funcionamento que
independia da política. Isso é
simplesmente mentira.
A síntese é a
seguinte: é preciso que o dito rigor de Sérgio Moro
não acabe contribuindo para aliviar o peso sobre as costas do PT, que é, afinal, desde sempre,
o maestro da ópera, não é mesmo? Se os
verdadeiros responsáveis restarem impunes —
ou receberem uma pena branda —, tudo seguirá igual no estado brasileiro.
Façamos um corte puramente sincrônico e
vamos constatar uma óbvia desigualdade: há
uma penca de empreiteiros presos, e todos os verdadeiros beneficiários dos
crimes de que são acusados estão soltos. Há
algo de errado nisso aí.
Fonte:
Blog do Reinaldo Azevedo