Folha de S. Paulo
Pior do que igreja fazer campanha para político é o Estado decidir o que cada igreja pode defender
O abuso do poder religioso deve ser coibido em eleições? O TSE julga uma
ação no curso da qual poderá ampliar o conceito de abuso de autoridade
para abarcar igrejas. Se a tese proposta pelo ministro Edson Fachin sair
vitoriosa, políticos eleitos com uma mãozinha de clérigos poderão ter
seus mandatos cassados. Não sou o melhor amigo das religiões, mas a inovação sugerida por Fachin
me parece inoportuna e perigosa. Ela limitaria em demasia não só a
liberdade de expressão mas também a de crença religiosa.
Já fui proprietário de uma igreja, a Igreja Heliocêntrica do Sagrado
EvangÉlio (IHSE). Era um bom negócio. Criá-la não custou mais do que
algumas centenas de reais e sua existência permitia-me fazer aplicações
financeiras livres de impostos, entre outras vantagens. Como o propósito
de minha aventura sacerdotal não era enriquecer nem usar drogas
legalmente (outra das vantagens), mas demonstrar, numa reportagem, quão
fácil é usar a religião para livrar-se de impostos, acabei fechando a
IHSE.
A legislação brasileira proíbe o poder público de negar registro a
qualquer instituição religiosa cujos estatutos não afrontem nenhuma lei e
sigam uma estrutura semelhante à das associações civis. Não era o caso da IHSE, mas eu poderia ter estabelecido como princípio
único do credo heliocêntrico o “não votarás para presidente em ninguém
cujo sobrenome não comece com a letra b e termine com o”.
Seria um mandamento esdrúxulo, mas totalmente dentro da lei. Nesse caso,
a aplicação da regra proposta por Fachin impediria a igreja de cumprir
seu único desígnio, situação a meu ver incompatível com a da liberdade
de crença assegurada pela Constituição (a Carta não afirma que a crença
precisa fazer sentido). Ainda pior do que igrejas fazendo campanha para políticos é o Estado se
arrogando o direito de exercer supervisão teológica e decidir o que cada
igreja pode ou não defender.
Hélio Schwartsman, colunista - Folha de S.Paulo - UOL